quarta-feira, 7 de março de 2012

Empresários e executivos podem aprender com estratégias militares

A globalização reduziu fronteiras, ditou transformações, revisou tendências, quebrou paradigmas e impôs uma verdadeira “guerra” no mercado. A Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) apurou os efeitos destes “combates”, transformando-os em diferenciais de competitividade e reunindo-os em um curso que vai até 6 de dezembro

Por Wagner Belmonte

Alvo, foco, tática e defesa territorial (ou do mercado em que se atua) são expressões comuns na rotina empresarial. Estes termos, importados dos campos de batalha, integraram-se ao dia-a-dia das grandes companhias e chegaram de fato às linhas de produção.

Os conceitos que respaldam essa analogia estão tão vivos no mundo dos negócios que as estratégias militares parecem cada vez mais incorporadas às empresariais.

Atualmente, empresários e gestores devem enxergar o mercado e seus concorrentes como combatentes em uma guerra. Segundo o comandante da 11ª.  Brigada de Infantaria Leve da GLO (Garantia de Lei e Ordem), General Antônio Luiz da Costa Burgos, a concorrência às vezes é tão intensa que se assemelha à de uma guerra. “Quando você ensina a um aluno uma estratégia de guerra, normalmente, você define os objetivos”, declara o comandante que irá ministrar, com outros militares, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), um curso sobre as estratégias militares no ambiente empresarial.

Aspectos comuns ao dia-a-dia dos militares são corriqueiros nas empresas.  A logística, fator fundamental para o sucesso dos negócios, está relacionada à necessidade de movimentar rapidamente tropas e transportar materiais para distantes frentes de batalha. É exatamente este conceito que o curso pretende discutir. De acordo com Burgos, o empresário precisa saber pensar grande, identificar cenários positivos e negativos, o que, segundo ele, é fundamental para um militar. “No entanto, como numa guerra, é preciso estar atento aos movimentos do ‘inimigo’ e ter cautela para não perder território”, argumenta.

Durante o curso, os empresários terão aulas teóricas e práticas que envolverão de fundamentos de ciências políticas e aspectos da conjuntura nacional a uma viagem de uma semana à selva Amazônia. “Os alunos perceberão as dificuldades da região”, explica o general, idealizador e um dos responsáveis pelo curso.

Segundo ele, é necessário que o empresário tenha uma visão ampla dos negócios, o que implica analisar todos os aspectos da estratégia. Ele afirma que muitos gestores, quando abrem os seus negócios, não têm consciência da importância da estratégia no mundo corporativo, tanto internamente quanto do ponto de vista externo. “Metade das empresas quer ir para fora, mas muitas delas não têm mecanismos e não sabem como chegar nesses caminhos para atingir os objetivos”, esclarece Burgos. Ele acredita que os empresários têm muito a aprender com os militares. “A tática militar ensina o empresário a ter conhecimento suficiente para não estranhar o mercado e não ser surpreendido”, justifica.

PERFIL - O comandante Antônio Luiz da Costa Burgos é formado pela Academia Militar das Agulhas Negras, atuou como Tenente-Coronel e foi Chefe do Grupo de Oficiais Brasileiros que trabalhou em uma Missão de Paz, a serviço da Organização das Nações Unidas (ONU). Comandou o 16o. Batalhão de Infantaria Motorizado, em Natal, no Rio Grande do Norte. É Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Foi Chefe da Assessoria Parlamentar do Exército junto ao Congresso Nacional, em Brasília. Chefiou também a Comissão do Exército Brasileiro em Washington, nos Estados Unidos. Em 2004 e 2005 comandou a 11a. Brigada de Infantaria Blindada, em Campinas e a 2a. Divisão de Exército de São Paulo. Atualmente, é Coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da FAAP, Diretor do Departamento da Indústria de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e consultor.

Manager – Qual a finalidade quando se criou a Garantia de Lei e Ordem (GLO)?

Antônio Luiz da Costa Burgos - O Exército criou, há uns três anos, uma Garantia da Lei e Ordem. A idéia era que nós tivéssemos uma tropa em condições de atuar em qualquer parte do Brasil, para atuar em eventuais conflitos urbanos com munição não letal.

Manager - Há empresários que realmente vêem o concorrente como um inimigo de guerra?

Burgos - A concorrência, às vezes, realmente é muito forte e muito grande, assemelha-se a uma guerra. Há mais de 2.500 anos, Sun Tzu, general do exército chinês, foi um dos primeiros a falar de estratégia militar. Ele sempre raciocinava sobre a estratégia. Quando você monta o seu negócio, a sua empresa, é preciso verificar a concorrência, o meio ambiente, o cenário, o nicho de mercado e essa foi a idéia que nos inspirou a dar origem a esse curso. Até que ponto os gestores poderiam tirar alguma coisa da estratégia essencialmente militar e jogar ou usar numa estratégia empresarial. São necessárias ferramentas para que o empresariado possa desenvolver a sua “guerra”, a sua venda, o lançamento de produto no mercado, que hoje, como todos sabem, é altamente competitivo e não tem muita margem de tolerância com erros de estratégias. Acho que é por isso que existe essa conotação de guerra, de inimigo, etc. Na verdade, há um movimento muito grande de marketing e administração neste sentido. Você precisa desenvolver toda a estratégia da empresa para atingir o objetivo.

Manager - O que os militares podem ensinar aos gestores, já que essa é a grande proposta do curso?

Burgos - Quando você ensina a um aluno estratégia de guerra, normalmente, você traça os objetivos - o que se quer da empresa. Você tem que saber definir esses objetivos. Você, como empresário, poderia chegar lá? Como? A empresa pode criar uma espécie de política dentro dela. As perguntas que eu poderia fazer são as seguintes: se eu quero uma empresa, se eu montei uma empresa, o que eu quero daqui a seis meses? E daqui a um ano? Quando novos empresários abrem ou tentam abrir negócios, nem sempre são estrategistas.

Manager - O senhor acha adequado que os empresários enxerguem a concorrência como um inimigo de guerra?

Burgos – Sim, existem empresários que já fazem isso declaradamente. Se for ensinar a guerrear, vamos dar instrumentos para que você possa chegar ao objetivo traçado. Você é quem deve fazer o seu caminho. Uma parte que acho fundamental é a da geopolítica, que também estará no curso. Por exemplo, eu tenho uma empresa e quero me estabelecer na Europa. Onde devo me estabelecer para que eu possa crescer? Que tipo de produto posso levar para essa região? Esse lema de mercado atual, de vencer o “inimigo”, é fundamental. Um exemplo típico são os produtos para mulheres: você vai pegar um biquíni brasileiro de boa qualidade e levar para o Japão ou para os Estados Unidos, e você acha que esse produto terá um bom volume de vendas? Se eu vou para algum país, preciso conhecer a cultura local. Como fazer isso? Temos que ter estrutura suficiente para pensar em questões cujo aspecto seja macro.

Manager - Qual é o target? Quem vocês esperam ter no curso?

Burgos - Buscamos empresários que pensam grande. Um empresário que pensa grande nele, na empresa e no Brasil. Metade das empresas quer ir para fora, mas não têm mecanismos e não sabem como chegar a esses caminhos para atingir os objetivos. O nosso curso está dividido em duas partes fundamentais: uma parte são esses conceitos fundamentais e outra envolve a conjuntura.

Manager – Uma das disciplinas do curso é contra-inteligência. Qual o conteúdo, o programa para essa matéria?

Burgos - No lado militar, é o seguinte: preciso conhecer o inimigo para montar a minha estratégia. Essa técnica de conhecer bem o seu inimigo é mais ou menos o seguinte: se vou atacar, preciso saber que arma ele tem, onde está instalado, que tipo de apoio tem. Se for concorrer em um mercado altamente agressivo, preciso saber quais são os concorrentes, que tipo de produto o público quer. Eu preciso conhecer a estratégia do concorrente para poder traçar a minha.

Manager - Qual é então o principal objetivo do curso?

Burgos - Criar na mentalidade do empresário brasileiro essas noções todas, ou seja, dar elementos para que ele possa ir para o mercado externo, que é o futuro do Brasil. O Brasil é hoje um país que requer muita estrutura. Não adianta produzir em Mato Grosso e não ter como trazer o que eu produzo para São Paulo. Não adianta pensar em exportar para a China ou para qualquer outro lugar se não há estrutura portuária para isso. É esse despertar de consciência que queremos gerar.

Manager - Como será a triagem para a escolha dos alunos?

Burgos - Será uma espécie de conversa com os candidatos. Nós queremos que o empresariado aprenda algumas regras que ele não tenha tido acesso para usar na sua empresa, no seu negócio. 

Manager - O que os executivos mais têm a aprender com a chamada tática militar?

Burgos - Ter conhecimento suficiente para não estranhar o mercado e não ter surpresas, não ser surpreendido. Existem casos de empresas brasileiras que vão lá fora, se dão mal e voltam sem fazer uma avaliação completa do que ocorreu. Vou fazer o que para exportar, para ter vendas e receptividade no mercado externo? Por exemplo, se uma organização quer entrar no mercado norte-americano, deve pegar um produto brasileiro, um produto xis e questionar se esse produto será bem aceito nos Estados Unidos. Talvez, se esse produto não for suficientemente bem aceito, o interessante tivesse sido pensar em montar um fábrica, ter produção local. Pense no que é uma base militar. Você tem um objetivo, e isso é primordial, decisivo. Se vamos atacar por aqui para chegar daquele lado, além do caminho que vamos percorrer, é preciso ver se tem pontes, se tem rios, montanhas, é preciso saber se o inimigo está mais forte ou não, qual a reação que ele poderá ter. O estudo militar sempre leva em conta tudo isso, todas essas variáveis.

Manager - O que diferencia a estratégia militar de uma estratégia estritamente corporativa pode ser o fato de que os militares costumam ser mais cautelosos e detalhistas, no sentido de observar os pontos em que existe maior vulnerabilidade?  

Burgos – Esse raciocínio é pertinente porque correr riscos nunca é bom. É preciso que o empreendedor saiba até que ponto ele pode correr risco.

Manager - As empresas brasileiras calculam menos os riscos do que as companhias americanas ou européias?

Burgos - A empresa brasileira é tímida. Talvez por, muitas vezes, não conhecer suficientemente os mercados externos. É preciso criar um clima propício pelo qual o empresariado possa viver “aventuras”, descobrir novos focos, conquistar novos mercados.

Manager - Esse curso, que vai até o fim do ano, é dividido em duas fases. Quais são elas?

Burgos - A primeira fase, chamada de básica, é a instrumentação com conceitos de estratégia, logística, teoria. Na segunda fase vamos querer que você use isso. Vamos trabalhar com conjuntura, ou seja, o que está acontecendo hoje na Europa, nos Estados Unidos, na área política, na área econômica. O que nos interessa é pensar como podemos ampliar e ganhar novo mercado. A idéia é que se você tiver um suporte, um banco de desenvolvimento econômico para ajudar, pode-se pensar em vender e haverá uma linha de financiamento. Não há, no Brasil, uma política deliberada de apoiar o empresariado a fundo. Isso deve ocorrer urgentemente para que possamos sair de peito aberto, mas com cautela.

Manager - E os alunos serão avaliados com essas duas prerrogativas?

Burgos - Sim.Eles farão monografias. O professor tem a liberdade para aplicar testes escritos ou orais. Eles serão avaliados em quatro aspectos: impresso, rendimento, os testes aplicados pelos professores e a monografia. A idéia é a seguinte: ninguém quer um executivo sentado à mesa. 

Manager - Qual o perfil dos professores que vão lecionar no curso?

Burgos - Alguns são empresários, mas se você observar a maioria são militares, da Aeronáutica, da Marinha, do Exército e alguns são embaixadores. A idéia era reunir as melhores cabeças para fazer um curso realmente de alto nível.

Manager - No meio do ano, os alunos terão que fazer uma viagem à Amazônia para aplicar os conceitos aprendidos. Como será essa atividade?

 Burgos - Vamos abrir uma janela em julho para que a pessoa possa partir de São Paulo, percorrer algumas áreas da Amazônia, Manaus, Boa Vista e Porto Velho até para criar um “espírito aventureiro” e de sobrevivência. Para que ele, aluno, possa conhecer realmente a Amazônia. Para que ele conheça também as dificuldades de se viver na selva da Amazônia.   

Manager – Essa viagem tem a finalidade de aproximar o aluno da verdadeira estratégia militar?

Burgos – Isso. E também conhecer o dia-a-dia. Quando ele visitar, vai saber e vivenciar as dificuldades que cada um tem e poderá propor soluções.

Manager - Inteligência militar e logística podem colaborar com o resultado da empresa? De que forma?

Burgos – Hoje, todo produto brasileiro tem de “caminhar” quantas mil milhas para chegar aos portos dos Estados Unidos, da Europa, da Ásia? A logística é fundamental para qualquer empresa que se proponha a exportar. Você tem toda uma estrutura, um mecanismo. Então a logística pode ajudar ou atrapalhar. Você não pode criar mecanismos que dificultem essa operação.

Manager - Há mais de 2.500 anos, Sun Tzu, general do exército chinês, já pregava que o ponto nevrálgico da estratégia é a informação. Já Clausewitz, general prussiano, e prisioneiro das guerras napoleônicas, dizia que era preciso quebrar as regras, trabalhar de forma não acadêmica, jamais seguir estritamente os livros. Quem está mais atual e quem deve ser mais inspirador para os empresários brasileiros hoje?

Burgos – Ambos foram grandes pensadores da estratégia, começando por Sun Tzu. Tudo que existe hoje de estratégia empresarial deve-se, de certa forma, a esses dois nomes. O legado de ambos ensinou para as empresas que elas realmente devem trabalhar em todas as áreas com uma grande preocupação ética, de fazer as coisas certas. Não se deve, por exemplo, jogar solvente na gasolina para vender mais. Trabalhando corretamente os novos campos são abertos. Esse modelo de esperteza à brasileira está com os dias contados.

Manager - Como motivar os exércitos e como o mundo corporativo e os departamentos de recursos humanos podem fazê-lo?

Burgos - Uma das coisas fundamentais é a preparação. Então, qual foi o foco do Exército nos tempos de vacas magras? Se não há dinheiro, não há investimento, não há arma nova, então você não teria muita motivação. Mas o enfoque dado foi o seguinte: acreditar na tropa. Então, a idéia que o empresário poderia ter na área de Recursos Humanos é essa: não deixar de investir no seu trabalhador. É ele quem dá retorno da melhor maneira possível. E isso significa investir em cursos, em treinamento. Isso cria uma motivação, um ambiente que motiva. Se eu proporcionar ao meu empregado uma série de cursos, isso fará parte de elementos motivadores que trazem grande resultado na batalha.


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