domingo, 25 de dezembro de 2011

A rotação pacífica de Obama

Por Joseph Nye



O retorno da Ásia ao centro das questões mundiais é a grande deslocação de poder do século XXI. Em 1750, a Ásia tinha cerca de três quintos da população mundial e respondia por três quintos da produção global. Em 1900, depois da Revolução Industrial na Europa e na América, a parte Asiática na produção global tinha encolhido para um quinto. Em 2050, a Ásia terá certamente voltado à posição que ocupava 300 anos antes.
Mas, em vez de se manterem alerta a essa situação, os Estados Unidos desperdiçaram a primeira década deste século atolados em guerras no Iraque e no Afeganistão. Agora, como a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, referiu num discurso recente, a política externa norte-americana “rodará” para a Ásia Oriental.

A decisão do Presidente Barack Obama de destacar 2500 fuzileiros para uma base na Austrália setentrional é um sinal precoce dessa rotação. Adicionalmente, a reunião em Novembro da Cooperação Económica Ásia-Pacífico, realizada no Havai, estado natal de Obama, promoveu um novo conjunto de rondas comerciais denominado Parceria Trans-Pacífica. Ambos os eventos reforçam a mensagem de Obama para a região Ásia-Pacífico de que os EUA tencionam permanecer uma potência comprometida.

A rotação para a Ásia não significa que outras partes do mundo já não sejam importantes; pelo contrário, a Europa, por exemplo, tem uma economia muito maior e mais rica que a China. Mas, como o conselheiro nacional para a segurança de Obama, Tom Donilon, explicou recentemente, a política externa dos EUA nos últimos anos tem sido condicionada pelas guerras no Iraque e no Afeganistão, por preocupações sobre o terrorismo, por ameaças de proliferação nuclear no Irão e na Coreia do Norte, e pelas recentes revoltas árabes. A viagem de Obama em Novembro à Ásia foi um esforço para alinhar as prioridades de política externa dos EUA com a importância que a região terá no longo prazo.

Nas palavras de Donilon, “elevando esta dinâmica região a uma das nossas prioridades estratégicas principais, Obama está a demonstrar a sua determinação de não deixar o nosso navio de estado ser desviado do seu curso por crises rotineiras”. A administração Obama anunciou também: “vamos garantir que protegeremos as capacidades que necessitamos para manter a nossa presença na [região] Ásia-Pacífico”. Qualquer que seja o resultado dos debates sobre o orçamento da defesa.

A viagem de Obama em Novembro foi também uma mensagem para a China. Depois da crise financeira de 2008, muitos chineses exprimiram a crença errónea de que os EUA estavam em declínio terminal e que a China deveria ser mais assertiva – particularmente na perseguição das suas exigências marítimas no sul do Mar da China – às custas dos aliados e dos amigos da América. Durante o primeiro ano da presidência de Obama, a sua administração colocou uma alta prioridade na cooperação com a China, mas os líderes chineses pareceram interpretar erradamente a política dos EUA como um sinal de fraqueza.

A administração tomou uma atitude mais forte quando Clinton abordou a questão do sul do Mar da China na reunião das Associação das Nações do Sudoeste Asiático em Hanói em Julho de 2010. A subsequente visita oficial do Presidente Chinês Hu Jintao a Washington em Janeiro de 2011 foi bem-sucedida, mas muitos editorialistas chineses queixaram-se de que os EUA estavam a tentar “conter” a China e impedir a sua ascensão pacífica.

Os receios da China sobre uma suposta política de contenção por parte dos EUA estão novamente a subir, agora que Clinton insiste que as disputas marítimas do país com os seus vizinhos façam parte da agenda na Cimeira da Ásia Oriental do próximo ano em Manila, em que estarão presentes Obama, Hu Jintao e outros líderes regionais.

Mas a política norte-americana relativamente à China é diferente da contenção feita na Guerra Fria ao bloco soviético. Enquanto os EUA e a União Soviética tinham comércio e contacto social limitados, os EUA são o maior mercado ultramarino da China, apoiaram e facilitaram a entrada da China na Organização Internacional do Comércio e abrem os portões das suas universidades a 125 mil estudantes chineses todos os anos. Se a política actual dos EUA relativamente à China é, supostamente, de contenção como na Guerra Fria, parece insolitamente calorosa.

East Asia Strategy Review do Pentágono, que guia a política norte-americana desde 1995, ofereceu à China integração no sistema internacional através do comércio e de programas de intercâmbio. Embora os EUA tenham protegido a sua aposta fortalecendo simultaneamente a sua aliança com o Japão, isto não significa contenção. Afinal, os líderes da China não podem prever as intenções dos seus sucessores. Os EUA estão a apostar que serão pacíficos, mas ninguém sabe. Uma protecção exprime cautela e não agressão.As forças militares norte-americanas não aspiram a “conter” a China à maneira da Guerra Fria, mas podem ajudam a moldar o ambiente em que os futuros líderes chineses farão as suas escolhas. Repito o meu testemunho perante o Congresso dos EUA de 1995 em resposta àqueles que, mesmo então, preferiam uma política de contenção em vez do compromisso: “Só a China pode conter a China.”

Se a China se tornar num brutamontes na região Ásia-Pacífico, outros países se juntarão aos EUA para a confrontar. Na verdade, foi por isso que muitos dos vizinhos da China fortaleceram os seus laços com os EUA desde 2008, quando a política externa chinesa se tornou mais assertiva. Mas a última coisa que os EUA querem é uma II Guerra Fria na Ásia.

Independentemente das posições competitivas dos dois lados, a cooperação sino-americana beneficiará ambos os países em assuntos como o comércio, a estabilidade financeira, a segurança energética, a mudança climática e as pandemias. O resto da região colherá daí frutos, também. A rotação da administração Obama para a Ásia assinala o reconhecimento do grande potencial da região, não um apelo vibrante à contenção.

Tradução de António Chagas/Project Syndicate

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