quinta-feira, 5 de abril de 2012

Os testes de mísseis iranianos e a construção de eventos relevantes para a segurança internacional, por Marcos Valle Machado da Silva

No primeiro dia de 2012, assisti na mídia televisiva de dois canais brasileiros a notícia de que o Irã lograra êxito na fabricação de pastilhas de combustível para reatores nucleares e que, paralelamente, sua Marinha realizara exercícios envolvendo o lançamento de “Mísseis de Médio Alcance”. As imagens apresentadas nos dois canais mostravam navios iranianos efetuando o lançamento de torpedos e Mísseis Superfície-Superfície (MSS), estes últimos não necessariamente seriam “Mísseis de Médio Alcance”. O ponto que gostaria de destacar é que os lançamentos ou testes de mísseis iranianos são, usualmente, apresentados na mídia ocidental, direta ou indiretamente, como algo “perigoso” e, no mínimo, “preocupante” para a segurança internacional.
Nesse sentido, restringindo nossa abordagem apenas aos mísseis lançados por meios navais, cabe questionarmos: por que o lançamento ou teste de mísseis por parte de navios iranianos seria algo preocupante? Somente a Marinha do Irã vem conduzindo esse tipo de exercício? Outras Marinhas tem testado mísseis? Caso a resposta seja afirmativa, que tipo de Mísseis seriam esses? Seriam similares ou de maior potencial destrutivo que aqueles lançados pelos navios iranianos? E por que esses outros testes envolvendo mísseis lançados por meios navais de outras Marinhas não são noticiados e apontados, ainda que indiretamente, com algo relevante par a segurança internacional?
Buscando responder a essas questões, cabe apontar que ao longo de 2011 as Marinhas da Rússia, dos Estados Unidos e do Reino Unido, por exemplo, realizaram testes envolvendo o lançamentos de mísseis. Em dezembro de 2011, a Marinha da Rússia efetuou o lançamento de dois Mísseis Balísticos Intercontinentais Lançados por Submarino (SLBM) do tipo Bulava. O teste deste míssil, capaz de transportar várias ogivas nucleares e tendo o alcance de mais de 8.000 quilômetros, não parece ser percebido pela mídia nacional e em sentido amplo, pela mídia internacional, como uma questão relevante para a segurança internacional. Do mesmo modo, no dia 8 de novembro de 2011, a Royal Navy realizou o lançamento de um míssil de cruzeiro Tomahawk, por um de seus submarinos nucleares de ataque – o HMS Astute - o que também não foi noticiado, ou percebido como relevante pela grande mídia. Ainda para evidenciar a necessidade de mantermos o constante olhar crítico sobre o aquilo que nos é apresentado, mesmo indiretamente, como algo relevante nas questões de segurança internacional, cito o lançamento de um SLBM Trident II D-5 realizado pela Marinha dos Estados Unidos. Esse teste correspondeu ao lançamento número 135 de mísseis Trident II, e foi realizado pelo USS Nevada (um SSBN da Classe Ohio) no dia 1 de março de 2011. O Trident II, assim como o Bulava, é um Míssil Balístico Intercontinental capaz de transportar várias ogivas nucleares. É difícil entender porque testes com esses mísseis não são percebidos, pela grande mídia, como uma questão relevante em termos de segurança internacional.
Nesse ponto, gostaria de deixar claro que este artigo não tem como propósito fazer uma crítica à qualidade da mídia nacional, mas sim apontar como alguns eventos são apresentados na grande mídia de modo a formar, mesmo que não intencionalmente, uma percepção de que alguns Estados estão efetuando eventos únicos que comprometem a segurança internacional. É também pertinente ressaltar que não se trata de fazer uma defesa da política externa e de defesa do governo iraniano, pelo contrário, tenho a percepção de que o programa nuclear iraniano e o programa de mísseis desenvolvido por aquele Estado são fontes de instabilidade regional (independentemente do Estado iraniano ter motivos que justifiquem esses programas).
A questão que julgamos relevante evidenciar e colocar em discussão é a de como, indiretamente, é formada a percepção de que alguns Estados são responsáveis o suficiente para testar e possuir mísseis de alcance intercontinental e capazes de transportar ogivas nucleares, ao passo que, paralelamente, é formado o senso comum de que alguns Estados não seriam tão responsáveis para ter “Mísseis de Médio Alcance” e, portanto, devem ser objeto da atenção e preocupação da opinião pública internacional.
Em síntese, confrontando os lançamentos dos mísseis iranianos supracitados com aqueles realizados pelas Marinhas de três grandes potências, com interesses diretos no chamado Oriente Médio. Além disso, o alcance e poder destrutivo dos “Mísseis de Médio Alcance” lançados pelos navios iranianos não poderem ser comparados com aqueles proporcionados por Bulavas, Tomahawks e Tridents. No entanto, é feita uma construção, consciente ou não, por parte da grande mídia, de que o caso iraniano representa uma questão de preocupação para a segurança internacional. De fato, a questão é pertinente, mas, cabe mantermos o olhar crítico e questionador em relação aos eventos que são apontados como relevantes para a segurança internacional e aqueles que não são, mesmo que em essência envolvam a mesma questão, apenas executada por diferentes Estados. Finalizando, não podemos esquecer que não existe Equilíbrio de Poder na construção da agenda de segurança internacional, quando confrontamos as potências ocidentais com Estados como o Irã.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

Marcos Valle Machado da Silva é Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense – UFF,  Mestre em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e em Estudos Estratégicos pela Universidade Federal Fluminense – UFF. É professor da Escola de Guerra Naval – EGN (mbvalle2002@yahoo.com.br).


Fonte: Mundorama

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