Por Dawisson Belém Lopes em 26/02/2013 na edição 735
Em texto recente, veiculado na última
edição da revista Política Externa, o brasilianista Sean
Burges – professor da Australian National University – pergunta de forma
provocativa, sem fazer rodeios: o Itamaraty tornou-se um problema para a
política externa brasileira? Dependendo do que se pretenda para o país, talvez
sim, ele afirma.
A argumentação apoia-se na ideia de
que, em tempos de crise econômica e emergência de novos temas e atores
políticos, o conservadorismo do Itamaraty – com o seu culto a tradições e
hierarquias profissionais – privaria o Brasil de explorar boas oportunidades
(sobretudo comerciais) da globalização dos mercados e poria em risco a própria
relevância futura do país. Segundo o pesquisador, há carência de especialistas
em temas técnicos e de uma liderança com mais sensibilidade política entre os
nossos diplomatas. A recuperação da criatividade necessária à formulação da
política exterior na atualidade passaria, dentre outras medidas, pela abertura
do Itamaraty a outras fontes de inovação, bem como pelo resgate do “dinamismo”
do barão do Rio Branco.
O artigo de Burges ganhou inesperado
respaldo com a publicação, em 16 de fevereiro, de matéria intitulada “Brasil
fecha só três acordos de comércio em 20 anos” em O Estado
de S.Paulo. Fundamentalmente, alegava-se no texto que as escolhas
da política externa econômica do Brasil tinham acarretado estagnação nos
negócios, ao passo que nossos vizinhos latino-americanos avançavam
vigorosamente na direção de entendimentos comerciais bilaterais, principalmente
com os Estados Unidos e países asiáticos.
Liberar geral?
Como entusiasta da abertura
democrática e da eficiência na administração pública federal, reconheço um
arsenal de críticas possíveis ao serviço exterior brasileiro, mas jamais
derivaria daí que o caminho a seguir é a “desitamaratização” da política
externa.
Isso significaria renunciar a um tipo
de know-how em que o Brasil tem vantagens comparativas e
competitivas. Afinal, desenvolvemos um sofisticado aparato institucional para a
carreira diplomática, além de uma academia – o Instituto Rio Branco – para
treinamento e qualificação de pessoal. Nas fileiras do Itamaraty encontram-se
intelectuais e estrategistas de primeira linha. Sintomaticamente, mais de uma
dezena de secretários-gerais e juízes de grandes instituições internacionais
foram cedidos pelo corpo diplomático brasileiro no decorrer da história.
Não se desinstitucionaliza o aparelho
de Estado impunemente. É abrir a caixa de Pandora e invocar os males da gestão
pública – de usurpação funcional e insegurança jurídica a amadorismo e
malversação de recursos. Parece-me infeliz a proposta de privatizar o interesse
público, tornando o Estado (e o corpo diplomático, em particular) refém dos
grupos de interesse e pressão. Trata-se, em suma, de pensar o Brasil à maneira
dos liberais anglo-saxões e incorporar uma visão de democracia como “mercado
político autorregulável”.
O elogio feito à criatividade na
gestão da política externa também soa curioso, pois não fica evidenciada a sua
serventia para a inserção do país no mundo. Dá para inverter a lógica e mostrar
(com palavras e números) que foi justamente a insistência secular em certos
princípios – soberania territorial, igualdade entre as nações, pacifismo etc. –
que, a despeito das limitações brasileiras, nos tem assegurado um lugar na
primeira divisão global. Desde os tempos do barão até hoje.
Comércio e política
No que toca ao comércio
internacional, a postulação de que o Itamaraty deve ser esvaziado de funções
não vem de hoje. Na última eleição presidencial brasileira, aventou-se a
criação de um ministério voltado exclusivamente para o comércio exterior, com
missão de alavancar a participação do país em importações e exportações, de
mercadorias e serviços. A suposta vantagem de tal medida estaria na
“despolitização” do tema. Chega a ser irônico, já que, mesmo com a inexpressiva
contribuição do Brasil para os fluxos comerciais globais, temos um histórico de
força negocial e representatividade política na Organização Mundial do Comércio
(vide a atuação do país junto ao G20 durante a crise financeira corrente). A
candidatura do embaixador Roberto Azevedo à direção do órgão dá conta desse
fenômeno. A despolitização da discussão comercial pode ser um tiro no próprio
pé.
É preciso ter em mente que o
Ministério das Relações Exteriores é uma agência governamental constitucionalmente
limitada em suas ações, pois está subordinada à Presidência da República – cuja
incumbente, a chefe de Estado Dilma Rousseff, recebeu mandato popular para
conduzir os assuntos internacionais do Brasil. O Itamaraty não é a guilda dos
comerciantes nem um bureau empresarial. Sempre foi
publicamente orientado e é bom que continue sendo, pelo bem da nossa política
externa.
***
[Dawisson Belém Lopes é professor de
Política Internacional e Comparada da UFMG e autor de Política
Externa e Democracia no Brasil: Ensaio de Interpretação Histórica (ed.
Unesp, 2013)]
Fonte: Observatório da Impresa
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