CMG (RM-1) Marcio Bonifacio Moraes
“A ausência de um processo de análise contínuo e sistemático, que trabalhe com todas as fontes de dados disponíveis, pode conduzir a que alguns itens possam ser grosseiramente superestimados e outros completamente ignorados”.
General Reinhard Gehlen
Chefe do Serviço de Inteligência do Grupo dos Exércitos do Leste,
e um dos fundadores do Serviço de Inteligência Alemão - BND
1. INTRODUÇÃO
Inteligência de Fontes Humanas é, certamente, a mais antiga e tradicional forma de
obtenção de dados e conhecimentos para a Atividade de Inteligência. Ela é feita,
normalmente, por intermédio de agentes, espiões, elementos infiltrados e recrutados,
informantes, prisioneiros de guerra, defectores e outros.
2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTANCIA DO EMPREGO DE FONTES HUMANAS PELA ATIVIDADE INTELIGÊNCIA
O emprego de Fontes Humanas na busca de dados sigilosos, técnica largamente utilizada durante as duas Grandes Guerras e no período da “Guerra fria” foi, por muito tempo, esquecida e/ou negligenciada. Em seu lugar, passaram a ter prioridade o emprego das Fontes de Sinais (SIGINT)# e de Imagens (IMINT)#, consideradas mais seguras, pois não havia o risco de expor o elemento humano.
Nos EUA, a CIA, que é o organismo oficialmente responsável pela administração de busca de dados por intermédio de fontes humanas no exterior, ficou muito debilitada no setor.
Os limites impostos à Diretoria de Operações (DO), dando ênfase às atividades
SIGINT# e IMINT#, durante a gestão do Almirante Stansfield Turner (diretor da CIA
de 1979-1981 no governo do presidente Jimmy Carter) e, posteriormente, os limites
impostos no recrutamento operacional ocorridos durante o governo do presidente Bill
Clinton, fragilizaram ainda mais o setor. Essas restrições chegaram ao extremo de
excluir do processo de recrutamento pessoas que, eventualmente, tivessem violado
direitos humanos ou que fossem engajadas em atividades terroristas. Além disso, os
recrutamentos operacionais só poderiam ser feitos com a prévia aprovação do DDO#,
processo considerado lento, burocrático e ineficiente, considerando que a CIA possui
bases em praticamente todos os continentes e que o número de assinalados# é
expressivo.
Se considerarmos que a tarefa de recrutar um militante de uma organização terrorista
como a Al Qaeda significava, por definição, recrutar um terrorista, a ação estaria
automaticamente inviabilizada.
Entretanto, um fato iria mostrar que o emprego de Fontes Humanas é fundamental
para a busca de dados sigilosos. No dia 14 de maio de 1998, o presidente Bill Clinton
assistiu perplexo, pela televisão, o pronunciamento do primeiro-ministro da Índia Atal
Behari Vajpayee que, com pompa e orgulho, declarou: “A Índia hoje acaba de se
transformar em uma potência nuclear”. Esse era o fim de uma bem sucedida
operação# sigilosa que conseguiu levar a efeito e concluir com êxito uma série de
explosões nucleares subterrâneas, embora a região onde elas ocorreram, estava sob
constante monitoramento de satélites de IMINT. A grande pergunta foi: o que teria
ocorrido com o eficiente monitoramento de imagens?
O fato é que desde 1995, por uma indiscrição do governo norte-americano#, os
indianos acabaram descobrindo que o seu programa nuclear estava sendo monitorado
por satélites. Assim, os indianos passaram a estudar as órbitas desses satélites
procurando identificar os momentos em que eles não podiam fazer a cobertura da
região, alteraram sua rotina de trabalho e utilizaram recursos de camuflagem
impedindo, assim, que os analistas de imagens norte-americanos notassem qualquer
movimento suspeito. O mais interessante é que a base da CIA em Nova Déhli possuía
uma centena de agentes, que permaneceram inativos. Essa foi uma grande lição para a
Inteligência dos EUA. A busca de dados sigilosos não pode ser realizada somente por
intermédio de meios técnicos. Ela deve ser integrada com o elemento humano – é o
que se costuma denominar integração de fontes.
3 – O EMPREGO DE FONTES HUMANAS NO COMBATE AO TERRORISMO
Os acontecimentos ocorridos em 11 de setembro de 2001# colocaram os EUA diante de um dilema muito semelhante. Tinham, uma vez mais, que direcionar o seu esforço de busca de dados por intermédio de meios técnicos (SIGINT e IMINT), uma vez que não possuíam redes de fontes humanas estruturadas nos países árabes, especialmente no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão. Assim, o único país capaz de auxiliar os EUA foi Israel que, por razões de um constante estado de beligerância com os árabes, possuía dados atualizados e confiáveis sobre os mencionados países e os grupos terroristas atuantes.
Dessa forma, a Inteligência de Fontes Humanas voltou à evidência, especialmente no combate ao terrorismo internacional, nos conflitos assimétricos e no narcotráfico. Nessas ocasiões é de fundamental importância o emprego do elemento humano, especialmente nas infiltrações, no recrutamento, no trato com prisioneiros e com a própria população.
Após 11 de setembro de 2001, o FBI aumentou o número de agentes que trabalham com terrorismo e contraterrorismo em 106%, de analistas de Inteligência em 205% e criou uma categoria especial de agentes devotados exclusivamente na busca de dados#.
O mesmo aconteceu com a CIA que também sofreu profundas modificações durante o governo de George W. Bush#.
Mesmo com esse novo panorama, recrutar e/ou infiltrar agentes em organizações terroristas como a Al Qaeda permanece uma tarefa complexa e arriscada. Os escalões mais elevados dessa organização são ocupados por pessoas já conhecidas e que lá militam desde a sua formação. Não deve ser esquecido que os mais antigos militantes da rede Al Qaeda atuaram contra os russos por cerca de dez anos, durante a ocupação soviética do Afeganistão (1979-1989). Por outro lado, situação semelhante acontece nas organizações estruturadas de narcotráfico.
Outro fator a ser considerado é que nos dias de hoje existe uma forte tendência em se coletar dados, sem que haja uma preocupação em analisá-los, sempre buscando umsignificado final. Os EUA gastam cerca de 90% do seu orçamento destinado para a Inteligência (estimado em cerca de US $ 40 bilhões) na busca de dados por intermédio de meios técnicos (SIGINT e IMINT) e menos de 10% no processamento e análise desses dados.
O problema aumenta de complexidade, quando os dados que vão ser analisados estão em outro idioma, como é o caso dos inúmeros dialetos árabes. A falta de tradutores e intérpretes especializados faz com que esses dados sejam, muitas vezes, abandonados ou permaneçam sem ser analisados por algum tempo.
Um exemplo marcante dessa falta de sinergia no processamento de dados sigilosos foi o atentado terrorista de 11 de setembro de 2001. Existiam indícios que evidenciavam a ação terrorista, mas as falhas ocorreram na comunicação entre os elementos envolvidos, na análise e interpretação dos dados disponíveis.
Em 25 de dezembro de 2009, o nigeriano Umar Farouk Abdulmutallab detonou um artefato explosivo no avião que fazia um vôo entre Amsterdã/Holanda e Detroit/USA. A inteligência norte-americana já possuía todos os dados a respeito dessa pessoa e de suas intenções# mas foi incapaz de analisá-los, interpretá-los e disseminá-los oportunamente.
4- O EMPREGO DE FONTES HUMANAS NO CASO DE OSAMA BIN LADEN
Finalmente, vamos analisar os fatos que levaram a descoberta do paradeiro e morte do líder terrorista Osama Bin Laden, no dia 02 de maio de 2011.
Segundo as autoridades norte-americanas, foi mencionado que há quatro anos os serviços de Inteligência haviam identificado um mensageiro de confiança de Bin Laden, elemento de ligação com a organização. Há dois anos, sua área de operação foi descoberta e, em agosto de 2010, a mansão situada na cidade de Abbottabad foi localizada, dando início à operação propriamente dita.
A CIA teria mantido na região uma equipe de agentes que fazia o seu trabalho baseado em uma “casa segura#”. Esse grupo de agentes teria mantido, por meses, uma vigilância sobre o alvo, possibilitando assim, levantar detalhes físicos da casa, confirmar a sua presença no local, saber quantas pessoas habitavam a residência e que rotina faziam, levantar os dispositivos de segurança e outros dados considerados vitais para a futura operação. Ela foi realizada com extremo sucesso por equipes dos SEALS# da Marinha dos Estados Unidos e que culminou com a captura e morte de Bin Laden, transmitida à base de operações por intermédio do sinal código E-KIA (Enemy killed in Action).
Segundo integrantes da CIA, essa teria sido uma das mais sensíveis e delicadas operações de Inteligência com emprego de Fontes Humanas, na história recente da Agência. Esse é um exemplo bem sucedido do emprego integrado de Inteligência de fontes de imagens, de Sinais e de fontes humanas em uma operação.
Ainda segundo a CIA, a ida de Osama Bin Laden para Abbottabad talvez tenha sido o seu grande erro, pois a cidade tem um grande movimento de pessoas. É sede de uma academia militar, possui regimentos do exército e é local onde os paquistaneses costumam tirar férias. Assim, os agentes de Inteligência levaram vantagem sobre o ambiente operacional tendo mais facilidade para realizar as suas tarefas em segurança.
5– CONCLUSÃO
Concluindo o presente artigo, é oportuno lembrar que uma imagem, uma interceptação eletrônica de um sinal não são conclusivos por si só. Eles devem ser integrados pela ação das Fontes Humanas. Eles fazem parte de um grande “mosaico” e, assim, devem ser analisados, integrados e interpretados pelo profissional de Inteligência, para que realmente possam ser úteis ao Estado.
Fonte: Point Inteligencia
Nenhum comentário:
Postar um comentário