sábado, 3 de novembro de 2012

Resenha do livro “Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa brasileira”, de Miriam Gomes Saraiva, por Eduardo Gomes de Almeida Souza

Durante o ano corrente, a editora Fino Traço tem publicado diversos estudos científicos que abordam os grandes temas da agenda internacional contemporânea. Essas obras compõem a Coleção Relações Internacionais e são escritas por estudiosos renomados. Até o momento, foram lançados oito livros: “África parceira do Brasil Atlântico: Relações internacionais do Brasil e da África no início do século XXI”, escrito por José Flávio Sombra Saraiva; “Brasil e China: cooperação Sul-Sul e parceria estratégica”, de Henrique Altemani de Oliveira; “Economia e Política das relações internacionais”, por Eiiti Sato; “A Parceria Inconclusa: as relações entre Brasil e Portugal”, por Amado Luiz Cervo; “As Relações Brasil-Estados Unidos”, escrito por Cristina Soreanu Pecequilo; “Relações Diplomáticas da Ásia: articulações regionais e afirmação mundial (numa perspectiva brasileira)”, de Paulo Fagundes Visentini; “Uma história de parceria: as relações entre Brasil e Venezuela (1810-2012)”, de Thiago Gehre Galvão; e, finalmente, “Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa brasileira”, de Miriam Gomes Saraiva.
Este texto tem como objetivo oferecer ao público interessado uma resenha sobre o livro “Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa brasileira”, de Miriam Gomes Saraiva, professora e pesquisadora do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do CNPq, cujos trabalhos mais notáveis discorrem sobre a política externa brasileira, estudos comparativos com a política externa argentina, Mercosul, integração sul-americana e a relação trilateral Brasil-União Europeia-Mercosul. Tendo sido dividida a obra em quatro capítulos, a autora trata cronologicamente das posições do Brasil em matéria de política externa voltada à Argentina, desde a independência do Brasil até os governos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Analisando um período de longa duração por meio da perspectiva diplomática brasileira, o primeiro capítulo do livro, “Visões brasileiras da Argentina de 1822 a 1978: o papel da cordialidade oficial em um marco de rivalidades”, traz acontecimentos que demonstram a rivalidade, originada ainda no período colonial, e as tentativas de cooperação que permearam as relações entre os dois países, desde a independência do Brasil, enquanto a Argentina ainda estava se formando territorialmente, até às árduas negociações para o uso dos recursos hídricos após a construção de Itaipu. Destaca-se desse período uma política externa orientada pela cordialidade oficial, implementada por José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, consolidada durante o século XX e deteriorada durante o governo de Ernesto Geisel; e, as tentativas de cooperação para diminuir as discordâncias; corroborando com o relacionamento titubeante para com a Argentina, com momentos de cooperação em ambiente de evidente rivalidade, sendo o ápice da aproximação dos países representado pelo “espírito de Uruguaiana” – caracterizado pela coordenação política em organismos multilaterais, retirada das tropas de fronteiras, livre trânsito de pessoas, intercâmbio, cooperação e consulta mútua, na época da Política Externa Independente de Jânio Quadros.
O capítulo seguinte, “Do entendimento à parceria,” delimita-se a analisar os governos de João Figueiredo (1979-1985), representando a construção do entendimento entre os dois países, e o de José Sarney (1985-1989), caracterizado pelo estabelecimento da parceria. O governo de Figueiredo trouxe mudanças na política externa brasileira e, consequentemente, nas relações diplomáticas entre os dois países, principalmente no âmbito da cooperação internacional; relegando a segundo plano a rivalidade assimétrica predominante nas relações da década de 1970. Deste período destaca-se a assinatura de acordos importantes, como o Acordo Tripartite Corpus-Itaipu e o acordo de cooperação nuclear, e o apoio brasileiro à Argentina durante a Guerra das Malvinas. A consolidação do entendimento entre os dois países possibilitou, a partir de 1985, o processo de integração, sendo a trajetória, as motivações e os resultados apresentados no texto. Em síntese, o período configurou-se pelo equilíbrio e pela superação da possibilidade de conflito nas relações entre os dois países, bem como pelas parcerias desenvolvidas nas áreas comerciais, militares, tecnológicas, científicas e políticas.
O terceiro capítulo, “Encontros e desencontros na construção do Mercosul”, demonstra que a relação entre Brasil e Argentina passou a priorizar o comércio, tendo em vista a inserção dos dois países na economia internacional. Segundo Miriam, esse novo modelo de integração conduziu à criação do Mercosul, por meio do Tratado de Assunção, assinado em 1991. O período analisado neste capítulo inicia-se em 1990 e vai até 2002, abrangendo as presidências de Fernando Collor de Mello, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, por parte do Brasil; e, Carlos Menem, Fernando de la Rúa e Eduardo Duhalde, na Argentina. Inicialmente, o texto apresenta a construção do Mercosul e os questionamentos e desencontros entre os dois países; estas divergências se davam principalmente sobre as percepções de políticas macroeconômicas e externas de cada país. Na sequência da obra, a autora demonstra que houve um período de crise comercial no Mercosul, mas que a vontade política proporcionou a continuidade do bloco.
Por fim, o último capítulo, “Novo contexto político e a redefinição do Mercosul: avanços e limites”, aborda as discussões mais recentes abrangendo os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner, no Brasil e na Argentina, respectivamente, e as contribuições deles para a solidificação da parceria – com destaque para o Consenso de Buenos Aires. O texto apresenta como a política externa do Governo Lula modificou as estratégias de desenvolvimento nacional e a percepção dos lugares da Argentina e do Mercosul na política externa brasileira. O capítulo também trata dos progressos e entraves nas relações bilaterais Brasil-Argentina e da reconfiguração do Mercosul, que deixou de ser bloco apenas comercial para desenvolver as dimensões política e social por meio de ações nos setores de cultura, educação, cooperação tecnológica e científica.
Este livro merece ser lido por estudantes de Relações Internacionais, História e Ciência Política, tanto pelo rigor acadêmico quando pela quantidade de informações relevantes para compreender a importância da Argentina na história da política externa brasileira. O texto apresenta-se utilizando linguagem clara e sofisticada, ao mesmo tempo em que é conciso e denso no volume de informações. A abordagem histórica facilita a assimilação do conteúdo, pois permite visões gerais e, ao mesmo tempo, detalhadas das relações entre os dois países, desde suas origens coloniais até muito recentemente, permitindo que o leitor possa refletir com maior consciência sobre os acontecimentos atuais que envolvem Brasil e Argentina, assim como o Mercosul.
SARAIVA, Miriam Gomes. “Encontros e Desencontros: o lugar da Argentina na política externa brasileira”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. ISBN: 978-85-8054-043-7
Eduardo Gomes de Almeida Souza é Graduando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho” – UNESP, Campus de Marília. (egoals2@gmail.com)

Fonte: Mundorama

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