segunda-feira, 10 de março de 2014

Israel: o país das start ups

Desafiado por conflitos milenares e e pela aridez do oriente médio, Israel alçou-se à posição de estrela global da inovação tecnológica. O que o Brasil pode aprender com a sua história

Robson Viturino, de Tel-Aviv • Fotos Kobi Kalmanovitz
Kobi Kalmanovitz
ESPÍRITO EMPREENDEDOR
Tomer Dvir, sócio da Soluto, empresa que quer ganhar o mundo tornando o PC mais ágil
Rua Einstein, número 40. No décimo andar do Ramat Aviv Tower, um edifício modesto no norte de Tel-Aviv e a meia hora de caminhada do mar Mediterrâneo, trabalha um ícone do capitalismo no Oriente Médio. Seu nome é Yigal Erlich e, diante do escritório de carpete antigo e da forma como ele se veste – camisa polo verde-musgo, calça cáqui e sandálias de couro –, é fácil se render à imagem de um ancião a caminho da aposentadoria. Porém, como mostra o pouco espaço na agenda de Erlich e o interesse com que empreendedores e investidores de Israel reagem quando seu nome é citado, essa é uma imagem para lá de equivocada. “Ele é o pai das start ups de Israel”, afirma Shmuel Chafets, diretor do fundo de venture capital Giza, que tem sede no mesmo prédio, apenas dois andares acima, e é seu concorrente direto.
Erlich e sua empresa Yozma, a pioneira no país a levantar capital com investidores e injetá-lo em negócios de alta tecnologia, estão em plena atividade. Em novembro de 2010, uma das razões para a sua agenda estar cheia era que uma das empresas do seu portfólio, a produtora de aplicativos para internet Conduit, tornou-se notícia ao atrair a atenção da Microsoft. Numa primeira aproximação, a gigante americana de Bill Gates teria feito uma oferta de compra de US$ 300 milhões pela Conduit. “Adoraria fechar negócio com a Microsoft, mas nossa empresa vale mais de US$ 1 bilhão”, diz um Erlich cuja modéstia, por um breve instante, desaparece.
BASEADO EM HAIFA, O CENTRO DE PESQUISAS DA INTEL CRIOU 
OS MICROPROCESSADORES PENTIUM 4 E CENTRINO

Poucas pessoas personificam o espírito empreendedor da Terra Prometida com tanta fidelidade. Em que pese sua realização à frente do Yozma (em hebraico, iniciativa), seu feito mais lembrado foi ter levantado um dos pilares de Israel – ou o “toque final” para que sua economia ingressasse no século 21, a despeito da relação trágica do país com os vizinhos muçulmanos que, volta e meia, os faz recuar milênios no calendário.


No posto de cientista-chefe, espécie de superministro do empreendedorismo, Erlich liderou o movimento que, no início da década de 90, fez dos pequenos e médios negócios de tecnologia a grande estrela do crescimento israelense. “Estava claro que faltava algo para deslancharmos”, diz ele, com um traço de orgulho. Ao desatar nós burocráticos, promover a aproximação entre universidades e empresas e imbuir as start ups de um até então inédito sex appeal para fundos de venture capital, ele ajudou o país a encontrar sua verdadeira vocação – e depois saiu correndo para também ganhar dinheiro.
Kobi Kalmanovitz
INDÚSTRIA BÉLICA
Haim Nissim, da Aeronautics, uma das diversas empresas que surgiram devido às guerras
Em matéria de empreendedorismo e inovação, o Brasil tem muito a aprender com esta nação que tem apenas 62 anos, 7,2 milhões de habitantes e território menor que o estado do Rio de Janeiro. Para começar, Israel é atualmente o país que investe o maior percentual de suas riquezas em Pesquisa & Desenvolvimento: 4,5% do Produto Interno Bruto. Em seguida estão Japão (3,2%), Estados Unidos (2,7%) e Coreia do Sul (2,6%). No Brasil, os dados mais recentes dão conta de irrisórios 1,2%. Em 2009, o número total de start ups chegava a 3,8 mil, o que lhes garantia a façanha de ter uma empresa de tecnologia para cada 1,8 mil israelenses. Na bolsa americana Nasdaq, eles são os primeiros depois dos anfitriões, com 63 companhias listadas, deixando para trás Reino Unido, Alemanha, Japão e França. Sua indústria de venture capital, uma das mais dinâmicas do mundo, movimentou US$ 2 bilhões em 2009. Nesta área, seu brilho também tem ofuscado os emergentes: o investimento per capita de VCs que aportaram por lá é 80 vezes maior que o registrado na China e 350 vezes superior ao valor injetado na Índia. De lá saíram, por exemplo, os microprocessadores Centrino e Pentium 4, da Intel, o comunicador instantâneo ICQ, o pen drive e o firewall. Como a Intel, cerca de 200 multinacionais, entre elas Google, General Electric e Cisco, instalaram centros de pesquisa no país.
“Em um mundo em busca da chave da inovação, Israel é o lugar certo para se procurar”, resume o livro Start up Nation, dos autores Dan Senor e Saul Singer, que narra a saga empreendedora de Israel e revela o que o mundo desenvolvido e os emergentes como o Brasil podem extrair dessa história. Best-seller nos Estados Unidos e em parte da Europa, a obra será publicada no Brasil em março sob o título Nação Empreendedora – O Milagre Econômico de Israel e o Que Ele Nos Ensina. (Leia um trecho do primeiro capítulo na pág. 102.) Por trás desse fenômeno, dizem os autores, está uma conjuntura muito particular, que une necessidade, espírito empreendedor e ousadia a uma riquíssima rede de contatos pelo mundo, e uma sinergia invejável entre o ambiente acadêmico e a iniciativa privada. No grande mosaico de histórias e análises escrito por Senor e Singer, enxerga-se que os ingredientes históricos e as características culturais dos judeus já estavam lá há um bom tempo. Bastava o lugar certo, a hora certa e uma série de políticas públicas com o poder de destravar esse potencial.
   Divulgação
Albatross
TECHNION
Conhecido como o MIT do Oriente Médio, já formou dois prêmios Nobel
Kobi Kalmanovitz
TEL-AVIV
O centro da economia de Israel e das empresas de alta tecnologia

O FATOR OUSADIA

Talvez o caso mais simbólico desse espírito nos dias de hoje seja o de Shai Agassi, 42 anos, fundador da Better Place, empresa criada em 2007 com o objetivo nada modesto de revolucionar a indústria automotiva em todo o mundo. Mas não é de hoje que o nome desse filho de iraquianos corre o mundo. Um pouco antes de completar 30 anos, Agassi vendeu sua start up Top Tier para a companhia alemã de softwares SAP por US$ 400 milhões e tornou-se o mais jovem e o único não alemão a fazer parte do comando da empresa. Em pouco tempo, Agassi começou a ser preparado para ser o próximo CEO da SAP. Sua trajetória como executivo durou pouco, mais precisamente até apresentar sua ideia de uma empresa que libertaria Israel da dependência do petróleo a Shimon Peres, o lendário presidente de Israel e Prêmio Nobel da Paz. “Eu seria o futuro presidente da SAP, mas ele me perguntou o que poderia ser mais importante que salvar meu país e o mundo?”, diz Agassi. Três dias depois, ele pediu demissão da SAP e passou a se dedicar à sua criação: uma rede distribuidora de baterias e energia elétrica para carros.
Pouco mais tarde, Agassi e Peres desembarcavam no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, dispostos a mudar a cabeça dos líderes da indústria automotiva. “Alguma coisa relacionada ao fato de terem vindo de um país minúsculo e tão combatido – o qual abriga apenas um milésimo da população mundial – faz com que os israelenses sejam céticos quanto às explicações convencionais sobre o que é possível. Se a essência da condição israelense, como Peres nos disse posteriormente, era estar insatisfeito, então Agassi representava o típico sistema de valores de Israel”, dizem os autores. Munidos de suas biografias e de um paper algo romântico que fazia a defesa de um mundo livre de combustíveis fósseis, os dois ouviram do presidente de uma grande montadora que Agassi estava “fantasiando” e que se livrar do petróleo era inviável. Na segunda reunião, desta vez com o brasileiro Carlos Ghosn, presidente da Renaut-Nissan, eles finalmente ouviram o que gostariam. “Sr. Peres, ele está absolutamente correto. Nossa empresa também acha que o futuro é o carro elétrico”, disse Ghosn.
Com um parceiro da indústria disposto a fabricar um carro para esse fim e – o mais importante – por um preço competitivo, além de um bem-vindo apoio do governo por meio de isenção fiscal por vários anos, Agassi levantou US$ 700 milhões com fundos de venture capital dos Estados Unidos, Israel, Austrália e Dinamarca. Segundo seus planos mirabolantes, que ele costuma explicar com voz calma e inglês quase sem sotaque, a primeira estação de abastecimento e troca de baterias elétricas estará funcionando no dia 1º de janeiro de 2012. Em 2017, com a infraestrutura espalhada por todo o país, Agassi estima que 90% dos carros de Israel serão elétricos. “Ele tem apenas um carro, nenhum ponto de abastecimento e sequer um cliente, mas todo mundo que o encontra acredita estar diante de um visionário”, afirmou a revista Wired, resumindo a sensação de boa parte dos seus interlocutores.
CRIADO EM ISRAEL, O COMUNICADOR INSTANTÂNEO ICQ FOI 
VENDIDO À AOL EM 1998 POR US$ 400 MILHÕES

POR TRÁS DO SUCESSO

Em Haifa, cidade que fica nas encostas do Monte Carmelo e é conhecida pela convivência pacífica entre judeus e muçulmanos, Época NEGÓCIOS foi recebida pelo pesquisador Shlomo Maital, diretor acadêmico da universidade Technion – Israel Institute of Technology. Por sua excelência nas áreas de engenharia e tecnologia e por ter formado dois ganhadores do Prêmio Nobel de Química, o Technion é chamado por muitos de o MIT do Oriente Médio, em referência ao prestigiado Massachusetts Institute of Technology. De acordo com Maital, um professor de inovação aplicada aos negócios que estuda o caso de Israel há mais de 20 anos, a necessidade é um elemento fundamental para compreender a cultura empreendedora do país. “Em boa parte dos casos, isso se deu por pura falta de opção”, diz ele. Maital refere-se ao fato de que, após décadas de um crescimento que dependia totalmente dos investimentos diretos do governo na construção de estradas, portos, casas, estações de água e usinas elétricas, encontrar outro caminho passou a ser imperativo para Israel. Ao mesmo tempo, os kibutz, organizações socialistas que sobreviviam da agricultura e serviram como uma primeira fonte de recursos aos recém-chegados ao país, sofriam com a aridez do solo e a falta de água. “A opção mais interessante era investir na capacidade intelectual das pessoas”, afirma Maital.
Essa guinada incentivada pela necessidade ganhou um estímulo extra a partir do final da década de 80, quando o país acolheu quase 1 milhão de russos após a quebra da União Soviética. “Eram profissionais com ótima formação fugindo da falta de oportunidades”, diz. Confrontado outras vezes com migrações de judeus perseguidos em diversos países, Israel seguiu sua política de abertura às famílias em fuga. “No início houve pânico, pois a população do país era de 3 milhões de pessoas e não havia empregos, hospitais e escolas para assimilar do dia para a noite aquela massa de russos que sequer falavam o hebraico”, afirma Maital. Mas, em pouco tempo, percebeu-se que ali havia uma excelente oportunidade. Um em cada três russos era engenheiro ou técnico. Tratava-se de uma força de trabalho inestimável num momento em que o país se preparava para dar um salto rumo a um modelo de vanguarda tecnológica. Os russos foram assimilados e, poucos anos depois, sua língua passou a ser uma das mais ouvidas nas companhias de tecnologia e universidades.
A participação do Estado, afinal, é um componente sem o qual Israel não teria se alçado à posição atual. Desde o início, as empreitadas para promover o empreendedorismo foram fortemente amparadas por políticas e recursos públicos. Nos anos 90, o programa liderado por Erlich despejou US$ 100 milhões em empresas de tecnologia. A lógica por trás desse investimento previa que, diante da participação direta do Estado por meio de injeção de recursos, os investidores locais e estrangeiros sentiriam firmeza no novo modelo e, como consequência, abririam a carteira. “Investir nas start ups passou a ser um bom negócio, pois havia um fiador cujo interesse no sucesso desse projeto estava acima de qualquer suspeita”, afirma Shmuel Yerushalmi, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Israel–Brasil, carioca que vive no país há mais de 50 anos e, como criador de uma das primeiras incubadoras de Israel, acompanhou de perto todas as fases desse projeto. Para completar o pacote de bondades, explica ele, depois de cinco anos os capitalistas podiam comprar as ações que pertenciam ao governo a um preço acessível.
Esse modelo causou inúmeras discussões entre um grupo de 40 brasileiros que, na segunda semana de outubro, desembarcou em Israel para fazer uma imersão em empresas, incubadoras, parques tecnológicos e universidades. Ciceroneados por Guilherme Ary Plonski, presidente da Anprotec, a Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores, o grupo se dividiu entre os que avaliam a participação do Estado como essencial para desenvolver uma economia baseada na inovação e os que acreditam que tal salto prescinde do suporte do poder público. “O governo brasileiro acredita que a iniciativa privada já poderia assumir o processo, mas esse é um pensamento equivocado”, afirma o professor Roberto Astor Moschetta, diretor do Tecnopuc, o parque tecnológico da PUC do Rio Grande do Sul. Para ele, uma das lições mais importantes da visita foi a constatação de que o início do desenvolvimento econômico com base tecnológica começa com o Estado colocando dinheiro nas empresas. “Só depois de um certo amadurecimento os negócios conquistam a maturidade que os permite andar com as próprias pernas.” Já para Naldo Dantas, secretário executivo da Anpei, a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras, o Brasil não sofre com a falta de dinheiro. “Hoje temos capital para alavancar os negócios. O que falta são empreendedores que saibam enfrentar a dinâmica da captação de recursos”, diz Dantas. 


Diomedia
JERUSALÉM
Sede de várias start ups, a capital também
é conhecida como Cidade de Ouro
Kobi Kalmanovitz
CAPITAL DA INOVAÇÃO
Tel-Aviv é a sede de grande parte
das empresas de tecnologia
   Divulgação
Kobi Kalmanovitz
CAPITAL DE RISCO
Shmuel Chafets, do fundo de venture capital Giza, que tem US$ 600 milhões investidos em start ups
EMPREENDEDOR NINJA
Embora se ouça com certa recorrência dos judeus ortodoxos que Israel é o centro do mundo, foi Platão, um grego, e não Moisés, quem deu involuntariamente a melhor definição para o espírito empreendedor dos israelenses. “A necessidade é a mãe das invenções”, vaticinou o filósofo. Pois este também tem sido o ponto de partida de parte dos negócios israelenses, os chamados cleantech, que exploram a ascensão das preocupações com a sustentabilidade e atualmente estão entre os mais promissores do país. Entre 2007 e 2009, a participação desse setor no total de capital levantado pelas empresas de tecnologia saltou de 4% para 7%. Neste grupo se enquadra a TaKaDu, empresa de Tel-Aviv que desenvolveu um software baseado em algoritmos e modelos estatísticos capazes de minimizar os desperdícios de água que, em algumas indústrias, chegam a 30% do consumo total. O fundador do negócio é o israelense Amir Peleg, um empreendedor serial formado em matemática, física e ciência da computação pela Universidade Hebraica. Aos 45 anos, ele já fundou e vendeu quatro companhias de tecnologia. A mais recente, a empresa de análise de dados Yadata, foi adquirida há três anos pela Microsoft.
“Amir é o tipo de empreendedor de que gostamos. Ele é o empreendedor ninja”, afirma Shmuel Chafets, do fundo Giza, numa descrição que, segundo ele, resume as habilidades elementares do dono de uma start up: ver tudo, ouvir tudo, saber tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Foi devido a essas características que, em maio de 2010, Chafets, em parceria com outro fundo local, o Gemini, colocou US$ 3,5 milhões na TaKaDu. Além das habilidades marciais de Peleg, um ex-combatente que serviu numa unidade de elite das forças de defesa do país, a escolha indica a capacidade do empresário de identificar necessidades (leia-se oportunidades) onde quer que elas estejam – e atacá-las rapidamente. Em 2011, quando completar seu segundo ano, a TaKaDu deve obter receitas de US$ 3 milhões com vendas em Israel e no exterior. “No Brasil, estamos negociando com a Sabesp”, afirma Guy Horowitz, vice-presidente da TaKaDu, referindo-se à empresa de saneamento de São Paulo.
NO PAÍS QUE VIVE SOB A IMINÊNCIA DA GUERRA, O FIREWALL 
É UMA DAS INVENÇÕES QUE VIRARAM NEGÓCIO

Empreendedores como Peleg e Agassi, que, ainda jovens, exibem um longo histórico de realizações, não são um caso raro em Israel. Em grande medida, eles acumulam tantas conquistas em tão pouco tempo graças ao faro para os bons negócios e à capacidade de execução. Mas há um terceiro ingrediente nessa mistura. Não fossem as facilidades de um sistema muito menos burocrático do que o brasileiro, dificilmente negócios como a Better Place e a TaKaDu teriam chances de alçar voo em tão pouco tempo. Esse espírito ágil e dinâmico, sem o qual o capitalismo não pode sobreviver, foi absorvido pelo país em diversos setores. Nenhum deles, no entanto, salta tanto aos olhos como o que pode ser encontrado nas universidades israelenses. Em Jerusalém, em meio à paisagem luminosa das construções feitas de calcário – uma exigência que serve para todos os prédios e deu origem à alcunha de Cidade de Ouro –, a Universidade Hebraica ostenta números de fazer inveja a qualquer centro acadêmico brasileiro. “Aqui a ciência aplicada não é palavrão”, afirma Renee Ben-Israel, vice-presidente da Yissum, a empresa de transferência de tecnologia da universidade. A partir da venda das patentes criadas por 320 pesquisadores que atuam em áreas como a oncologia e a biologia molecular, a Yissum fatura mais de US$ 1 bilhão por ano. Seus clientes são companhias como Johnson & Johnson, Novartis e Philips.


Para a comitiva de brasileiros que esteve em Israel, chamou a atenção especialmente a liberdade com que a Yissum desempenha seu papel. No Brasil, seu equivalente são os chamados NITs (Núcleos de Transferência de Tecnologia), mas seu engessamento, fruto de uma cultura pouco familiarizada com a pesquisa aplicada, é apontado como obstáculo intransponível para o surgimento de negócios em série. “Nós não podemos interferir no trabalho do pesquisador. Mas, fora isso, temos total autonomia para operar”, afirma Renee. Para Leonardo Guimarães, diretor executivo do Porto Digital, de Recife (PE), o Brasil pode extrair lições valiosas da academia israelense. “As universidades de Israel deixaram para trás há muito tempo a ideia de que os papers devem ficar restritos à academia”, diz Guimarães. “O governo também é muito desembaraçado e, em alguns casos, pode até se tornar sócio de empresas de tecnologia.” O processo de patentes no Brasil, na avaliação de Naldo Dantas, da Anpei, também avançaria ao se aproximar do modelo de Israel. “Enquanto as incubadoras de lá já foram privatizadas e podem inclusive receber aporte de fundos, aqui levamos de seis a oito anos para aprovar uma patente”, afirma.
DESENVOLVIDO PARA FACILITAR A MOBILIDADE DE DADOS, 
O PEN DRIVE FOI VENDIDO À SANDISK POR US$ 1,6 BILHÃO

NEGÓCIOS E GUERRA

Palco de numerosas batalhas, ao longo das últimas décadas Israel desenvolveu uma cultura bélica respeitada em todo o mundo. Para citar apenas uma mostra do seu poderio, hoje o país possui a quarta maior força aérea do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, Rússia e China. Homens e mulheres têm de servir nas forças armadas por três e dois anos, respectivamente. Em muitos casos, o primeiro contato de futuros empreendedores com alta tecnologia ocorre no exército. Dessa proximidade, não raramente nascem alguns negócios. Esse é o caso da Aeronautics, fabricante de aeronaves não tripuladas e outros equipamentos de segurança fundada em 1997 na pequena cidade de Yavne por Avi Leumi, 46 anos, e Moshe Caspi, 50. Em uma oficina com a bandeira de Israel (o que, aliás, pode ser visto em diversas empresas) e um porta-retratos com Shimon Peres, mecânicos trabalham no desenvolvimento de aviões, helicópteros e salas de controle que, além de servirem ao país em áreas conflagradas como a Faixa de Gaza, são exportados para países como Polônia, Canadá e Grécia. “Estamos tentando vender alguns desses equipamentos para o Rio de Janeiro”, diz Haim Nissim, responsável pela área de desenvolvimento de novos negócios. Um dos produtos que, segundo ele, teria agradado ao governo carioca foi o Skystar 300, espécie de balão com uma câmera de vídeo acoplada que é capaz de fazer imagens aéreas num raio de 360º. “Na Copa e na Olimpíada, poderia ser muito útil para conter os casos de violência na cidade”, diz Nissim.
A presença das forças armadas na vida das pessoas é tamanha que não faltam casos de quem faça networking durante o expediente militar. “Já peguei carona no jipe de um bilionário que está na lista da Forbes”, diz Shmuel Chafets. A despeito da nuvem negra que invariavelmente paira sobre esse tipo de experiência, há quem defenda a vivência militar como forma de forjar lideranças que, futuramente, podem servir às empresas. “Além disso, como todo cidadão israelense tem de servir, sem exceção, somos um povo que não liga muito para hierarquias”, afirma Chafets, que deixou a farda há sete anos mas, como todo soldado com menos de 40 anos, tem de estar a postos um mês a cada ano e, no caso de um conflito, tem de deixar tudo de lado e apresentar-se para o combate.
No décimo segundo andar do Ramat Aviv Tower, o ex-soldado Chafets é mais um caçador de start ups. Com sua fala rápida e o inglês impecável que volta e meia dispara frases como “We have to think global”, ele é o membro mais jovem de um time que administra US$ 600 milhões em empresas de setores como tecnologia da informação, internet, mídia e medicina. Seus dias são divididos entre Tel-Aviv, o centro da vida econômica de Israel, Cingapura e o Leste Europeu, onde estão as empresas presentes no portfólio do Giza, e os Estados Unidos, onde ele levanta capital com investidores. Nos períodos em que a vida segue calma, ele gosta de reservar um tempo para se dedicar a promessas como a Soluto, empresa fundada por três jovens que, entediados com o tempo que seus PCs levavam para reiniciar, desenvolveram um software que melhora a performance das máquinas a partir de uma base de soluções alimentada pelos próprios internautas. “No nosso mercado se diz que o investidor é o cara que bebe vinho, enquanto o empreendedor é adepto de cerveja. Eu sou daqueles que ficam com a cerveja”, diz Chafets, resumindo sua atividade e, mais uma vez, ajudando a lembrar quais são as fontes em que mais se bebe no país das start ups.
O jornalista viajou a Israel a convite da Anprotec
Kobi Kalmanovitz
O PAI DAS START UPS
Yigal Erlich, ex-superministro do empreendedorismo que criou o fundo de venture capital Yozma
Ousadia e persistência 
Por Dan Senor e Saul Singer
Quatro sujeitos estão parados numa esquina:
um americano, um russo, um chinês e um israelense.
Um repórter aproxima-se do grupo e diz:
“Com licença… Qual a sua opinião sobre a escassez de carne?”
O americano diz: “O que é escassez?”
O russo diz: “O que é carne?”
O chinês diz: “O que é opinião?”
O israelense diz: “O que é ‘Com licença...’?”
— Mike Leigh, ESCRITOR E DRAMATURGO INGLÊS
Scott Thompson olhou para o relógio de pulso. Estava atrasado. Tinha uma extensa lista de coisas a fazer até o fim de semana e já era quinta-feira. Thompson é um sujeito ocupado. Como presidente e ex-diretor de tecnologia da PayPal, o maior sistema mundial de pagamentos pela internet, ele dirige a alternativa na rede para cheques e cartões de crédito. Mas prometera conceder 20 minutos a um garoto que alegava ter uma solução para o problema dos golpes contra os pagamentos online, fraudes com cartões de crédito e furto de identidade eletrônica.
Shvat Shaked não tinha a agressividade de um empreendedor, o que não era problema, uma vez que a maioria das empresas embrionárias, Thompson sabia, não iam a parte alguma. Ele não parecia ter a coragem e a determinação até mesmo de um típico engenheiro iniciante da PayPal. Mas Thompson não se negaria a essa reunião, ainda mais porque essa fora uma solicitação da Benchmark Capital.
A Benchmark fizera um investimento de risco logo no início das atividades do eBay, num momento em que este usava o apartamento dos fundadores como um inesperado local para a troca de embalagens colecionáveis de confeitos. Atualmente, o eBay é uma empresa de capital aberto de US$ 18 bilhões com 16 mil funcionários no mundo todo. É também a empresa controladora da PayPal. A Benchmark estava considerando a possibilidade de investir na empresa de Shaked, a Fraud Sciences, sediada em Israel. Para ajudar no procedimento de análise das informações da empresa, visando a avaliar os riscos efetivos e potenciais do investimento, os sócios da Benchmark pediram a Thompson, que era experiente em matéria de fraudes no comércio eletrônico, para que sondasse Shaked.
— Então, qual é o seu modelo, Shvat? — Thompson perguntou, ansioso para acabar logo com a reunião.
Remexendo-se na cadeira como alguém não muito à vontade com a sua estudada “apresentação de elevador” de um minuto, Shaked começou em voz baixa:
— A nossa ideia é simples. Acreditamos que o mundo se divide entre as pessoas boas e as pessoas más, e o truque para impedir as fraudes é distingui-las na rede.
Thompson reprimiu a frustração. Aquilo era demais, mesmo como um favor à Benchmark. Antes da PayPal, Thompson fora um executivo de alto nível na gigante de cartões de crédito Visa, uma empresa ainda maior, que não era menos obcecada por combater fraudes. Grande parte da equipe da maioria das empresas de cartões de crédito e de vendas online dedica-se a analisar os antecedentes dos novos clientes, combater as fraudes e identificar os furtos, porque é nisso que se baseiam em maior grau as margens de lucros e com que se constrói ou se perde a confiança do cliente.
A Visa e os bancos com que operava contavam com dezenas de milhares de pessoas trabalhando para combater as fraudes. A PayPal tinha 2 mil, incluindo cerca de 50 dos seus melhores engenheiros com Ph.D., tentando manter-se à frente dos vigaristas. E aquele garoto vinha falar sobre “bons e maus sujeitos”, como se fosse o primeiro a descobrir o problema.
— Parece bom — disse Thompson, não sem um certo constrangimento. — Como vocês fazem isso?
— As pessoas boas deixam pistas de si mesmas na internet... pegadas digitais... porque não têm nada a esconder — continuou Shvat, na sua pronúncia de um inglês carregado de sotaque. — As pessoas más não deixam pistas, porque tentam se esconder. Tudo o que fazemos é procurar essas pegadas. Se puder encontrá-las, você será capaz de minimizar o risco a um nível aceitável e endossá-lo. É realmente simples assim.
Thompson estava começando a pensar que aquele sujeito de nome estranho não vinha de outro país, mas de um outro planeta. Será que ele não sabia que combater fraudes é um processo laborioso de verificação de antecedentes, de progresso difícil por entre históricos creditícios, de elaboração de sofisticados algoritmos para determinar a confiabilidade? Você não entra na Nasa e diz: “Para que construir todas essas espaçonaves sofisticadas quando tudo o que precisam é de um estilingue?”.
CAÇANDO TERRORISTAS, SHAKED TEVE A IDEIA DE UMA 
START UP DE SEGURANÇA PARA A REDE

Ainda assim, por respeito à Benchmark, Thompson pensou que poderia conceder mais alguns minutos a Shaked.

— E onde vocês aprenderam a fazer isso? — indagou.
— Caçando terroristas — respondeu Shaked, indiferente. — A nossa unidade no exército tinha como objetivo ajudar a capturar terroristas rastreando as suas atividades online. Os terroristas movimentam dinheiro na rede com identidades fictícias. O nosso trabalho era encontrá-los online.
Thompson já ouvira o bastante desse “caçador de terroristas”, ouvira até demais, mas tinha uma saída simples.
— Vocês experimentaram isso alguma vez?
— Sim — disse Shvat, com uma segurança imperturbável. — Experimentamos o método em milhares de transações, e acertamos todas as vezes, a não ser por quatro.
“Ah, sei”, pensou Thompson. Mas não pôde evitar mais um pouquinho de curiosidade. “E quanto tempo isso demorou?”, perguntou.
Shaked disse que a sua empresa tinha analisado 40 mil transações ao longo de cinco anos, desde que fora fundada.
— Muito bem, então vamos fazer o seguinte — disse Thompson, e propôs que daria à Fraud Sciences 100 mil transações da PayPal para analisar. Essas eram transações de clientes que a PayPal já processara. A PayPal precisaria omitir alguns dados pessoais por razões de privacidade legal, o que dificultaria mais o trabalho de Shvat.
— Vejam o que podem fazer — propôs Thompson — e nos devolvam. Iremos comparar os seus resultados com os nossos.
Uma vez que a empresa iniciante de Shvat levara cinco anos para analisar as suas primeiras 40 mil transações, Thompson calculou que não tornaria a ver o garoto tão cedo. Mas não estava pedindo nada injusto. Aquele era o tipo de escala necessário para determinar se o sistema aparentemente estranho dele valeria alguma coisa no mundo real.
As 40 mil transações que a Fraud Sciences processara anteriormente haviam sido feitas manualmente. Shaked sabia que, para vencer o desafio da PayPal, precisaria automatizar o seu sistema para ser capaz de manipular todo aquele volume, fazê-lo sem comprometer a confiabilidade e destrinchar as transações em tempo recorde. Isso significava pegar o seu sistema testado por cinco anos e virá-lo de cabeça para baixo, rapidamente.
Thompson entregou os dados das transações a Shvat em uma quinta-feira. “Pensei que tivesse escapado da Benchmark”, recordou-se ele. “Nunca mais ouviríamos falar de Shvat de novo. Ou pelo menos por alguns meses.” Então, ele ficou surpreso quando recebeu um e-mail de Israel, no domingo: “Terminamos”.
Thompson não acreditou. Na segunda-feira de manhã, a primeira coisa que fez foi entregar os resultados da Fraud Sciences para a sua equipe de Ph.Ds. analisar; custou-lhes uma semana comparar os resultados com os da PayPal. Mas, na quarta-feira, os técnicos de Thompson estavam impressionados com o que tinham visto até ali. Shaked e a sua equipe pequena tinham produzido resultados mais precisos do que a PayPal, num período de tempo menor e com dados incompletos. A diferença era particularmente pronunciada nas transações que tinham dado mais problemas à PayPal – nessas, a Fraud Sciences tivera um desempenho 17% melhor. Essa era a categoria de candidatos a clientes, contou-nos Thompson, que a PayPal inicialmente rejeitara. Mas sabendo o que a PayPal sabe agora a partir do monitoramento dos relatórios de crédito mais recentes dos clientes rejeitados, disse Thompson, aquilo fora um erro. “Eles são bons clientes. Nunca devíamos tê-los rejeitado. O nosso sistema os deixara escapar. Mas como não escaparam do sistema de Shaked?”
Thompson percebeu que estava diante de uma ferramenta verdadeiramente original contra as fraudes. Com menos dados ainda do que a PayPal, a Fraud Sciences era capaz de prever com maior exatidão quem se revelaria um bom cliente e quem não. “Fiquei ali sentado, sem saber o que dizer”, recordou-se Thompson. “Não conseguia entender. Éramos os melhores no negócio do gerenciamento de riscos. Como é que aquela empresa com 55 pessoas em Israel, com uma teoria maluca sobre ‘bons sujeitos’ e ‘maus sujeitos’, conseguia ser melhor do que nós?” Thompson calculou que a Fraud Sciences achava-se cinco anos à frente da PayPal em eficácia do sistema. A empresa em que estivera anteriormente, a Visa, nunca seria capaz de chegar a um pensamento desse tipo, mesmo que tivesse de dez a 15 anos para trabalhar no assunto.
Thompson sabia o que precisava dizer à Benchmark: a PayPal não poderia correr o risco de permitir que a concorrência tivesse acesso à tecnologia mais avançada da Fraud Sciences. Não se tratava de uma empresa em que a Benchmark devesse investir: a PayPal precisava adquirir aquela empresa. Imediatamente.
Thompson procurou a CEO do eBay, Meg Whitman, para deixá-la a par do que estava acontecendo. “Eu disse ao Scott que era impossível”, contou-nos Meg. “Éramos a empresa líder do mercado. De onde é que surgira aquela empresinha minúscula?” Thompson e a sua equipe de Ph.Ds. mostraram-lhe os resultados. Ela ficou assombrada.
Agora, Thompson e Meg tinham nas mãos um problema verdadeiramente inesperado. O que diriam a Shvat? Se Thompson dissesse àquele CEO de uma empresa iniciante que conseguira superar a líder do setor, a equipe da empresa iniciante perceberia que estava montada em cima de alguma coisa de valor inestimável. Thompson sabia que a PayPal precisava comprar a Fraud Sciences, mas como comunicaria os resultados do teste a Shvat sem fazer disparar o preço da empresa e prejudicar sua posição na negociação?
Então ele procurou ganhar tempo. Respondeu aos e-mails ansiosos de Shvat dizendo que a PayPal precisava de mais tempo para análise. Finalmente, disse que participaria os resultados pessoalmente da próxima vez que a equipe da Fraud Sciences fosse a San Jose, esperando conseguir mais tempo. Dentro de um dia ou dois, Shvat batia à porta de Thompson.
O que Thompson não sabia, porém, era que os fundadores da Fraud Sciences – Shaked e Saar Wilf, que serviram juntos no exército de Israel, numa unidade de informações de elite chamada 8200 – não estavam interessados em vender a sua empresa para a PayPal. Eles só queriam a aprovação de Thompson, enquanto analisavam uma lista de requisitos de análise de informações comerciais, para avaliar os riscos efetivos e potenciais ao investimento para a Benchmark Capital.
Thompson voltou a Meg:
— Precisamos tomar uma decisão. Eles estão aqui.
Ela lhe deu sinal verde:
— Vamos comprá-la.
Depois de uma rápida avaliação, eles ofereceram US$ 79 milhões. Shaked declinou. A diretoria da Fraud Sciences, que incluía a empresa de investimento de risco israelense BRM Capital, acreditava que a empresa valesse, no mínimo, US$ 200 milhões.
Eli Barkat, um dos sócios fundadores da BRM, explicou-nos a sua teoria por trás do valor futuro da empresa: “A primeira geração de tecnologia de segurança oferecia proteção contra a invasão do PC do cliente por um vírus. A segunda geração desenvolveu uma barreira batizada como firewall, contra hackers”. Barkat sabia alguma coisa sobre essas duas ameaças, tendo fundado e desenvolvido empresas para oferecer proteção contra elas. Uma delas, a Checkpoint – uma empresa israelense também iniciada por jovens egressos da Unidade 8200 –, vale hoje US$ 5 bilhões, é negociada publicamente na Nasdaq e inclui entre os seus clientes a maior parte das 100 empresas da Fortune e a maioria dos governos de todo o mundo. A terceira geração da segurança oferecia proteção contra a atividade dos hackers no comércio eletrônico. “E esse seria o maior mercado já existente”, contou-nos Barkat, “porque, até então, os hackers estavam só se divertindo – era um hobby. Mas com a decolagem do comércio eletrônico, eles podiam ganhar dinheiro de verdade.”
Barkat também acreditava que a Fraud Sciences tinha a melhor equipe e a melhor tecnologia para a defesa contra fraudes na internet e nos cartões de crédito. “Você precisa entender a mentalidade israelense”, disse ele. “Quando se desenvolvem tecnologias para encontrar terroristas – onde inúmeras vidas inocentes pesam na balança –, então encontrar ladrões é bem mais simples.”
Depois de negociações que duraram apenas alguns dias, eles chegaram a um acordo no valor de US$ 169 milhões. Thompson contou-nos que a equipe da PayPal pensava que poderia se safar com um preço baixo. Quando o processo de negociação começou, e Shaked ficou firme no número mais alto, Thompson presumiu que fosse apenas um blefe. “Nunca tinha visto uma expressão tão convincente nem mesmo em um jogador de pôquer. Ele estava totalmente sério. Os sujeitos da Fraud Sciences tinham uma ideia perfeita de quanto valia a sua empresa. Não eram profissionais de vendas. Não estavam exagerando. Shaked simplesmente não se desviou da proposta. Em suma, ele nos disse: ‘Esta é a nossa solução. Sabemos que é a melhor. É isso que achamos que a empresa vale’. E acabou. Ele transmitia uma veracidade e uma autenticidade que raramente se veem.”
DIANTE DO CHUTZPAH, O ATREVIMENTO TÍPICO DOS ISRAELENSES, 
O CEO DA PAYPAL ESTREMECEU

Pouco tempo depois, Thompson estava em um avião para visitar a empresa que acabara de comprar. Durante a última etapa do voo de 24 horas que partira de São Francisco, cerca de 45 minutos antes de pousar, enquanto bebericava um cafezinho para acordar, ocorreu-lhe olhar para a tela onde era exibida a trajetória do avião sobre um mapa. Ali, acompanhou a figura do aviãozinho no fim da trajetória do voo, prestes a pousar em Tel-Aviv. Estava tudo bem, até ele perceber o que mais havia no mapa, o qual, àquela altura, mostrava apenas os lugares que estavam bem próximos. Estavam visíveis os nomes dos países da região e das suas capitais, distribuídos em um círculo ao redor de Israel: Beirute, Líbano; Damasco, Síria; Amã, Jordânia; e Cairo, Egito. Por um instante, ele entrou em pânico: “Comprei uma empresa ali? Estou voando para uma zona de guerra!”. É claro que ele sabia de antemão quem eram os vizinhos de Israel, mas não se dera conta de como Israel era pequeno e como aqueles vizinhos eram próximos. “Foi como se eu estivesse voando para Nova York e de repente visse o Irã onde deveria ser Nova Jersey”, recordou ele.


Não demorou muito tempo, porém, depois que desembarcou do avião, para sentir-se mais à vontade em um lugar que não só era chocantemente pouco familiar, como também o recebeu com algumas surpresas agradáveis. A sua primeira impressão mais forte foi no estacionamento da Fraud Sciences. Todos os automóveis exibiam um adesivo da PayPal no para-choque. “Jamais se vê esse tipo de orgulho ou entusiasmo em uma empresa americana”, disse-nos ele.
Outra coisa que sensibilizou Thompson foi o comportamento dos funcionários da Fraud Sciences durante a reunião geral, na qual ele se pronunciou. Todos os rostos estavam fixos nele. Não se via ninguém ao celular, distraído ou sonolento. A intensidade aumentou ainda mais quando ele deu início à sessão de debate: “Todas as perguntas eram inteligentes. Eu realmente comecei a ficar nervoso naquele momento. Nunca ouvira tantas observações não convencionais – uma atrás da outra. E não se tratava de pessoas do meu nível ou de supervisores, mas de funcionários da base da hierarquia. Eles não mostravam nenhuma inibição em questionar a lógica por trás da maneira como vínhamos fazendo as coisas na PayPal havia anos. Nunca tinha visto aquele tipo de atitude totalmente desprendida, desembaraçada e concentrada. Surpreendi-me pensando: ‘Quem trabalha para quem?’”.
O que Scott Thompson estava vivenciando era a sua primeira dose do chutzpah israelense. De acordo com a explicação do erudito judeu Leo Rosten para o termo em iídiche – a língua eslavo-germânica ainda bem viva da qual o hebraico tomou emprestada a palavra –, chutzpah significa “desplante, atrevimento, ousadia, uma incrível firmeza de caráter, mais um misto de presunção e arrogância a que nenhuma outra palavra e nenhuma outra língua podem fazer justiça”. Alguém de fora identificaria o chutzpah por toda parte em Israel – a maneira como os estudantes universitários falam com os professores, os funcionários desafiando os chefes, os sargentos questionando os generais e os secretários advertindo ministros do governo. Para os israelenses, porém, isso não é chutzpah, é a maneira normal de ser. Em algum momento da vida – em casa, na escola ou no exército –, os israelenses aprendem que a assertividade é a norma, enquanto a indecisão é algo com que você se arrisca a ser deixado para trás.

   DivulgaçãoNação Empreendedora – O Milagre Econômico de Israel e o Que Ele Nos Ensina
Autores_Dan Senor e Saul Singer;
Páginas_320; Editora_Évora;
Preço_R$ 64,90;
Lançamento_Março

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