Milhares de pessoas que se deslocam por causa de secas e enchentes estão sem amparo legal
MARIA FERNANDA SEIXAS
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) decidiu aproveitar a conferência internacional sobre meio ambiente que se reúne neste mês no Rio de Janeiro, a Rio + 20, para chamar a atenção para a ausência de um marco legal para proteger e assistir milhares de pessoas forçadas a se deslocar de onde vivem por causa de enchentes, secas e outras catástrofes naturais.
O relatório do Acnur sobre a situação mundial dos refugiados, lançado ontem em Nova York, dedica um capítulo especial ao tema e o alto comissário António Guterres virá ao país para levar a discussão aos chefes de Estado e governo e outras autoridades que assistirão ao encontro.
O informe dá uma ideia da dimensão do problema nas próximas décadas, a começar pela dificuldade de fazer previsões. As estimativas sobre o número de pessoas que terão de deixar suas casas ou mesmo seus países por razões ambientais, até 2050, variam de 25 milhões a até 1 bilhão. E, ao contrário dos que se deslocam para escapar de conflitos armados ou perseguições, esses "fugitivos do clima" nem sequer podem ser chamados de refugiados: como alerta o texto, essa situação não está coberta pelas leis internacionais sobre o refúgio.
Em entrevista ao Correio, o representante do Acnur no Brasil, Andrés Ramirez, explica que a principal preocupação é alertar a comunidade internacional de que o tema "mudanças climáticas" não se restringe aos cuidados com desenvolvimento sustentável.
E de que as falhas no sistema de proteção aos indivíduos que cruzam as fronteiras pelos impactos do clima precisam ser reparadas com urgência. Ramirez explica que são reconhecidos como refugiados, segundo a Convenção de 1951, apenas aqueles que fogem de conflitos, guerras, perseguições políticas ou religiosas.
Hoje, porém, eles são em menor número que os deslocados por motivos relacionados ao meio ambiente.
"Existe um vazio em termos de normas que garantam proteção a essas vítimas. É uma grande responsabilidade da comunidade internacional criar esse amparo legal. O mundo precisa reagir de uma forma responsável e humanitária", afirmou Ramirez. Ele cita como exemplo os mais de 6 mil haitianos que vieram para o Brasil após o terremoto de janeiro de 2010. Segundo Ramirez, eles não podiam ficar no país como refugiados, pela falta desse marco legal, mas conseguiram do governo brasileiro. "A questão é que nem todos os Estados agiriam da mesma forma", alerta.
O alto comissário António Guterres, que discursou ontem na ONU, lembrou que o mundo está gerando deslocamentos em ritmo mais elevado do que soluções.
"Isso significa apenas uma coisa: mais pessoas vivendo muito tempo no exílio, impossibilitadas de voltar para casa e de se estabelecer em um lugar ou outro.
O deslocamento global é um problema internacional que exige soluções internacionais. E, com isso, quero dizer principalmente soluções políticas", enfatizou.
Além dos que cruzam e cruzarão fronteiras, os deslocados internos também são objeto de preocupação. O relatório aponta que a maioria das 43 milhões de pessoas forçadas a abandonar o lar continuam no país de origem.
Elas são cerca de 26 milhões, contra 16 milhões de refugiados e 1 milhão de solicitantes de refúgio.
Ainda de acordo com o relatório do Acnur, esse novo perfil dificulta o trabalho de agentes humanitários, uma vez que ajudar os deslocados internos é cada vez mais perigoso. Em países como Afeganistão, Somália, Iêmen e Iraque, assistir os desabrigados é um desafio que expõe os trabalhadores a sérios riscos.
Fonte: Correio Brasiliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário