sexta-feira, 26 de julho de 2013

Egito – Péssimo com a Irmandade e péssimo com os militares

O novo regime do Egito começa a se tornar patético. Há três semanas mantém o presidente deposto Mohammad Morsy preso e incomunicável. Inicialmente, os generais diziam que era para a própria segurança dele em argumento por si só absurdo. Diante das pressões dos EUA, que contribuem com uma mesada de US$ 1,5 bilhão anual para os militares, mudaram a história.
Agora, de acordo com um promotor ligado ao Exército, Morsy estaria preso devido à sua associação com o grupo palestino Hamas nos dias seguintes à queda do regime de Hosni Mubarak, do qual o atual governo é herdeiro. De acordo com esta mirabolante história, o presidente deposto teria agido em conluio com os palestinos para realizar ataques terroristas no Egito.
Vamos aos fatos. O Hamas realmente tem inspiração na Irmandade Muçulmana. As duas organizações, sem dúvida, mantiveram uma ligação estreita ao longo dos anos e, no mandato de Morsy, se aproximaram. Mas vamos desmontar cada uma destas questões que associariam o presidente deposto ao terrorismo.
Primeiro, o Hamas cometeu sim dezenas de atentados contra Israel ao longo das últimas duas décadas. Nos anos recentes, mudou de tática e passou a utilizar o lançamento de foguetes contra cidades no sul de Israel para aterrorizar a população civil. Jamais, porém, a Irmandade foi acusada mesmo por Israel de colaboração com os palestinos em ataques terroristas.
Além disso, a Irmandade, há décadas, abdicou do terrorismo para lutar contra o regime militar do Egito. Apesar de atuar na clandestinidade, mantinha apenas a resistência civil. O Hamas, por sua vez, nunca se envolveu com terrorismo no Egito e mantinha um diálogo com Mubarak.
Vocês poderão argumentar que o Sinai havia se tornado terra de ninguém durante o  mandato da Irmandade. Na verdade, mesmo nos últimos anos de Mubarak a região havia se transformada em um território hostil a israelenses. Há anos jovens de Israel já temiam ir mergulhar no Mar Vermelho. Em 2004, houve um mega atentado contra o Hilton em Taba, na fronteira entre Egito e Israel.
Depois da queda de Mubarak, quando os militares do general Sisi estavam coordenando a transição, o Sinai estava até pior do que no período de Morsy, isso apesar de as Forças Armadas terem sabotado o governo da Irmandade.
Os túneis usados para levar armamento do Sinai para Gaza foram construídos no regime de Mubarak. Tanto que a Guerra de Gaza aconteceu no início de 2009. Quem estava no poder na época no Egito? Mubarak. Aliás, Israel evitou outra guerra no ano passado graças ao envolvimento de Morsy, negociando uma trégua entre os israelenses e o Hamas. O presidente deposto egípcio foi elogiado ao redor do mundo por sua ação. Ele também conseguiu afastar o grupo palestino do Irã, da Síria e do Hezbollah, inimigos de Israel.
Conforme escrevi aqui ontem, dá para discutir se a deposição de Morsy foi ou não golpe, assim como ocorreu com Lugo no Paraguai e Zelaya em Honduras. Mas o período pós deposição no Egito demonstra que os militares, mesmo com seus fantoches civis em cargos de presidente e premiê, incluindo autoridades como o hipócrita Nobel da Paz Mohammad El Baradei, estão implementando uma ditadura repressiva que já matou em três semanas mais de cem pessoas e mantém a prática de prisões ilegais.
Para completar, mais uma vez, criticar os militares no Egito não significa apoiar a Irmandade. O governo de Morsy foi horroroso na administração da economia, desrespeitou instituições democráticas ao querer se sobrepor ao poder judiciário, e, assim como regime de Mubarak e o dos militares que o sucederam, manteve a opressão às mulheres e aos cristãos.
Os militares, com todo o apoio popular das ruas, poderiam ter tomado outro rumo. Optaram, porém, por manter o regime de Mubarak sem Mubarak. Uma atitude deprimente.


Guga Chacra, comentarista de política internacional do Estadão e do programa Globo News Em Pauta em Nova York, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já foi correspondente do jornal O Estado de S. Paulo no Oriente Médio e em NY. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires

Fonte: GugaChacra

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