É interessante notar que a morte de Osama bin Laden ocorreu quase simultaneamente a dois outros episódios recentes na área de segurança internacional: o primeiro é a divulgação de documentos classificados do governo norte-americano pelo portal WikiLeaks (publicados pelo jornal britânico Daily Telegraph), os quais revelam que o suposto mentor dos atentados de onze de setembro de 2001, Khalid Sheikh Mohammed, afirmou aos seus interrogadores na prisão de Guantánamo (Cuba), que ocorreria uma “tempestade nuclear infernal” (a partir de um suposto artefato nuclear escondido em algum lugar da Europa) caso Osama bin Laden fosse pego. O segundo episódio envolve a nomeação do até então diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), Leon Panetta, ao cargo de Secretário de Defesa (Pentágono), e a nomeação do general David Petraeus (até então comandante das tropas no Afeganistão) para o posto de diretor da CIA.
Parece que o vazamento da informação da ameaça feita por Khalid Sheikh Mohammed anuncia um futuro ainda mais sombrio (de terrorismo catastrófico) do que o tempo presente até a morte de bin Laden. Ao mesmo tempo, o general David Petraeus, responsável, em primeiro lugar, no contexto da guerra no Iraque, pela estabilização da cidade de Mosul e, depois, como comandante geral das forças militares no Iraque, pela estabilização de todo o país – passando em seguida pelo Comando Central dos EUA e pela chefia da Força Internacional de Assistência de Segurança no Afeganistão – assumiu a direção de uma das mais importantes agências de inteligência dos Estados Unidos. O que isso significa? Uma militarização da atividade de inteligência? Um fortalecimento das atividades pára-militares da CIA? Ou uma maior integração entre as idéias de um general especialista em guerra não-convencional, contra-insurgência e operações especiais, com o mundo da inteligência (o qual havia desapontado sua audiência em relação aos levantes no mundo árabe)?
Osama bin Laden foi morto em uma mansão na cidade de Abbottabad, localizada 56 km ao norte da capital paquistanesa, Islamabad. A mansão apresentava um forte esquema de segurança, com muros altos e guarda-costas. Não possuia telefone ou acesso à internet, para evitar interceptação eletrônica. A morte de bin Laden com um tiro na cabeça foi resultado da ação de duas equipes de Forças Especiais conduzidas por helicópteros. Aparentemente se trata de um assalto (particularmente uma ação de Comandos) à mansão aonde estava bin Laden. Não está claro ainda quais Forças de Operações Especiais foram empregadas: Boinas-Verdes, Força Delta, Seals ou todas combinadas sob o Comando Conjunto de Operações Especiais. A ação durou cerca de 40 minutos e um helicóptero com problemas foi destruido pelos norte-americanos (isso indica a superação da fracassada operação para resgate de reféns na embaixada dos EUA em Teerã no ano de 1979). No discurso que proferiu à nação, o presidente Barack Obama afirmou que estava ciente, desde agosto passado, de que bin Laden não estava mais escondido na região tribal do Paquistão, mas sim em um esconderijo mais ao interior do país. E por que bin Laden teria se deslocado da região? Talvez em função da guerra encoberta conduzida pelos Estados Unidos contra a al-Qaeda na região fronteiriça do Afeganistão com o Paquistão (também conhecida pela sigla “Af-Pak”).
Para entendermos a guerra secreta conduzida na região tribal do Afeganistão, é importante antes entender um pouco da estratégia adotada pelos EUA no Iraque. Embora, abertamente, falava-se de contra-insurgência (“surge”), do centro de gravidade do conflito ser a população iraquiana, da proteção da população iraquiana e da conquista de corações e mentes, a estratégia do general David Petraeus envolveu outra dimensão, menos comentada e mais reservada: o que nos EUA chamam de “black-ops”. Trata-se das operações especiais encobertas, que agem nas sombras dos bastidores. Essa estratégia foi bem descrita pelo jornalista norte-americano (do jornal The Washington Post) Bob Woodward em seu livro The War Within: A Secret White House History 2006-2008 (publicado pela editora Simon & Schuster em setembro de 2008). As chamadas “black-ops” foram responsáveis pela caçada das lideranças da insurgência iraquiana e, dessa forma, contribuiram para a estabilização do país. Uma importante liderança no Iraque das chamadas operações encobertas que agem nas sombras depois se tornou comandante da Força Internacional de Assistência de Segurança no Afeganistão: o general Stanley McChristal (que depois seria demitido pelo presidente Obama em função de supostos comentários depreciativos que foram publicados em uma reportagem da revista Rolling Stone). A nomeação de McChristal foi entendida pelos analistas como a priorização das operações especiais na caçada a al-Qaeda no teatro de operações afegão-paquistanês. Junto com os ataques conduzidos por mísseis Hellfire disparados de aviões não-tripulados (os “drones”) controlados pela CIA, as Forças de Operações Especiais conduziriam uma guerra de atrito para desgastar a cobertura de Osama bin Laden. Esse tipo de operação, no estilo de conflitos de baixa-intensidade, e envolvendo Forças de Operações Especiais, unidades para-militares de agências de inteligência e
ataques provenientes de aviões não-tripulados, não foram empregados pelos EUA apenas na fronteira do Afeganistão com o Paquistão, mas também em lugares como a Somália e o Iêmen (ROGERS, 2010).
Em nossa dissertação de mestrado (defendida em 2009), desenvolvemos uma pesquisa sobre As Forças de Operações Especiais dos Estados Unidos e a Intervenção no Afeganistão: Um Novo Modo de Guerr Americano? Naquela época nos questionávamos se as afirmações do então secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, sobre a “transformação” na condução da guerra que estava sendo encaminhada em sua gestão, era verdadeira. Concluimos que não, e a pesquisa foi útil para pesquisar mais a fundo as Forças de Operações Especiais. Antes marginalizadas no estamento militar norte-americano, as Forças de Operações Especiais se tornaram cada vez mais centrais na concepção estratégia de Washington. Certamente a morte de bin Laden é decorrente, em parte, das ações das Forças de Operações Especiais. Aproveitando o contexto, apontamos aqui a definição de operações especiais que no parace a mais abrangente (TUGWELL; CHARTERS, 1984: 35): Operações de pequena escala, clandestinas, encobertas ou públicas, de uma natureza heterodoxa e freqüentemente de alto-risco, levadas a cabo para alcançar significativos objetivos políticos ou militares em apoio à política externa. As Operações Especiais são caracterizadas tanto por simplicidade quanto por complexidade, por sutileza e imaginação, pelo uso discriminado de violência, e por supervisão do mais alto nível. Recursos militares ou não-militares, incluindo avaliações de inteligência, podem ser usados no concerto.
Certamente a morte de Osama bin Laden foi uma grande vitória política para Barack Obama. Obama assumiu a presidência dos Estados Unidos em um momento complexo, com duas guerras sendo conduzidas no exterior, as consequências de uma crise econômica bastante presentes e a crescente dívida pública estadunidense. Nas eleições contra John McCain, Obama era visto como fraco em assuntos de segurança nacional. Quem diria que seria o presidente responsável pela morte de bin Laden? No plano interno dos EUA isso favorecerá os democratas e enfraquecerá o Tea Party. Porém, pode também fortalecer a imagem de David Petraeus, um potencial pré-candidato republicano à presidência dos EUA.
Não se sabe o quanto a al-Qaeda continua viável. Segundo análise da Stratfor, a cobertura de bin Laden foi suficientemente penetrada para que ele fosse morto. Se a cobertura de bin Laden foi penetrada, cabe se perguntar se o restante da al-Qaeda também foi penetrada. Mas ainda existem grupos que preocupam Washington. Entre eles se encontra o Lashkar-e-Taiba, responsável pelos ataques de 2008 em Mumbai, na Índia. O principal órgão de inteligência paquistanês, a Inteligência Inter-Serviços (ISI – Inter-Services Intelligence em inglês) possui ligações com o Lashkar-e-Taiba (LIEVEN, 2011), as quais são usadas para evitar ataques no Paquistão e também nos Estados Unidos. Se a morte de bin Laden causar um mal-estar nas relações entre Washington e Islamabad (os EUA podem achar que o Paquistão não fez o suficiente, enquanto o Paquistão pode achar que houve muita ingerência dos Estados Unidos em seu território), o serviço de inteligência do Paquistão pode dificultar as coisas para os EUA, de modo que o panorama de eventuais ataques terroristas fica mais incerto. E a incerteza gera ansiedade.
Embora seja fácil afirmar isso após o ocorrido, cedo ou tarde Osama bin Laden seria encontrado. Cabe, agora, levantarmos algumas questões para reflexão crítica do episódio da morte do líder da al-Qaeda: por que os Estados Unidos levaram onze anos para encontrar o responsável pelos eventos de onze de setembro de 2001? Por que bin Laden não foi levado a julgamento, como fizeram com Saddam Hussein? E por que, ao contrário de Saddam Hussein, cujo enforcamento foi mostrado, não mostraram o corpo de bin Laden morto antes de ser cremado no mar? Não pretendemos tomar partido levantando estas questões, fazemos aqui uma análise de conjuntura apenas para tentar entender o fenômeno, atenuando as emoções que gerou. A “guerra ao terror” que os EUA conduziram nos anos de George W. Bush e o conflito no chamado “Af-Pak” levado a cabo no governo de Barack Obama, envolveram, como foi visto, a dimensão de operações encobertas no âmbito da política externa norte-americana (o que o analista Micah Zenko chama de “operações militares discretas”). E as operações encobertas envolvem, entre outras coisas, propaganda. Enfim, para terminar: encerrada a maior caçada humana da história, qual será o próximo desafio para o establishment de segurança nacional (national security) dos Estados Unidos: a segurança cibernética? A China? Ambas? Talvez. Mas as operações contra grupos que utilizam táticas terroristas continuarão, só que cada vez mais no silêncio dos bastidores.
Referências
BAKER, Peter; COOPER, Helene; MAZZETTI, Mark. “Bin Laden Is Dead, Obama Says”. The New York Times, May 1, 2011.
BATT, Holly. “Wikileaks: Al-Qaeda plotted chemical and nuclear attack on the West”. The Daily Telegraph, 26 Apr. 2011.
LIEVEN, Anatol. “Hard Power”. Foreign Policy, April 22, 2011.
MONIQUET, Claude. “Tactical Details Emerge on Bin Laden Death”. ESISC Briefing, 02/05/2011.
PERLEZ, Jane; SCHMITT, Eric. “Move to C.I.A. Puts Petraeus in Conflict With Pakistan”. The New York Times, April 28, 2011.
ROGERS, Paul. “A Complex War in the Shadows”. International Security Monthly Briefing, Oxford Research Group, August 2010.
TUGWELL, Maurice; CHARTERS, David. Special Operations and the Threats to United States Interests in the 1980s. In: BARNETT, Frank R.; TOVAR, B. Hugh; SHULTZ, Richard H. (eds.). Special Operations in US Strategy. Washington: National Defense University Press, 1984, pp. 27-43.
Nome completo: Bernardo Wahl Gonçalves de Araújo Jorge é professor de Relações Internacionais da FMU-SP (bernardowahl@gmail.com)
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