terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Inteligência e Democracia: vale a pena investir no Serviço Secreto

Politicos_e_Espi_esUm dos grandes problemas, e até mesmo desafio, na discussão brasileira sobre Serviços de Inteligência, Serviços Secretos e Espionagem Internacional, está no fato de integrar o quão importante a atividade de inteligência e a democracia andam juntas. Por mais resquícios da ditadura, Comissões da Verdade (mesmo que seja de um lado só) e direitos humanos tomam conta da agenda para o debate, serviços de inteligência têm prerrogativas importantes para o desenvolvimento, e até mesmo para a segurança do Estado Democrático de Direito.

Muitos países ainda utilizam serviços de inteligência como instrumentos de controle social e tortura ditatorial. Mas no caso brasileiro, o serviço de inteligência atualmente tem um novo papel, seja ele na segurança e defesa nacional, seja na competitividade internacional, seja na inteligência econômica, mas principalmente, em criar condições estratégicas, e prever “cenários futuros” para decisões com o menor risco possível.

Um dos grandes temas dentro da esfera da atividade de inteligência, está no controle efetivo da atividade. Isso é uma condição importante para alinhar inteligência com democracia.

Com o controle da atividade de inteligência, a Nação, através de seus representantes, pode ter efetivamente uma visão mais clara e estratégica do processo de inteligência, mesmo com todos os resguardos de salvaguarda de informações e contra-espionagem.

O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com o especialista em inteligência, Joanisval Brito Gonçalves. Joanisval é doutor em Relações Internacionais e já foi oficial de inteligência da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Além de suas especialidades na área internacional e de inteligência, Joanisval escreveu uma série de conteúdos sobre inteligência, inclusive um livro específico sobre o controle da atividade de inteligência. O livro, “Políticos e Espiões – o controle da atividade de inteligência”, publicado pela Editora Impetus, traz toda abordagem necessária, considerando a perspectiva democrática de direito.

Hoje o professor Joanisval Brito Gonçalves é consultor legislativo do Senado Federal.
Joanisval Brito Gonçalves
Joanisval Brito Gonçalves

Brasil no Mundo: O caso do espião traidor, Edward Snowden, trouxe a tona como a atividade de inteligência no Brasil ainda é tratada com desprezo pelos governos e políticos. Como você vê o momento atual da atividade e qual o cenário futuro que você projeta?

Joanisval Brito Gonçalves: O episódio Snowden serviu, entre outras coisas, para evidenciar as vulnerabilidades do Brasil e a fragilidade de nosso aparato de inteligência. De fato, apesar da alta qualificação e do profissionalismo dos brasileiros que trabalho em nossos serviços secretos, estes ficam muito limitados em razão de fatores orçamentários e políticos. Infelizmente, as autoridades públicas no País ainda não se deram conta da relevância da atividade de inteligência para o Estado democrático e tampouco dos riscos de não se investir no setor.

O momento atual para a atividade de inteligência deve ser de reflexão e identificação das vulnerabilidades e deficiências, bem como do estabelecimento de um planejamento claro para o setor. Por mais clichê que pareça, a crise traz uma oportunidade de crescimento. Seria o momento de se investir nos serviços secretos brasileiros. As perspectivas, porém, não são das melhores, pois parece que os tomadores de decisão nas mais altas esferas do governo continuam desconsiderando essa importante atividade.

Brasil no Mundo: Um das grandes questões que a atividade de inteligência precisa trabalhar é o processo de controle da atividade. Em seu último livro, “Políticos e Espiões – o controle da atividade de inteligência”, você detalha o processo e os passos necessários. Quais são os grandes desafios para o Brasil?

Joanisval Brito Gonçalves: Aspecto interessante relacionado ao controle da atividade de inteligência diz respeito ao fato de que é fundamental se ter em mente, que inteligência e democracia são plenamente compatíveis. As grandes democracias do mundo têm sistemas e serviços de inteligência em pleno funcionamento. De fato, é difícil encontrar qualquer nação democrática nos dias atuais que não disponha de serviços secretos para assessorar o processo decisório e defender o Estado e a sociedade. Entretanto, regimes autoritários também costumam dispor de um aparato de inteligência que lhes dê suporte. Com isso, pode-se perceber que a atividade de inteligência em si não é boa nem ruim, mas sim um instrumento essencial para o exercício do poder.

O que diferencia os serviços de inteligência em regimes democráticos (que operam em defesa da sociedade e do Estado democrático de direito) daqueles de regimes autoritários (nos quais o aparato de inteligência associa-se à estrutura repressora) é exatamente a existência do controle, sobretudo do controle externo exercido pelo Poder Legislativo. É o controle feito pelo Parlamento e pela sociedade que garantirá que os serviços secretos operarão de maneira consentânea com os princípios democráticos, identificando-se e punindo-se eventuais abusos e arbitrariedades.

O ano de 2014 será de grandes desafios para o controle da atividade de inteligência no Brasil. Já se inicia com uma importante novidade: a entrada em vigor do novo Regimento Interno da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), órgão de controle externo do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). O novo Regimento, aprovado no final do ano passado, permitirá efetividade aos trabalhos da Comissão, com a expectativa de intensificação das tarefas de fiscalização e controle do Parlamento brasileiro sobre a comunidade de inteligência.

Brasil no Mundo: Se realizarmos uma comparação com outros países, por exemplo, França e Estados Unidos, como o Brasil está no quesito de controle da atividade de inteligência?

Joanisval Brito Gonçalves: Os Estados Unidos são o país onde o controle dos serviços secretos pelo Poder Legislativo é mais tradicional, amplo, eficiente e efetivo. Há outros modelos de eficiência como o canadense e o português. Com a CCAI em pleno funcionamento e se forem tomadas medidas no sentido de se aprovar uma legislação mais aprimorada e atual para a inteligência, o Brasil se encontrará na vanguarda do controle externo dos serviços secretos.

Brasil no Mundo: Na sua opinião, qual a grande dificuldade para que o Política Nacional de Inteligência seja colocado em prática?

Joanisval Brito Gonçalves: A Política Nacional de Inteligência (PNI), prevista na Lei nº 9.883, de 1999, que cria a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e institui o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), é um documento fundamental para o setor, pois norteará os trabalhos e estabelecerá as diretrizes para toda a comunidade de inteligência do País. A PNI foi enviada ao Congresso Nacional no final de 2009, para ser apreciada pela CCAI, que o fez e a enviou de volta ao Presidente da República, com algumas recomendações. Estaria pronta para ser publicada pelo Chefe do Executivo desde outubro de 2010. Porém, até o momento desta entrevista, não houve esse ato da Presidente, e o País permanece sem uma PNI. Se houver vontade da Chefe de Estado, a PNI será implementada.

Brasil no Mundo: Na sua visão, quais as razões que levam a atividade de inteligência ser pouco discutida com a sociedade brasileira?

Joanisval Brito Gonçalves: Entre as razões que conduzem à pouca discussão sobre a atividade de inteligência no Brasil estão a ausência de uma cultura de segurança e inteligência entre os brasileiros, e o forte preconceito, pois associa-se o tema ao período militar e a práticas ilegítimas. Há determinados segmentos da opinião pública, inclusive entre formadores de opinião, que deliberadamente associam serviços secretos a ditadura e a órgãos de regimes autoritários. Essas pessoas, movidas pela ignorância, pelo preconceito, por ódio ou ressentimento ou até, em alguns casos, por interesses materiais e financeiros, são responsáveis por um grande desserviço ao País. Seria importante que a sociedade brasileira tomasse consciência da importância da atividade de inteligência, do fato de que os serviços secretos do Brasil no século XXI em nada têm a ver com organizações de períodos de exceção e que existem para assessorar o processo decisório e para proteger os brasileiros contra ameaças das mais distintas.

Brasil no Mundo: O caso Snowden escancarou diversos problemas de contra-espionagem no Brasil, além de alertar para as operações contínuas dos serviços de inteligência dos Estados Unidos. Mas na verdade o Brasil deveria ter mais atenção para outros serviços estrangeiros, tais como da China, França e Alemanha. Como o senhor vê a atuação de outros países no Brasil?

Joanisval Brito Gonçalves: Costuma-se dizer que o ofício do espião é a segunda profissão mais antiga do mundo. Desde que existem os seres humanos sobre a face da terra há alguém que dispõe de um conhecimento a ser protegido e outrem interessado em acessar esse conhecimento. Ao longo dos séculos, governos, exércitos e outras organizações (inclusive privadas e não-governamentais) recorreram à atividade inteligência para obter informações preciosas de seus inimigos e também de aliados. Nas relações internacionais, o uso de espiões é uma prática corriqueira, no que se convencionou chamar de “o grande jogo”. Assim, é ingênuo achar que o Brasil e os brasileiros não sejam alvos de espionagem estrangeira promovida por governos e organizações privadas. Isso, em verdade, deve se intensificar à medida que o Brasil alcança uma posição de maior destaque do plano internacional. O que fazer diante desse quadro? Encarar o problema de frente, tomar consciência de se está sujeito à espionagem e investir em mecanismos para neutralizar a inteligência adversa, ou seja, investir em contrainteligência. Isso tudo deve estar associado à promoção de uma cultura de segurança e inteligência no País.

Joanisval Brito Gonçalves é advogado e consultor legislativo do Senado Federal para a área de Relações Exteriores e Defesa Nacional e consultor para a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência do Congresso Nacional (CCAI). Doutor em Relações Internacionais (UnB, 2008), leciona em cursos de graduação e pós-graduação. É conferencista em instituições públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, nas áreas de Inteligência, Segurança Nacional e Defesa, Direito Público, Direito Internacional e Relações Internacionais. Membro de associações nacionais e internacionais nas áreas de relações internacionais, segurança e defesa, e inteligência, é autor de publicações no Brasil e no exterior, com destaque para os livros Atividade de Inteligência e Legislação Correlata (3ª Edição, Niterói: Impetus, 2013) e Políticos e Espiões – o controle da atividade de inteligência (Niterói: Impetus, 2010). www.joanisval.com

Fonte: Exame

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