segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A indesejada integração das Américas

O Globo - 17/09/2012
 
 Narcotráfico transnacional espalha rastro de violência pela região, e autoridades têm poucas respostas para solucionar problema

CIDADE DO MÉXICO A Colômbia, juntamente com a Bolívia e o Peru, é o epicentro da produção de cocaína no hemisfério. Equador e Venezuela são usados como países de trânsito por cartéis mexicanos e colombianos, enquanto o Chile e a Argentina servem de portas de saída para exportação da droga para a África e a Europa. O Brasil, além de ser o maior consumidor na América Latina, é também o maior fornecedor de insumos químicos para o refino da cocaína. E o México, apesar da luta do atual governo para desmantelar as redes de tráfico de drogas, foi incapaz de evitar a internacionalização dos cartéis que agora transcendem fronteiras.

Esta é a realidade que aflige o continente, com o aumento da violência e da dependência, um efeito do avanço do crime organizado - que agora concentra suas atividades não apenas no comércio de drogas, mas em contrabando de armas, lavagem de dinheiro, extorsão, sequestro, controle de produtos piratas, tráfico de pessoas, roubo de veículos e combustível, entre outras atividades ilícitas, com células especializadas para cada operação.

Bruce Bagley, presidente do Departamento de Estudos Internacionais da Universidade de Miami, diz que as organizações criminosas mexicanas têm tanto o controle da produção na região andina como da venda nos EUA.
- Aqui há algo muito claro: em vez de deixar grupos intermediários negociarem a droga, os traficantes mexicanos já estão com a mão na massa - diz.
Segundo o especialista, os mexicanos estão "adquirindo cargas ilegais de grupos colombianos que negociam no país, ou seja, o Águias Negras, os Rastrojos e elementos das Farc".

CHILE, ARGENTINA E URUGUAI
No Chile, o governo acredita que os portos do país são usados como áreas de trânsito.
- Supor que 60% da produção global de cocaína de países vizinhos ao nosso saia pelos outros países e não por aqui é ingênuo - revela Rodrigo Ubilla, subsecretário do Interior.

Entre 2009 e 2011 foram apreendidos em diferentes partes do mundo 7,9 toneladas de cocaína que vinham de Arica, cidade no Norte do Chile que faz fronteira com a Bolívia e o Peru. De acordo com os dados do governo, são apreendidos somente algo entre 25% e 26% do que circula. Ubilla acredita, então, que o que saiu do Chile pode chegar a várias dezenas de toneladas.

A Costa Rica, por sua vez , vive as consequências da chegada de organizações criminosas mexicanas. O secretário antidrogas, Maurício Boraschi, reconhece que os narcotraficantes trouxeram uma onda de violência, pois as execuções chegaram a 51 em 2011.

No caso do Uruguai, o governo comemora ter uma população pequena, de apenas 3 milhões de pessoas.
- Nós somos muito poucos. É muito difícil manter o nível de confidencialidade e sigilo que um grande cartel, mexicano ou colombiano, precisa para poder se instalar e operar - explica José Pedro Izquierdo, da Direção Nacional de Luta Contra o Crime Organizado.

A Argentina, porém, não pode dizer o mesmo. Nos últimos três anos, apareceram no país homens fortes dos cartéis colombianos e seus familiares, enquanto as apreensões de cocaína aumentaram, assim como o consumo de drogas nas ruas.

Em abril deste ano, a operação Luís XV, nome dado pelo tipo de móveis usados para a exportação de drogas, resultou na captura de 30 pessoas, metade de origem colombiana. Em 2011, foi apreendida uma quantidade recorde no país: seis toneladas de cocaína.

- O fenômeno de assassinatos não era observado na Argentina, e vira uma situação preocupante, que anda de mãos dadas com o aumento do tráfico de drogas. Se há mais capturas de cargas é porque mais cocaína está se movendo - analisa Eduardo Amadeo, deputado peronista e ex-titular da Secretaria de Prevenção da Dependência e Luta Contra o Narcotráfico (Sedronar).

BRASIL, JOIA DA COROA
Nos últimos cinco anos, há ao menos três casos de execuções com vítimas colombianas ligadas ao tráfico de drogas, e mais uma em que os mortos eram argentinos, que negociavam a venda de efedrina com cartéis mexicanos.

Para as autoridades argentinas, porém, não estão dadas as condições para a criação de cartéis próprios no país.
- Nós temos uma situação por ora benéfica. Nosso país está mal localizado em relação aos mercados preferenciais da droga, e não temos áreas de consumo atraentes - observa o chefe da Sedronar, Rafael Bielsa.

No entanto, nos últimos anos aumentaram as gangues locais que ganharam pequenos territórios marginais com a comercialização do chamado "paco", substância composta da base de cocaína, e de consumo elevado nos bairros em situação de emergência.
Crime e droga se cruzam nesse território, onde os consumidores reféns da situação atuam como soldados das fábricas de cocaína. Três das maiores favelas da cidade de Buenos Aires estão desde o ano passado sob o controle da polícia, em uma tentativa oficial de conter a violência que alcançou bairros de classe média.

A joia da coroa é o Brasil. Além de rota internacional e representar o maior mercado consumidor de cocaína da América do Sul, com 900 mil usuários, oferece produtos químicos para a indústria do refino da cocaína.

Segundo o ex-secretário nacional antidrogas e especialista em crime organizado Walter Maierovitch, sem a fiscalização da indústria química, o Brasil tem o potencial de se tornar uma espécie de Colômbia produtora de drogas sintéticas. Além disso, cerca de 25% da população carcerária (471 mil pessoas) responde a processo ou foi condenado por tráfico de drogas, chegando a 119 mil prisioneiros.

Os grupos do crime organizado no Brasil não têm o potencial para atuar fora do país, mas estão ligados a uma rede de organizações internacionais que representam 3,5% do PIB mundial e mobilizam cerca de US$ 600 bilhões.
Além da população carcerária de quase meio milhão de pessoas, o Brasil é o sexto no ranking mundial de homicídios, com 52 mil mortes por ano e 26 homicídios por 100 mil habitantes.

Para o subsecretário do Interior do Chile, Rodrigo Ubilla, difícilmente será possível terminar com os cartéis e as organizações criminosas:
- Nós não vamos vencer nunca. Você pode ganhar posições. A Colômbia está ganhando terreno a cada dia, mas ainda existe o tráfico de drogas. É possível atingir o crime na medida em que se organizem vários elementos e, para mim, o principal é a informação.

O advogado-geral do Equador, Galo Chiriboga Zambrano, é ainda mais contundente:
- Há vários anos temos uma estratégia de combate policial e militar, que acaba resultando no crescimento do consumo e no aumento contínuo do preço das drogas. A estratégia de repressão não tem funcionado. Portanto, sob a perspectiva de cooperação que os países devem ter, acho que devemos fazer uma reflexão conjunta, criar novas estratégias e políticas que visem atingir o alvo e que os entorpecentes não enriqueçam ilicitamente os bandidos. Eu acho que deveria haver um debate global. Não é uma possibilidade que um único país possa definir sozinho.

Oito cartéis mexicanos atuam em 16 países


CIDADE DO MÉXICO — No México, a disputa sobre o controle dos territórios está sendo travada entre oito cartéis de drogas que operam em todo o país. Eles consolidaram seus projetos de expansão e se tornaram grupos organizados transnacionais. O país e o mercado americano ficaram pequenos para tantas organizações. Por isso, a presença e as parcerias dos grupos chegam a 16 países.
Relatórios da Procuradoria-Geral da República do México traçam a recente radiografia do narcotráfico no país e identificam como principais cartéis o do Pacífico, liderado por Joaquín “El Chapo” Guzmán; o do Golfo, comandado por Jorge Eduardo “ El Coss” Costilla (preso na semana passada); e ainda os Zetas, cujo comando é disputado por Heriberto Lascano e Miguel Ángel Trevino Morales em uma guerra interna. Também mantêm suas posições o cartel Arellano Félix, a Família Michoacana, os Cavaleiros Templários, o cartel de Beltrán Leyva e o de Juárez.
Esses barões da droga e suas organizações são responsáveis pela violência no México. O último dado oficial do governo federal detalha que desde dezembro de 2006 até novembro de 2011 foram contabilizados 47.515 assassinatos relacionados com a guerra contra às drogas, classificados como “homicídio por presumida rivalidade entre criminosos”.
Apesar da luta empreendida pelo governo Calderón, na qual 22 dos 37 líderes mais procurados foram presos, entre março de 2009 e agora, nos últimos anos os oito cartéis consolidaram sua internacionalização. O mais tentacular é o cartel do Pacífico, que expandiu sua presença a 13 nações do continente - Canadá, EUA, Guatemala, El Salvador, Honduras, Belize, Costa Rica, Equador, Colômbia, Peru, Chile, Venezuela e Argentina.
Os competidores mais próximos são o Cartel do Golfo e os Zetas, antigos aliados e hoje adversários. Ambos atuam em nove países, segundo documentou o governo mexicano com o intercâmbio de informação de Inteligência com as autoridades desses países.
Os dois grupos estão presentes nos EUA, em Guatemala, em El Salvador, no Panamá, na Colômbia e na Bolívia. Também se documentou a presença do Cartel do Golfo em Belize, Costa Rica e no Peru; e a dos Zetas em Honduras, na Argentina e até no Brasil.

Fontes:
http://oglobo.globo.com/mundo/narcotrafico-transnacional-espalha-rastro-de-violencia-nas-americas-6113433

http://oglobo.globo.com/mundo/oito-carteis-mexicanos-atuam-em-16-paises-6113516

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