Em Has the Arab Spring Hit Brazil?,
 Tamara Dias busca compreender a inserção das manifestações em todo o 
gigante sul-americano no escopo do fenômeno que atinge os países árabes,
 em efeito dominó, desde o estopim tunisiano. Tentação inescapável para 
quase qualquer analista das Relações Internacionais, a tentativa de 
compreensão da identidade internacional do impulso de participação ativa
 de civis na política brasileira, no entanto, esbarra em vicissitudes 
metodológicas que, ao necessitarem de identificação mais precisa de 
variáveis, encontra dificuldades, também, na distância temporal e 
sociológica entre sujeito da análise e objeto. Nada que Dias, no 
referido artigo, ou, sobretudo, Fernando Brancoli, em Primavera árabe – praças, ruas e revoltas, falhem em superar, de maneira mais ou menos extensa.
Brancoli, em seu livro, a ser lançado no 
dia 8 de Agosto de 2013 pela Editora Desatino, demonstra a importância 
da análise empírica individual, sem abandonar uma perspectiva mais 
holística, a respeito de fenômenos internacionais. Na vaga da catarse de
 Enloe, em que ela “thank[s] God for the anthropologists”, 
Fernando Brancoli utiliza-se de sua experiência como funcionário de 
organizações internacionais como a Cruz Vermelha e de sua vivência nos 
países que passam ou passaram pela Primavera Árabe, para expor as causas
 dos eventos, suas semelhanças e diferenças e alguns estudos de caso, 
incluindo uma breve e corajosa análise sobre a situação na Síria.
Dessa maneira, Primavera árabe – praças, ruas e revoltas
 oferece ao leitor a possibilidade de entender o espraiar dos 
acontecimentos nos países árabes como traços decorrentes da tensão entre
 nacionalismos árabes e pan-arabismo, como resultados de realidades 
econômicas e religiosas semelhantes, como consequências de modelos 
políticos peculiares e do envolvimento de potências ocidentais, 
especialmente dos Estados Unidos, no cotidiano árabe desde a Guerra 
Fria. Uma das maiores contribuições do livro, por sua vez, é integrar 
essas análises às percepções individuais de Brancoli, graduado em 
jornalismo e mestre em Relações Internacionais e Estudos Estratégicos, 
além de sensível e entusiasta de pesquisas que transcendam a mera 
leitura teórica.
Uma internacionalista, no entanto, 
ver-se-ia tentada a inserir a obra de Fernando no escopo teórico de 
análise da Escola Francesa das Relações Internacionais, embora Brancoli 
afirme que seu prisma tende ao reconhecimento de processos 
construtivistas na Primavera Árabe, ao ressaltar uma identidade 
transnacional do movimento e quando compreende as dificuldades de se 
abrir a caixa preta do Oriente Médio sem que se caia em orientalismos, 
para recorrer, assim como o autor, à contribuição de Edward Said. O 
livro a ser lançado em agosto lida, de maneira intuitiva, com aquilo que
 Duroselle denomina como forças profundas materiais e psicossociais da 
ordem internacional. Brancoli reconhece sistemas de causalidades, 
incluindo a atuação ou o ostracismo de organizações não governamentais 
árabes, de maneira precisa e abrangente, desembocando, por meio de 
sistemas de finalidades muitas vezes involuntários, em ondas criativas, 
relações pacíficas ou conflituosas ou na guerra.  
O léxico utilizado pelo autor para 
compreender os casos de Tunísia e Egito e de Bahrein e Líbia, como 
“síndrome de uma revolução (não) anunciada” e “esquecimentos e 
lembranças”, aponta para o reconhecimento de processos, como as forças 
profundas, nem sempre voluntários da sociedade, os quais o autor é 
astuto em identificar sucintamente, o que, certamente, decorre de sua 
vivência no local. Dessa maneira, Brancoli não só analisa o papel da 
mídia nos eventos da Primavera Árabe, como conta como se teria dado, na 
prática, a mobilização virtual e, concomitantemente, real. Nesse 
sentido, mais do que um livro introdutório a respeito dos fenômenos 
sociais e políticos que constituiriam a Primavera Árabe, o livro 
apresenta leitura aprazível àqueles que buscam não só se alimentar 
intelectualmente, mas também culturalmente.
A preocupação dos analistas sensatos das 
relações internacionais de engajarem-se em análises a respeito dos 
fenômenos árabes, em face de sua complexidade, sobretudo, social e 
religiosa, não perpassa e nem necessitaria perpassar a contribuição de 
Brancoli, que conta com background teórico e empírico suficiente 
para mostrar ao leitor as características daquilo que poderia vir a 
conformar uma democracia árabe, incluindo seus traços teocráticos e 
monárquicos. Um dos méritos do livro reside em oferecer, ao curioso, um 
panorama complexo, mas geral da Primavera Árabe e, ao estudioso, aquelas
 informações que faltavam para que suas análises não contivessem gaps decorrentes da distância em relação à realidade árabe.
Primavera árabe – praças, ruas e revoltas
 supre, portanto, a necessidade de um ponto de partida brasileiro para a
 análise da Primavera Árabe, enquanto enseja, sobretudo em seus 
capítulos finais, questionamentos a respeito, por exemplo, da posição do
 Brasil sobre o fenômeno e dos caminhos que serão tomados pelos próximos
 acontecimentos – como aqueles na Síria e, mesmo, no Egito. O livro de 
Brancoli, dessa maneira, incita o avanço dos estudos brasileiros, como o
 de Dias, a respeito do que se passa no mundo árabe, oferecendo 
parâmetros analíticos, com vasta comprovação empírica, para que se 
compreendam eventos vindouros, tanto na região, quanto no Brasil e no 
resto do mundo. No entanto, apesar de não ser o caminho escolhido pelo 
autor, que privilegia uma análise principalmente ligada à realidade 
econômica, social e política dos países envolvidos na Primavera, que, 
por sua vez, se reconheceriam em identidades transnacionais, seria 
profícuo, para o leitor, compreender os processos revolucionários 
anteriores, como aqueles nas ex-repúblicas soviéticas das Revoluções 
Coloridas, que teriam, em 2009, compreendido, ainda, o Irã, em episódio 
em que jovens, a partir de mobilizações virtuais, foram às ruas para 
questionar os resultados das eleições. Soa, portanto, pertinente 
compreender a possibilidade de contágio dos países árabes, a partir, 
principalmente, daquilo que poderia vir como gatilho econômico: a crise 
financeira de 2008. Ao assumir que “a Primavera Árabe é um processo, e 
não um resultado”, a obra de Fernando Brancoli não se debruça sobre essa
 perspectiva, mas oferece instrumentos para que isso seja feito de 
maneira a não negligenciar as peculiaridades da Primavera e de cada um 
dos casos.
Referência:Brancoli, Fernando. Primavera Árabe – praças, ruas e revoltas. São Paulo: Desatino: 2013. 144 p. ISBN 978-85-88467-24-8Mariana Kalil é Professora do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense – INEST/UFF e Mestra em Política Internacional e Comparada pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – IREL/UnB (marianakalil@gmail.com).
Fonte: Mundorama
 
 
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