A potência em ascensão da América do Sul está se afirmando; mas um
grande poder traz sempre grandes responsabilidades
DAVID ROTHKOPF, FOREIGN POLICY, É ANALISTA DO CARNEGIE ENDOWMENT
FOR INTERNATIONAL PEACE
Enquanto os Estados Unidos avançam de maneira hesitante para
aceitar a nova realidade multipolar do mundo, dando um passo atrás para cada
passo à frente, fazendo uma violação de soberania excepcional para cada esforço
de colaboração em lugares como a Líbia, outros países estão trabalhando
ativamente para estabelecer novas regras para todas as nações seguirem na nova
era.
Entre os que estão na linha de frente desse esforço, contam-se a
presidente brasileira, Dilma Rousseff, e seu respeitadíssimo chanceler, Antonio
Patriota.
O desafio que Dilma e Patriota enfrentam como servidores públicos
é assustador. Cada um deles segue as pegadas de um formidável antecessor.
O desafio de Dilma é, admitidamente, muito maior e, de fato, para
muitos, parece quase insuperável. Ela sucede a dois presidentes que foram,
provavelmente, os mais importantes da história moderna de seu país, Fernando
Henrique Cardoso, a quem é creditada a estabilização da economia brasileira
após anos de volatilidade, e seu antecessor imediato, Luiz Inácio Lula da
Silva, não somente seu mentor, mas um integrante do pequeno punhado dos líderes
mundiais mais importantes da última década.
Já o antecessor de Patriota, Celso Amorim, foi também formidável,
extremamente influente, e uma presença constante no cenário brasileiro e
internacional. O desafios eram grandes para todo o governo de Dilma.
No entanto, após um ano no cargo, e apesar de enfrentar grandes
desafios domésticos e internacionais, a presidente já alcançou um índice de
popularidade superior ao de Lula num ponto equiparável de seu mandato.
E Patriota está dando continuidade com calma, e aos olhos de
observadores próximos, com grande habilidade, ao trabalho desbravador de Amorim
para estabelecer o Brasil como um líder entre as grandes potencias mundiais.
“Temos uma grande vantagem”, observa Patriota. “Não temos inimigos
reais, nem lutas em nossas fronteiras, nem grandes rivais históricos ou
contemporâneos entre as fileiras das potências mais importantes… e temos laços
duradouros com muitas nações desenvolvidas e emergentes do mundo.” Essa é uma
condição que não é desfrutada por nenhum dos outros Bric – China, Índia e
Rússia – nem, aliás, por alguma grande potência tradicional do mundo. Essa
posição incomum é fortalecida ainda mais pelo fato de o Brasil não estar
investindo tão pesadamente quanto as outras potências ascendentes em capacidade
militar. Aliás, como observou Tom Shannon, o embaixador dos Estados Unidos no
Brasil, o país é um dos poucos a efetivamente apostar seu futuro na aplicação
sábia do chamado “poder brando” – diplomacia, alavancagem econômica, interesses
comuns.
Não é por coincidência, aliás, que, em áreas que vão das mudanças
climáticas ao comércio, da não proliferação nuclear ao desenvolvimento, o
Brasil, sob o comando de Lula e Amorim e de Dilma e Patriota, vem ganhando
força ao traduzir o crescimento consistente em casa e a diplomacia ativa no
exterior em redes internacionais efetivas.
Mas o governo de Dilma também está rompendo com o passado.
Enquanto Cardoso e Lula alcançaram a grandeza enfrentando e resolvendo alguns
dos problemas mais ruinosos do passado brasileiro, da estabilização da economia
ao enfrentamento da desigualdade social, Dilma, sem deixar de reconhecer o
trabalho que resta a ser feito, concentrou sua atenção também na criação de
oportunidades e num claro caminho para o futuro do Brasil. De seu foco em
educação a seu compromisso com ciência e tecnologia passando por programas
inovadores como “Ciência Sem Fronteiras”, ela está fazendo algo que nenhum
líder latino-americano fez anteriormente, mas que se mostrou uma fórmula
aprovada na Ásia.
Está comprometida em transformar o Brasil de economia baseada em
recursos naturais e, portanto, dependente (o que significa dizer, vulnerável) a
uma que conta mais para o crescimento futuro com as indústrias de valor
agregado, a pesquisa e desenvolvimento, e a formação de mais cientistas e
engenheiros.
Com base nisso, Patriota também está olhando para frente. Ele está
indo além da era da política externa brasileira em que era inovador fazer o
país olhar para fora de sua região e jogar um papel ativo nos assuntos globais,
para um período, num futuro não muito distante, em que o Brasil, na condição de
país com uma das cinco maiores economias e populações do mundo, de líder
mundial em agronegócios e energia, assumirá sem hesitação que merece seu lugar
à mesa.
Patriota esteve em Nova York por achar que um dos primeiros
experimentos dessa era, a intervenção na Líbia sancionada pela ONU, saiu dos
trilhos quando a missão autorizada pelas Nações Unidas de proteger o povo líbio
foi deixada de lado pelas forças internacionais que intervieram tornando-se
antes uma missão de mudança de regime. Ele não era nenhum admirador de Muamar
Kadafi, que fique claro. Mas tem o sentimento inabalável de que, para a
comunidade internacional operar de fato unida, ela precisa fazê-lo sob regras
não só coletivamente estabelecidas, mas também coletivamente honradas.
Essa atitude provoca irritações, com certeza, em especial em
países como os Estados Unidos que estão acostumados a operar segundo suas
próprias regras. Essa é uma razão porque a iniciativa turco-brasileira de 2010
para costurar um acordo para desarmar a crise nuclear iraniana foi tão
irritante para Washington. A medida, por mais ingênua que tenha parecido para
alguns, antecipou o início de uma era em que potências regionais e emergentes,
como Turquia com Síria ou China com Irã, são fundamentais para se alcançar os
objetivos da comunidade internacional.
Patriota reconhece que os Estados Unidos, sob o comando de Barack
Obama, e outras potências estabelecidas avançaram bastante para se adaptar a
essa nova realidade. Dito isso, ele gostaria de ver Obama avançar mais. Por
exemplo, os brasileiros estão entre as potências emergentes que pressionam por
reformas reais na maneira como as instituições internacionais são conduzidas.
Eles acham que a ordem pós-2.ª Guerra refletida na estrutura de poder do
Conselho de Segurança da ONU e na concessão automática da liderança do Banco
Mundial a um americano está obsoleta e que já é hora de alguma coisa que
reflita as realidades do século 21 e seja mais consistente com os princípios
democráticos sobre os quais essas instituições foram estabelecidas.
É difícil discordar dos brasileiros ou de outros sobre esses
pontos. E a inconsistência mostrada pelo governo Obama nessa frente –
oferecendo apoio a uma participação permanente indiana, mas não brasileira, no
Conselho de Segurança, em certo momento parecendo simpático a uma abertura do
principal cargo no Banco Mundial a um não americano, mais recentemente
parecendo recuar dessa ideia – tem sido irritante e, eu diria, irrefletida.
O que Dilma e Patriota estão tentando fazer na frente
internacional é, de fato, tão revolucionário quanto o que seus antecessores
fizeram.
Eles compreendem que um multilateralismo bem-sucedido agora requer
não só maior número de países, mas abertura a uma multidão de ideias.
Durante a Guerra Fria, o debate era binário: soviéticos ou
americanos.
Em sua esteira houve a breve ilusão de que havíamos entrado num
momento de fim da História em que uma filosofia de mercados e democracia
liderada pelo Consenso de Washington adquiria uma espécie de status de
monopólio no mercado das ideias. Mas depois vieram as tragédias gêmeas, frutos
da arrogância, do Iraque e da crise financeira de 2008, a simultânea ascensão
de novas potências como Brasil, China, Índia e outros – e entramos em uma nova
era. Em meu livro, Power, Inc., eu me refiro ao lado econômico dessa era como
um período de capitalismos concorrentes. Mas ele é também um período de
filosofias políticas concorrentes sobre o papel, tanto do Estado, como das
instituições internacionais. Nesse mundo, não só os Estados Unidos são apenas
uma voz, mas são também uma voz enfraquecida que em cada evento será ouvida
como a mera visão de menos de 5% da população do planeta. Ao mesmo tempo,
outros terão de preencher o vazio criado pelo redimensionamento da influência
americana. O Brasil está tentando fazê-lo e, é preciso notar, de uma maneira
consideravelmente mais construtiva que a evidenciada por China e Rússia em seu
desempenho pusilânime com respeito à Síria no Conselho de Segurança. Dito isso,
as potências emergentes, o Brasil entre elas, precisam reconhecer que, neste
novo mundo, se pretendem jogar papéis maiores, elas também terão de fazer
escolhas duras e não simplesmente desconsiderar as questões complexas como
problemas alheios ou fora do alcance do sistema internacional em evolução. Elas
vão ter de aceitar cada vez mais que se as injustiças não forem contidas, os
custos resultantes serão largados em suas portas.
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