quarta-feira, 4 de maio de 2011

Os primeiros passos de Dilma e Patriota na condução da política externa brasileira, por Ariane Cristine Roder Figueira

As propostas do Partido dos Trabalhadores no que diz respeito à política externa brasileira vêm sofrendo alterações ao longo dos anos, partindo de um formato mais radical, vinculado aos preceitos socialistas e revolucionários, para uma versão mais moderada e reformadora, que assume os fundamentos capitalistas, buscando fazer uso da lógica de mercado para promoção da agenda social.

No lançamento da candidatura de Lula nas eleições presidenciais de 1989, as diretrizes do partido para esta área eram: o apoio ao socialismo mundial, a ampliação dos laços diplomáticos brasileiro, maior autonomia de ação, aumento do espaço de atuação do país na cena internacional e o não pagamento da dívida externa, além das críticas direcionadas ao modelo econômico vigente e à submissão do país aos ditames imperais dos Estados Unidos. Com a derrota nas urnas e as mudanças estruturais ocorridas no cenário internacional pós-Guerra Fria, com a vitória do capitalismo e o colapso do comunismo, houve a adoção de um tom mais moderado nos discursos da campanha de 1994.

Algumas expressões que de forma recorrente estavam presentes anteriormente, tais como ações anti-imperialistas e defesa ao socialismo, foram substituídas e, aos poucos, ganharam novas roupagens. A defesa agora era pelos direitos humanos, pelo meio ambiente, pela democracia e pela maior democratização dos centros de decisões internacionais, ou seja, uma modificação na distribuição das forças e atribuições de papéis mais assertivos aos países em desenvolvimento. Mas, ainda mantinha críticas sobre a submissão brasileira ao Fundo Monetário Internacional (FMI), ao bloqueio econômico de Cuba e à possível adesão brasileira à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Em 2002, o candidato Lula conseguiu ser eleito. As propostas no campo da política externa durante essa campanha enfatizavam: a necessidade de dar destaque a cooperação Sul-Sul, chamando a atenção para uma possível mudança na geografia econômica mundial; a defesa para o Brasil ocupar uma vaga permanente no Conselho de Segurança; a manutenção da autonomia em detrimento de alianças preferências; um revigoramento do Mercosul, que passara por crises, e a proposta de criar uma Comunidade Sul-Americana das Nações. Embora de forma mais sutil, as propostas visavam realocar o Brasil na cena internacional e regional, destacando-se como interlocutor dos interesses diversos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Objetivou-se também afastar a influência dos Estados Unidos da região e atribuir destaque as novas parcerias com países em desenvolvimento, sem, no entanto, abandonar as tradicionais relações diplomáticas. Cristina Pecequilo (2008) chama a atenção para esta característica do governo Lula que passa a combinar os eixos vertical e horizontal nas ações diplomáticas.

Essas mudanças no tom atribuído pelo partido em questões relativas à política externa (assim também como em outros temas de política doméstica) foram observadas nas ações adotadas pelo país durante os dois mandatos presidenciais de Lula. Mas algumas questões consideradas como polêmicas pela oposição foram apresentadas em de forma crítica durante as campanhas eleitorais de 2010, em que Dilma, candidata do Partido, respondeu. Defendeu os princípios da não intervenção e da autodeterminação dos povos, além de destacar a opção pela negociação em detrimento do uso de instrumentos coercitivos, expressando claramente sua postura contrária à atuação dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão e a oposição do Brasil ao regime de sanções atribuídas ao Irã pelo Conselho de Segurança. Explicou ainda atuação comedida do Brasil em relação à nacionalização do gás pela Bolívia como uma postura respeitosa à soberania do país.

Enfatizou a necessidade de dar continuidade a política externa do governo Lula, apostando na cooperação Sul-Sul, priorizando a integração sul-americana, bem como atuando no sentido de buscar uma estrutura mais representativa e democrática no âmbito da ONU e, em especial, no Conselho de Segurança. Destacou também que perseguiria no campo da política externa a promoção da paz mundial, a redução dos armamentos e o multilateralismo em detrimento de ações unilaterais.

Acrescentou como objetivo prioritário a defesa dos direitos humanos, presentes em dez pontos centrais pronunciados durante o seminário “Direitos Humanos e Política Externa” ocorrido em meados de 2010. Dentre esses compromissos destacam-se a promessa sobre adesão e implementação dos instrumentos regionais e mundiais de direitos humanos bem como o encaminhamento dos relatórios nos prazos pré-estipulados; dar primazia aos direitos humanos nas agendas bi e multilateral em detrimento de outros interesses; utilizar a capacidade de diálogo e trânsito internacional brasileiro para promover a questão e, por fim, democratizar a política externa, criando maiores instâncias de diálogo formal entre governo e sociedade civil para o debate público das questões em destaque.

A aplicabilidade desses preceitos anunciados ainda durante a campanha presidencial já vem ocorrendo no primeiro trimestre de seu governo. Um exemplo foi o voto brasileiro favorável no âmbito da ONU para investigações sobre supostas violações de direitos humanos no Irã e a condenação do apredrejamento da Sakineh Ashtiani. Essa situação havia sido evitada durante a última gestão do governo Lula devido ao estreitamento de laços diplomáticos ocorridos com este país. Este, portanto, é o primeiro sinal de inflexão demonstrada pela política externa do novo governo.

Outro ponto que vem chamando a atenção de diversos analistas políticos é tentativa do novo governo de estabelecer relações mais amistosas com os Estados Unidos, o que não significa o abandono do paradigma autonomista, mas um novo cálculo estratégico sobre as vantagens de se ter a potência mundial bem próxima politicamente. A visita do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ao Brasil ainda no primeiro trimestre do mandato Dilma assinando inúmeros instrumentos diplomáticos de cooperação nas áreas de educação, esporte, transportes, economia e segurança expressa esse novo fôlego das relações bilaterais.

Mas, os compromissos com a autonomia e o pragmatismo na ação externa brasileira foram mantidos. Nos primeiros encontros ministeriais de Patriota, atual Ministro das Relações Exteriores do Brasil, é possível observar a diversidade de parceiros que se busca estreitar relações, dentre eles estão: Armênia, Cabo Verde, Argentina, Paraguai, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Haiti, Estados Unidos, China, Catar, Índia, Siri Lanka, Zâmbia, Bolívia, Chile, Portugal, França, Timor leste, Dinamarca, Reino Unido, Costa Rica e Noruega. Além disso, a presidenta Dilma visitou pessoalmente Argentina, Portugal e China, sinalizando a importância desses parceiros seja no campo regional, seja entre os países de língua portuguesa, seja entre os BRICS.

Portanto, as ações presentes neste primeiro trimestre associadas aos discursos expressos ainda durante a campanha presidencial sinalizam a manutenção dos objetivos centrais da política externa, mas com mudança no tom, agora menos radical. Além disso, revela uma postura intermediária, nem de afastamento total da idéia de liderança terceiro mundista, nem de desconforto com as potências, mas de consolidação de papel do país como economia emergente, o que faria parecer natural em médio prazo sua liderança como representante regional nas instâncias multilaterais globais. Para isso, a superação da não adesão argentina a proposta do Brasil, juntamente com Alemanha, Japão e Índia (G-4) de reforma do Conselho de Segurança segue como desafio, já que é um tema que tem gerado divergência na região e pode impactar indiretamente nos interesses de avanço do bloco que integra esses países, (MERCOSUL). Com isso, aos poucos, a partir de uma postura mais gerencial, menos populista, mais racional e menos ideológica, Dilma começa a orquestrar a política externa brasileira dessa nova década de forma menos personalista e mais focada nos resultados.

Bibliografia Consultada
ALMEIDA, Paulo Roberto de. (2003) A política internacional do Partido dos Trabalhadores: da fundação do partido à diplomacia do governo Lula. Sociologia e Política. Curitiba, n. 20, Junho.

ALMEIDA, P. (2005) Uma nova ‘arquitetura’ diplomática? – Interpretações divergentes sobre a política externa do governo Lula (2003-2006). Revista Brasileira de Política Internacional, 49 (1): 95-116.

LIMA, M. R. S. (2005) A política externa brasileira e os desafios da cooperação Sul-Sul. Revista Brasileira de Política Internacional, 48 (1): 24-59.

Lima, Maria Regina Soares de (2006). Decisões e Indecisões: um balanço da política externa do primeiro governo do presidente Lula. Rio de Janeiro, Observatório de Política Sul-Americana/Iuperj.

PECEQUILO, C.(2008) A Política Externa do Brasil no Século XXI: Os Eixos Combinados de Cooperação Horizontal e Vertical. Revista Brasileira de Política Internacional, 51 (2): 136-153.

Sites Consultados

www.mre.gov.br
www.presidencia.gov.br
www.pt.org.br
www.dilma.com.br/site/

Ariane Cristine Roder Figueira é Professora e Pesquisadora da UFRJ (arianeroder@gmail.com)

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