domingo, 27 de janeiro de 2013

A interdependência entre segurança e desenvolvimento: uma contribuição brasileira, por Mariana Kalil


Em 2002, após vasta discussão acerca da ameaça de Estados à própria população, em assembleia de notáveis reunida no Canadá, no âmbito da International Community on Intervention and State Sovereignty, lançou-se conceito chamado de responsabilidade de proteger, a r2p (EVANS & SAHNOUN, 2002). A partir dele, foram consagradas a responsabilidade primária do Estado em proteger sua população e a responsabilidade da comunidade internacional de agir, em caso de os Estados falharem em cumprir sua responsabilidade (ICr2p, 2012). Esse exercício de accountability seria feito por meio de métodos pacíficos, como os diplomáticos e humanitários, ou pelo uso da força, quando autorizado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas (ICr2p, 2012).
Em 2005, diante das discricionariedades da guerra contra o terror, o Secretário Geral das Nações Unidas Kofi Annan expediu documento chamado “In larger freedom – towards security, development and human rights for all”. Nesse contexto, foi criada a Comissão de Construção da Paz das Nações Unidas. Ainda, na vaga da ampliação do conceito de segurança no pós-Guerra Fria, Kofi Annan mostrou-se convencido de que desenvolvimento, segurança e direitos humanos caminham de mãos dadas (BUZAN & WEAVER,1997; ANNAN, 2005). O lançamento da r2p, adotado em resolução do Conselho de Segurança em 2006 e da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2009, e o posicionamento de Annan levaram à percepção de que a soberania não seria inviolável, em casos de expresso desrespeito aos direitos humanos, como em situações de genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica (ICr2p, 2012).
 A Primavera Árabe, entre 2010 e 2011, surpreendeu estudiosos de Oriente Médio e pareceu momento propício para a utilização do conceito de responsabilidade de proteger (GAUSE, 2011). Dessa maneira, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou duas resoluções que se remetem diretamente àquela que, em 2006, adotou o conceito de r2p: a Res. 1973, sobre a questão da Líbia, e a Res. 1975, sobre a questão da Costa do Marfim (GAUSE, 2011; ICr2p, 2012). O Brasil absteve-se da votação da Res. 1973 e a explicação da Embaixadora Maria Luisa Viotti ressaltou não somente o entendimento brasileiro de que a Resolução possibilitava que fosse extrapolado o objetivo de cessar a violência contra civis, mas a percepção brasileira de que o uso da força, com frequência, agrava a situação dos civis, tornando seu custo-benefício questionável (MRE.gov,2011).
A hesitação da diplomacia brasileira em assumir posições que violem a soberania dos Estados, além de estar baseada na noção realista de seu status relativo no sistema internacional, coaduna-se com o objetivo brasileiro de promoção do desenvolvimento (DINIZ, 2006). O Brasil aborda o desrespeito aos direitos humanos como produto do comprometimento do desenvolvimento. O país não nega a importância de haver um ambiente seguro para que os negócios da paz floresçam, mas entende que uma paz sustentável somente pode ser construída por meio da afirmação da interdependência entre segurança e desenvolvimento (Reunião 6479/CSNU,fev. 2011).
Distante de rechaçar o conceito de responsabilidade de proteger, a política externa brasileira considera-o último recurso, enfatizando a possibilidade de seu uso seletivo por um Conselho de Segurança pouco democratizado (VIOTTI, 2012). Nesse sentido, em 2011, em sua presidência como membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Brasil promoveu debate que levou ao consenso, dentro do referido órgão, de que segurança e desenvolvimento estão estreitamente vinculados e se reforçam mutuamente (Reunião 6479/CSNU, 2011). Em momento posterior, em novembro do mesmo 2011, a política externa brasileira apresentou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas o conceito de responsabilidade ao proteger, rWp, cuja proposta busca: valorizar a prevenção de conflitos e privilegiar os meios pacíficos de solução de controvérsias; afirmar a excepcionalidade do uso da força bem como sua proporcionalidade; observar a necessidade de ater-se rigorosamente aos mandatos das resoluções e que o imperativo de ações militares não cause maiores danos à sociedade civil (VIOTTI, 2012). A apresentação do rWp ocorreu em momento oportuno em que membros permanentes questionavam-se acerca do envolvimento de seu aparato militar em ações como aquela na Líbia (EVANS, 2012). O conceito foi, também, recebido com entusiasmo por um dos fundadores da r2p que destacou que ambos os conceitos se complementam (EVANS, 2012).
Em fevereiro de 2011, quando presidiu o Conselho de Segurança das Nações Unidas, além de pretender consolidar a interdependência entre a segurança e o desenvolvimento, o Brasil, em busca de operacionalização dessa interdependência, sugeriu ao CSNU que adensasse a cooperação com a Comissão de Construção da Paz (CCP), órgão no qual o país comanda painel sobre a situação na Guiné Bissau (Reunião 6479/CSNU,fev. 2011).
A participação brasileira nos esforços da CCP em Bissau e na MINUSTAH é, aliás, exemplo paradigmático da operacionalização da interdependência entre segurança e desenvolvimento. No Haiti, a participação de tropas brasileiras reforça a compreensão do país de que o envolvimento do aparato militar em missões de paz é importante para prevenir o escalonamento de conflitos, o que acontece paralelamente à ação do próprio Estado, quando possível, em cooperação direta com a Missão e com organismos civis como organizações não governamentais (KENKEL, 2010).
Percebe-se, portanto, que o objetivo brasileiro de promover o desenvolvimento no cenário internacional é avançado por uma política externa que, de maneira inédita, como demonstra o lançamento do conceito de rWp, busca consolidar a interdependência entre segurança e desenvolvimento.
Bibliografia:
ANNAN, Kofi (2005). In larger freedom – towards security, development and human rights for all.Disponível em : <http://www.un.org/largerfreedom/sg-statement.html>. Acesso em: 06 de abril de 2012 às 12:15.
BUZAN, Barry & WEAVER, Ole; WILDE, Japp De (1997). Security: A New Framework for Analysis. Boulder:Lynne Reinner Publishers, 208p .
DINIZ, Eugênio (2006). O Brasil e as missões de paz. In: LESSA, Antonio Carlos & ALTEMANI, Henrique. Relações Internacionais do Brasil: temas e agendas. Vol.1.São Paulo: Saraiva, 2006.
EVANS, Gareth & SAHNOUN, Mohamend (2002). The responsibility to protect. Disponível em: <http://www.foreignaffairs.com/articles/58437/gareth-evans-and-mohamed-sahnoun/the-responsibility-to-protect#>. Acesso em: 06 de Abril de 2012 às 12:00.
GAUSE, F. Gregory (2011). Disponível em : <http://www.foreignaffairs.com/articles/67932/f-gregory-gause-iii/why-middle-east-studies-missed-the-arab-spring>. Acessado em 06 de Abril de 2012 às 11:00.
ICr2p (2012) Disponível em : <http://www.responsibilitytoprotect.org/index.php/about-rtop#un_dev>. Acesso em: 06 de Abril de 2012 às 12:00.
KENKEL, Kai Michael (2010). South America’s emerging power: Brazil as a peacekeeper. International Peacekeeping. Vol. 17, Iss. 5.
Reunião 6479/CSNU, fev. 2011 (2011). Disponível em:<http://www.un.org/Depts/dhl/resguide/scact2011.htm>. Acesso em: 06 de Abril de 2012 às 13:07.
VIOTTI, Maria Luiza (2012). Segurança coletiva. Disponível em: <http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/2/16/seguranca-coletiva>. Acesso em: 06 de Abril de 2012.
Mariana Alves da Cunha Kalil é bacharel em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio e mestranda em Política Internacional Comparada pela Universidade de Brasília – UnB. (marianakalil@gmail.com)

Fonte: Mundorama

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