Durante o ano corrente, a editora Fino
Traço tem publicado diversos estudos científicos que abordam os grandes
temas da agenda internacional contemporânea. Essas obras compõem a
Coleção Relações Internacionais e são escritas por estudiosos renomados.
Até o momento, foram lançados oito livros: “África parceira do Brasil
Atlântico: Relações internacionais do Brasil e da África no início do
século XXI”, escrito por José Flávio Sombra Saraiva; “Brasil e China:
cooperação Sul-Sul e parceria estratégica”, de Henrique Altemani de
Oliveira; “Economia e Política das relações internacionais”, por Eiiti
Sato; “A Parceria Inconclusa: as relações entre Brasil e Portugal”, por
Amado Luiz Cervo; “As Relações Brasil-Estados Unidos”, escrito por
Cristina Soreanu Pecequilo; “Relações Diplomáticas da Ásia: articulações
regionais e afirmação mundial (numa perspectiva brasileira)”, de Paulo
Fagundes Visentini; “Uma história de parceria: as relações entre Brasil e
Venezuela (1810-2012)”, de Thiago Gehre Galvão; e, finalmente,
“Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa
brasileira”, de Miriam Gomes Saraiva.
Este texto tem como objetivo oferecer ao
público interessado uma resenha sobre o livro “Encontros e Desencontros:
o lugar da Argentina na política externa brasileira”, de Miriam Gomes
Saraiva, professora e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em
Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
pesquisadora do CNPq, cujos trabalhos mais notáveis discorrem sobre a
política externa brasileira, estudos comparativos com a política externa
argentina, Mercosul, integração sul-americana e a relação trilateral
Brasil-União Europeia-Mercosul. Tendo sido dividida a obra em quatro
capítulos, a autora trata cronologicamente das posições do Brasil em
matéria de política externa voltada à Argentina, desde a independência
do Brasil até os governos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Analisando um período de longa duração por meio da perspectiva diplomática brasileira, o primeiro capítulo do livro, “Visões brasileiras da Argentina de 1822 a 1978: o papel da cordialidade oficial em um marco de rivalidades”,
traz acontecimentos que demonstram a rivalidade, originada ainda no
período colonial, e as tentativas de cooperação que permearam as
relações entre os dois países, desde a independência do Brasil, enquanto
a Argentina ainda estava se formando territorialmente, até às árduas
negociações para o uso dos recursos hídricos após a construção de
Itaipu. Destaca-se desse período uma política externa orientada pela
cordialidade oficial, implementada por José Maria da Silva Paranhos Jr.,
o Barão do Rio Branco, consolidada durante o século XX e deteriorada
durante o governo de Ernesto Geisel; e, as tentativas de cooperação para
diminuir as discordâncias; corroborando com o relacionamento titubeante
para com a Argentina, com momentos de cooperação em ambiente de
evidente rivalidade, sendo o ápice da aproximação dos países
representado pelo “espírito de Uruguaiana” – caracterizado pela
coordenação política em organismos multilaterais, retirada das tropas de
fronteiras, livre trânsito de pessoas, intercâmbio, cooperação e
consulta mútua, na época da Política Externa Independente de Jânio
Quadros.
O capítulo seguinte, “Do entendimento à parceria,”
delimita-se a analisar os governos de João Figueiredo (1979-1985),
representando a construção do entendimento entre os dois países, e o de
José Sarney (1985-1989), caracterizado pelo estabelecimento da parceria.
O governo de Figueiredo trouxe mudanças na política externa brasileira
e, consequentemente, nas relações diplomáticas entre os dois países,
principalmente no âmbito da cooperação internacional; relegando a
segundo plano a rivalidade assimétrica predominante nas relações da
década de 1970. Deste período destaca-se a assinatura de acordos
importantes, como o Acordo Tripartite Corpus-Itaipu e o acordo de
cooperação nuclear, e o apoio brasileiro à Argentina durante a Guerra
das Malvinas. A consolidação do entendimento entre os dois países
possibilitou, a partir de 1985, o processo de integração, sendo a
trajetória, as motivações e os resultados apresentados no texto. Em
síntese, o período configurou-se pelo equilíbrio e pela superação da
possibilidade de conflito nas relações entre os dois países, bem como
pelas parcerias desenvolvidas nas áreas comerciais, militares,
tecnológicas, científicas e políticas.
O terceiro capítulo, “Encontros e
desencontros na construção do Mercosul”, demonstra que a relação entre
Brasil e Argentina passou a priorizar o comércio, tendo em vista a
inserção dos dois países na economia internacional. Segundo Miriam, esse
novo modelo de integração conduziu à criação do Mercosul, por meio do
Tratado de Assunção, assinado em 1991. O período analisado neste
capítulo inicia-se em 1990 e vai até 2002, abrangendo as presidências de
Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso,
por parte do Brasil; e, Carlos Menem, Fernando de la Rúa e Eduardo
Duhalde, na Argentina. Inicialmente, o texto apresenta a construção do
Mercosul e os questionamentos e desencontros entre os dois países; estas
divergências se davam principalmente sobre as percepções de políticas
macroeconômicas e externas de cada país. Na sequência da obra, a autora
demonstra que houve um período de crise comercial no Mercosul, mas que a
vontade política proporcionou a continuidade do bloco.
Por fim, o último capítulo, “Novo contexto político e a redefinição do Mercosul: avanços e limites”,
aborda as discussões mais recentes abrangendo os governos de Luiz
Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, no Brasil e na Argentina,
respectivamente, e as contribuições deles para a solidificação da
parceria – com destaque para o Consenso de Buenos Aires. O texto
apresenta como a política externa do Governo Lula modificou as
estratégias de desenvolvimento nacional e a percepção dos lugares da
Argentina e do Mercosul na política externa brasileira. O capítulo
também trata dos progressos e entraves nas relações bilaterais
Brasil-Argentina e da reconfiguração do Mercosul, que deixou de ser
bloco apenas comercial para desenvolver as dimensões política e social
por meio de ações nos setores de cultura, educação, cooperação
tecnológica e científica.
Este livro merece ser lido por estudantes
de Relações Internacionais, História e Ciência Política, tanto pelo
rigor acadêmico quando pela quantidade de informações relevantes para
compreender a importância da Argentina na história da política externa
brasileira. O texto apresenta-se utilizando linguagem clara e
sofisticada, ao mesmo tempo em que é conciso e denso no volume de
informações. A abordagem histórica facilita a assimilação do conteúdo,
pois permite visões gerais e, ao mesmo tempo, detalhadas das relações
entre os dois países, desde suas origens coloniais até muito
recentemente, permitindo que o leitor possa refletir com maior
consciência sobre os acontecimentos atuais que envolvem Brasil e
Argentina, assim como o Mercosul.
SARAIVA, Miriam Gomes. “Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa brasileira”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. ISBN: 978-85-8054-043-7Eduardo Gomes de Almeida Souza é Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP, Campus de Marília. (egoals2@gmail.com)
Fonte: Mundorama
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