sexta-feira, 8 de junho de 2012

Admissão à Carreira Diplomática: Um estudo comparativo de práticas e políticas de seleção no Brasil e no mundo


por Érica Ribeiro Leite e Gabriela Maria Carvalho Feijó*


O presente artigo propõe-se a analisar o ingresso à carreira diplomática no Brasil, considerando os instrumentos que o Ministério das Relações Exteriores (MRE) utiliza para a seleção de candidatos. Dessa forma, faremos uma análise sucinta do Concurso de Admissão à Carreira Diplomática (CACD), promovido anualmente pelo Instituto Rio Branco, buscando subsídios para comparação com outras formas de seleção e recrutamento praticadas ao redor do mundo, de forma a melhor entender as especificidades dos mecanismos utilizados pelo Brasil.   Órgão político da Administração direta, o Ministério das Relações Exteriores – também conhecido por Itamaraty – tem por missão auxiliar o Presidente da República na formulação e execução da política exterior brasileira, manter relações diplomáticas com Estados estrangeiros, organismos e organizações internacionais, promover os interesses do Estado e apoiar brasileiros no exterior. Apoiado nos valores da meritocracia e do universalismo, o MRE desenvolve competências como: formulação da política externa, prestação de serviços consulares, relações diplomáticas e participação em negociações com Estados e entidades estrangeiras (MRE, 2011).

Para garantir o padrão de excelência dos diplomatas brasileiros foi fundado em 1945 o Instituto Rio Branco (IRBr), assim chamado devido à importância de seu patrono, José Maria da Silva Paranhos Junior, também conhecido como Barão do Rio Branco. Esta importante figura histórica foi o principal propulsor de nossa incipiente diplomacia, ainda no começo do século passado, sendo o grande responsável pela delimitação do território brasileiro como o conhecemos hoje. O IRBr é responsável pela seleção e treinamento dos ingressantes na carreira diplomática.

No que tange à seleção, que compreende as “políticas e práticas de Gestão de Recursos Humanos visando procurar e atrair candidatos aos postos de trabalho” (LONGO, 2007), há no setor público uma necessidade de que esta seja feita observando-se um caráter igualitário, universal e inclusivo, sendo que a prática de concursos é vista como uma garantia a esse acesso universal aos cargos públicos. Deve-se assegurar que qualquer cidadão que preencha os requisitos básicos para o cargo possa disputá-lo de igual para igual com outros cidadãos, devendo haver mecanismos proíbam arbitrariedade e práticas de apadrinhamento na seleção de candidatos, que não raro tornam o setor público pouco eficiente e tecnicamente falho. (LONGO, 2007).

A partir de 2005, o concurso passou a ser realizado em 18 estados brasileiros, saindo do eixo de Brasília. Nesse mesmo ano houve uma alteração no formato de contabilização de notas; antes cada prova era avaliada individualmente com caráter eliminatório, com a nova forma passou a ser exigido um aproveitamento mínimo do candidato e as notas começam a ser contabilizadas em conjunto, favorecendo o candidato com formação mais ampla, em detrimento daqueles que possuem maior especialização em alguma matéria e pouco conhecimento de outras.

A seleção para carreira diplomática é promovida anualmente através do CACD, em parceria com o CESPE/UnB. Uma vez aprovado no concurso, o candidato ingressará na carreira como Terceiro-Secretário e, nessa etapa inicial, deverá fazer um Curso de Formação, também oferecido pelo IRBr. Moura afirma que para ingressar na carreira, o candidato muitas vezes passa anos prestando o concurso e não raro tem de fazer aulas preparatórias com professores especializados, envolvendo um grande esforço financeiro e longo tempo de dedicação, dada a dificuldade característica desse concurso (MOURA, 2007).
A autora descreve a carreira diplomática como uma trajetória que começa muito antes do candidato passar no CACD, muitas geralmente durante o período escolar ou no exercício de alguma outra profissão, sendo portanto um processo longo, quase que um projeto de vida; ela também constatou que grande parte dos candidatos que ingressam na diplomacia brasileira contou com uma boa formação prévia, ou se dedicou fortemente aos estudos (MOURA, 2007).

A profissão é também vista por muitos candidatos como uma vocação, algo que vem do berço. Características como inteligência, cortesia, fineza, educação, entre outras, seriam capazes de diferenciar os diplomatas dos demais “mortais”, o que demonstra que há um pensamento preponderante que tende a colocar o diplomata em um nível acima da população comum. Isso é institucionalizado pelas cerimônias e rituais próprios do grupo, nas quais fica clara a divisão entre os “riobranquinos” e os demais convidados (MOURA, 2007).

Esse apartamento dos diplomatas em seu mundo próprio pode ser entendido pela própria caracterização do Itamaraty como uma agencia estatal que a partir da Segunda Guerra Mundial passa a se tornar progressivamente insulada e crescentemente mais caracterizada como uma corporação altamente especializada em assuntos internacionais, ganhando grande prestígio tanto dentro quanto fora do Brasil (FARIA, 2009). De acordo com a definição tradicional de insulamento burocrático de Nunes, podemos entender que o Itamaraty se encontra incluído dentro desse processo de “proteção do núcleo técnico do Estado contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações intermediárias” (NUNES, 1997, p.34), com alta especialização técnica da burocracia e pouco espaço para demandas e interesses populares (NUNES, 1997).

Sobre esse assunto, Faria afirma que apenas os Ministérios militares seriam mais fechados a indicações e nomeações politicas, o que caracterizaria o forte insulamento do MRE e a grande estruturação da carreira e especificidade técnica necessária para exercer atividades de cunho diplomático no Brasil (FARIA, 2009).

Tendo em mente estes pressupostos teóricos, analisaremos a forma de admissão à carreira diplomática e outras formas de seleção praticadas em outros países, de modo a ter uma visão mais abrangente e melhor compreender as especificidades do caso brasileiro. Escolhemos 6 países aleatoriamente para comparar suas práticas e políticas de seleção de candidatos à carreira diplomática, sendo estes: África do Sul, Austrália, Costa Rica, Espanha, Estados Unidos da América, e México, além do Brasil, nosso principal objeto de analise. Os resultados de nossa pesquisa foram dispostos nas Tabelas 1 e 2, que se encontram no fim do texto.

Pudemos observar que cada um dos países possui um órgão responsável pela seleção, sendo que geralmente estes órgãos são os Ministérios das Relações Exteriores e Departamentos de Estados dos respectivos países. É possível notar também que somente o Brasil e o México possuem um Instituto especialmente designado para tal função, sendo no Brasil o Instituto Rio Branco, e no México o Instituto Matías Romero (Tabela 1).

O formato do processo seletivo também difere bastante, como podemos perceber na Tabela 2. Há diferentes tipos de formato, como provas escritas, orais, avaliações físicas e psicológicas, avaliação de currículo, entrevista e até mesmo dinâmicas de grupo.. É bastante interessante notar o formato do processo seletivo relacionando-o à existência ou não de um instituto especifico para seleção de diplomatas: é possível notar, por exemplo, que as exigências teóricas para avaliação no México e no Brasil, onde existem tais institutos, são bastante complexas em comparação a outros países. Enquanto no Brasil são cobradas 11 disciplinas (além de conhecimentos de atualidades e cultura geral) em 4 fases de provas escritas, na Austrália o processo se assemelha bem mais às seleções de empresas privadas, com avaliação de currículo, dinâmica de grupo e prova de redação feita on-line (Tabela 2).

Os Estados Unidos também têm um processo seletivo que parece razoavelmente fácil, se comparado aos outros, sendo que o candidato é mais avaliado por suas competências pessoais e por seu histórico do que propriamente por seu conhecimento técnico na área (Tabela 2). Podemos notar também a existência de provas orais ou entrevistas em todos os países, com exceção do Brasil, que aboliu essa prática em 2005, com o intuito de ter um processo seletivo mais idôneo, evitando práticas comuns por aqui como apadrinhamento e uso de relações pessoais para conseguir cargos.

A partir dos dados de nossa pesquisa comentados nos resultados e das considerações teóricas, podemos fazer algumas análises sobre a seleção de diplomatas para o governo brasileiro. Primeiramente, fica bastante claro que apesar de terem semelhanças, como é o caso do México e do Brasil, os processos seletivos para diplomatas nos países acabam divergindo entre si em determinado momento, refletindo que há uma real diferença entre os países no que tange às necessidades particulares para seleção, reflexo esse que vem da própria forma como se estrutura a carreira em cada país, do seu maior ou menor prestígio e procura pela população dessa carreira. Obviamente, processos seletivos mais simples, como os dos EUA e da Austrália, são indicadores de que a carreira não é tão disputada e bem vista como no Brasil, por exemplo.

Para o caso específico do Brasil, notamos uma alta complexidade e dificuldade nas provas do concurso, que é considerado um dos mais difíceis do país, ao mesmo tempo que há uma grande procura pela carreira. O alto grau de dificuldade das provas não se dá apenas pela necessidade de se selecionar corretamente entre tantos candidatos que se propõem a integrarem o corpo diplomático, nossa observação é de que a explicação vai além disso. Um fator que realmente interessa no caso do Brasil é o MRE se constituir como um núcleo representativo da burocracia insulada, o que se faz perceber pelo alto grau de conhecimento de seus burocratas, e que se reflete na alta qualidade técnica do IRBr, e por consequência, se reflete também no processo seletivo de diplomatas a cargo deste instituto.

Por outro lado, é importante observar que a carreira diplomática oferece salários iniciais muito convidativos, uma estruturação de carreira com plano bem definido de progressão (característica pouco comum às carreiras públicas brasileiras), possibilidade de mobilidade internacional, além de fatores mais subjetivos, como o prestígio e o poder de que essa carreira se acha revestida no imaginário popular.

Temos que considerar esses fatores mais subjetivos como algo bastante importante no processo de seleção, pois em países com forte visão de mercado, teremos processos seletivos para diplomatas menos concorridos e complexos, ao passo que no Brasil esse glamour que se criou no imaginário popular acerca da carreira, aliado a bons salários e à possibilidade de construção de uma carreira bem definida e estruturada tem levado milhares de brasileiros todos os anos ao Concurso de Admissão à Carreira Diplomática.

* Internacionalistas graduadas pela Faculdade Santa Marcelina e graduandas do curso de Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo.
Referências Bibliográficas

AUSTRALIAN Government. Department of Foreing Affairs and Trade. Disponível em: http://www.dfat.gov.au/jobs/ index.html. Acesso em: 05 de jun de 2011.

FARIA, C.A.. "O Itamaraty e a política externa brasileira: do insulamento à busca de coordenação dos atores governamentais e de cooperação com os agentes societários". Rio de Janeiro Campus (PUC-Rio), Rio de Janeiro, Brazil, Jul 22, 2009 Gobierno de Espanha. Ministerio de Asuntos Exteriores y de Cooperación. Disponível em:http://www.maec.es/es/MenuPpal/Ministerio/EscuelaDiplomatica/Accesoala
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. Acesso em: 07 de jun de 2011.

LONGO, Francisco. Mérito e flexibilidade: a gestão das pessoas no serviço público. São Paulo: Fundap, 2007.

MRE. Ministério das Rel. Exteriores. http://www.itamaraty.gov.br/ Acesso: 06 de jun de 2011.

Ministerio de Relaciones Exteriores. Republica de Costa Rica. Disponível em:http://www.rree.go.cr/?sec= ministerio&cat=acerca&cont=402. Acesso em: 07 de jun de 2011.

MOURA, Cristina Patriota de. 2007. O Instituto Rio Branco e a diplomacia brasileira. Um estudo de carreira e socialização. Rio de Janeiro: Editora FGV.

Republic of South Africa. Department of international relations and cooperation. Disponível em: <http://www.dfa.gov.za/employment/index.html>. Acesso em: 06 de jun de 2011.

SRE - Secretaría de Relaciones Exteriores. Disponível em:http://imr.sre.gob.mx/index.php?opt ion=com_ content&view=article&id=8&Itemid=19&limitstart=2. Acesso: 07 de jun de 2011.
U.S. DEPARTMENT OF STATE. Disponível em: http://careers.state.gov/ officer/selection-process?sms_ss=gmail&at_xt=4de6c581168f0928%2C0. Acesso em: 05 de jun de 2011.

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