Autor(es): Diogo Castro e Silva |
Valor Econômico - 10/08/2012 |
Se existe algo em comum nos eventos deste século é o acréscimo da incerteza global, com destaque para a geopolítica, com eventos de ruptura ao status quo a sucederem-se ao longo destes doze imberbes anos do novo milênio. No meio de todas estas incógnitas sobre o futuro existem, contudo, certezas. A principal, é a diminuição acelerada do poder dos principais atores do pós-Segunda Guerra Mundial, sejam eles os Estados Unidos e a Europa Ocidental ou a Rússia.
Para as grandes economias emergentes, China, Índia e Brasil, esta é uma oportunidade de liderança embora as três demonstrem uma enorme relutância em preencher o vazio criado. Os três países são herdeiros de uma longa história de não alinhamento, de autarquia política e do seu tecido econômico, negando quase sempre posições afirmativas no contexto internacional. Dos três, o Brasil é aquele que está mais atrás em assumir um novo papel global, sobretudo no capítulo das suas empresas, e que paradoxalmente têm algumas das condições de base mais favoráveis para assumir esse desafio.
Brasil precisa criar empresas globais num conjunto de setores importantes, mais do que barreiras e quotas
Em primeiro lugar, o Brasil não tem rival geopolítico por perto da mesma forma que a China e Índia são rivais no mesmo espaço geográfico. Este aspecto pode parecer um pormenor, mas é importante na medida em que libera recursos da defesa e segurança nacional para a economia e coloca menores obstáculos políticos à capacidade de influenciar o espaço geográfico regional.
Em segundo, pela natureza multinacional e multiétnica da sua população. Num mundo onde as identidades são por vezes assassinas, como tão bem escreve o escritor libanês Amin Maalouf, o Brasil construiu a sua identidade feita de contribuições do mundo inteiro. Num mundo globalizado de negócios tem que contar como vantagem ter no seu seio uma comunidade com ascendência do Oriente Médio de mais de oito milhões de pessoas, só para dar um exemplo.
Por outro lado, este fato dá também uma capacidade de atração de talento mundial ao Brasil que só tem rival nos Estados Unidos. Grande parte da excelência educacional deste último, por exemplo, veio de absorver talento de todo o mundo. O sucesso de Silicon Valley teria sido impossível sem a quantidade de engenheiros indianos que contribuíram para o mesmo (tendo muitos deles regressado à Índia depois e criado as suas empresas).
A multiplicidade da sua população e a capacidade de integrá-la com sucesso fazem do Brasil um país bem diferente da China e Índia, ambos com problemas étnicos e religiosos profundos. O "samba dream" pode ser, pois, um motor poderoso do desenvolvimento da economia do país.
Por último, a extensão cultural do Brasil nos cinco continentes por via da língua portuguesa. Este é um aspecto que também marca uma diferença profunda do Brasil face à China e Índia. O aproveitamento com sucesso deste trunfo pode dar uma contribuição decisiva para internacionalização das empresas brasileiras e da sua economia e dá ao país uma capacidade de intervenção ímpar no continente africano, peça essencial da geopolítica do século XXI. Basta pensar em Moçambique e do seu potencial para ser a porta do Índico de toda uma região rica em recursos naturais e indústria e onde o investimento brasileiro já é significativo. Para isso o Brasil precisa assumir como sua a condução de uma "Commonwealth" do mundo português...só que feita pela ex-colônia em vez da metrópole. Da mesma forma que o processo de independência do país tem contornos únicos na história mundial, também aqui o Brasil pode inovar e assumir aquilo que hoje Portugal não tem hoje capacidade de fazer.
Existe uma base que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), mas é necessário dar-lhe muito mais conteúdo. O Brasil representa mais de 80% do PIB de toda a CPLP. Estender, por exemplo, a consideração de incorporação nacional do setor do petróleo para subsidiárias de empresas do país situadas no espaço da CPLP pode resolver muitos gargalos do programa de investimentos da Petrobrás, ancorar a internacionalização das empresas e ajudar nos aproximar da fileira de serviços de petróleo brasileira à angolana aumentando o mercado potencial das empresas que servem a Petrobras. À semelhança da Índia e da China, o Brasil precisa criar as suas empresas globais num conjunto de setores importantes e mais do que barreiras e quotas, este é o caminho que terá mais efeitos em longo prazo no aumento de competitividade das empresas no mercado doméstico.
África é hoje, e bem, uma prioridade da política externa do país. É o continente que está entre o Brasil e os seus principais clientes, nomeadamente a China, e partilha com o Brasil muitas características onde o país foi ímpar a explorar como perfil agrícola e de recursos naturais. Dar corpo econômico à realidade da CPLP pode ser um poderoso trampolim de liderança para o Brasil num espaço que já é hoje objeto prioritário da concorrência internacional. Sem esquecer que Portugal tem ociosos no presente recursos humanos e industriais em muitos setores que podem ajudar e muito na competitividade internacional e doméstica das empresas brasileiras.
Capturar talento pelo mundo, internacionalizar as empresas, aproveitar as ligações informais das suas comunidades imigrantes são as cartas que o Brasil tem ao seu dispor para também ele liderar este mundo em mudança. Agora é só jogá-las.
Diogo Castro e Silva é diretor-executivo do BCG Brasil.
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sexta-feira, 10 de agosto de 2012
Mundo em mudança: que liderança para o Brasil?
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