segunda-feira, 23 de julho de 2012

Oriente Médio: Itamaraty sem estratégia


Hussein Ali Kalout
Grande arena geopolítica atual, a região é pouco estudada pelos diplomatas. As embaixadas tem de parar de servir de geladeira a acomodar ambições individuais 
As recentes investidas da diplomacia brasileira no Oriente Médio atestam a disposição do país a ser um player global respeitado. Afinal, há décadas a região é a principal arena da geopolítica internacional.
O Brasil se aproximou da região com o governo Lula, promovendo um maior número de visitas de alto nível aos países da área e patrocinando a realização da Cúpula América do Sul-Países Árabes. Isso sem contar a tentativa de mediação da crise nuclear iraniana. O esforço, entretanto, não foi aproveitado pelo Itamaraty.
Infelizmente, a escassez de conhecimento acerca das complexidades culturais, sociais, políticas e religiosas do Oriente Médio ainda é regra na chancelaria brasileira. As iniciativas são reativas e não há um posicionamento diplomático sistêmico, embora o Brasil tenha a maior comunidade árabe do mundo e uma das principais colônias judaicas.
Isso fica claro pelo fato de 19 dos 23 embaixadores dos países da área nunca terem servido no Oriente Médio anteriormente. Sem contar que apenas dois falam árabe e somente dois atuaram no departamento do oriente médio da chancelaria.
A falta de estratégia para a região também fica patente a partir da análise das teses defendidas no Curso de Altos Estudos (CAE) do Itamaraty, etapa obrigatória aos diplomatas que almejam chegar ao posto de embaixador. Instituído em 1979, foram 618 teses defendidas. Apenas 28 versam sobre mundo árabe e Oriente Médio -menos de 5%. Entre os embaixadores na região, apenas três defenderam suas teses com temáticas vinculadas à realidade sociopolítica do Oriente Médio.
Os números do Itamaraty contrastam cabalmente com a realidade do Conselho de Segurança da ONU, órgão no qual o Brasil pleiteia uma vaga de membro permanente.
Desde sua criação, em 1946, o conselho votou pouco mais de 2.000 resoluções. Aproximadamente 50% delas tratavam de questões relativas ao Médio Oriente e o mundo islâmico. Tal percentagem cresce ainda mais se considerarmos as resoluções votadas a partir do fim da Guerra Fria, em 1991.
Atores políticos cruciais da região, como a Arábia Saudita, a Síria e o Egito, nunca instigaram os diplomatas brasileiros em seus trabalhos de especialização. Sobre o Líbano há uma única tese, defendida ano passado.
Em sua divisão interna de trabalhos, o Itamaraty não entende o Egito e o Irã como nações pertencentes ao Oriente Médio. Uma objetividade geográfica que revela a pouca intimidade da chancelaria com a região. Os diplomatas que se especializaram naquele espaço geográfico o fizeram de forma solitária e independente e, em boa medida, acabaram esquecidos ou ficaram à deriva em suas carreiras.
A revolução político-social no mundo árabe levará a geopolítica mundial a novos contornos. É essencial que o Brasil assimile essa transformação, já que o Oriente Médio não é mais espaço de concertação exclusivo dos EUA e das potências europeias. Seria interessante que o Instituto Rio Branco oferecesse mais espaço à especialização em Oriente Médio, islamismo, Ásia, China e Índia. Para tanto, é indispensável a estruturação de uma política eficiente de recursos humanos.
Cabe à chancelaria não mais tratar as embaixadas da região como um laboratório ou como uma geladeira para acomodar ambições individuais dos diplomatas em sua disputa interna por espaços. Os interesses estratégicos do Brasil no cenário internacional exigirão mais profissionalismo e menos conveniências burocráticas. 
HUSSEIN ALI KALOUT, 35, cientista político, especialista em Oriente Médio, é professor de relações internacionais e assessor internacional do Superior Tribunal de Justiça 

Fonte: Folha 

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