sábado, 4 de dezembro de 2010

A GUERRA IRREGULAR MODERNA DE FRIEDRICH AUGUST VON DER HEYDTE

A GUERRA IRREGULAR MODERNA DE FRIEDRICH AUGUST VON DER HEYDTE

Resenha do livro: VON DER HEYDTE, Friedrich august A Guerra Irregular Moderna, Rio de Janeiro. BIBLIEX 1990.

Por: Luiz Fernando Ramos

especialista em história e culturas políticas pela Universidade Federal de Minas Gerais-UFMG

“Não há dúvida de que a vitória ou a derrota na guerra são determinadas principalmente pelas condições militares, políticas, econômicas e naturais em que se encontram ambas as partes. Mas isso não é tudo; o resultado da guerra é igualmente determinado pela capacidade subjetiva de cada parte na condução da guerra”.

Mao Tsé-Tung

Guerra de Guerrilhas, Guerra Insurrecional, Guerra Revolucionária, Guerra Irregular, Conflito de Baixa Intensidade,Terrorismo. São denominações dadas a uma modalidade de conflito que se caracteriza pelo enfrentamento de um exército regular, - isto é uma força armada de um estado constituído que juridicamente possui o monopólio da força - contra uma formação de combatentes com armamento inferior ao das forças oficiais, que age movidos por uma ideologia, por um sentimento de identificação ou pertencimento a uma determinada região, ou como forma de resistência a uma ocupação (ou colonização) consideradas ilegítimas, ou ainda como intimidação, coerção e como forma de desestabilizar governos e descreditar as autoridades constituídas diante da população.


Essa forma de conflito com objetivo de resistência contra ocupantes estrangeiros está presente desde o século XIX, na Rússia e na Península Ibérica contra a ocupação napoleônica, nos processos de emancipação das colônias da Hispano-América, na resistência contra os russos no Cáucaso, nas guerras balcânicas do início do século XX e na resistência contra a ocupação nazi-fascista, França, Iugoslávia e regiões do leste europeu. Com a Guerra Fria e os processos de descolonização afro-asiáticos, os grupos da esquerda revolucionária na América Latina e até na Europa, colocaram essa forma de enfrentamento armado em maior evidencia.


A segunda metade do século XX foi rica em movimentos armados, ocorreram em todos os continentes, as motivações para o surgimento de tantos grupos armados, são as mais diversas. Os motivos são sobretudo políticos, emancipação no caso de colônias europeias na África e na Ásia por exemplo Argélia, Angola, Moçambique e Vietnã. Tomada do poder do Estado no caso das guerrilhas de esquerda da América Latina influenciadas pelo castro-guevarismo e pelo maoismo, por exemplo o ELN (Ejercito de Liberación Nacional) e as FARC (Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia) na Colômbia, o Sendero Luminoso no Peru, o EGP (Ejercito Guerrillero de los Pobres) e a ORPA (Organización Revolucionaria del Pueblo en Armas) na Guatemala e outras dezenas de organizações espalhadas pelo continente. Na África as diversas forças guerrilheiras resistiam contra o que restava do colonialismo europeu. Na Ásia e no Oriente Médio os movimentos armados lutavam por diversos motivos: ideológicos, religiosos, nacional, étnico ou resistência conta ocupações exemplo o conflito árabe-israelense e a ocupação soviética do Afeganistão. A maioria destes movimentos insurgentes agiam no então chamado Terceiro Mundo, mas na Europa havia congeneres, o IRA na Irlanda do Norte, o ETA na Espanha, o Baader-Meinhoff na então Alemanha Ocidental e as Brigadas Vermelhas na Itália.


O Terceiro Mundo, sobretudo nas décadas de 1960,1970 e 1980 presenciou mais de perto essas manifestações armadas, segundo o historiador britânico Eric Hobsbawm1, quando se refere a questão aponta que “o Terceiro Mundo se tornava o pilar central da esperança e fé dos que ainda acreditavam na revolução social”, e mais adiante completa “após 1945, a forma básica de luta revolucionária no Terceiro Mundo, ou seja, em qualquer parte do mundo, parecia ser a guerra de guerrilha”. Grande parte destes movimentos eram críticos da política soviética e dos partidos comunistas tradicionais sobretudo quando Krushov anunciou a “política de coexistência pacífica”, esses ativistas radicais eram encorajados principalmente pelos exemplos de Fidel Castro e Che Guevara, e Mao Tsé-Tung (após o rompimento com Moscou), Guevara e Mao teorizaram sobre a guerra de guerrilha escreveram manuais que tornaram pressupostos comuns de grupos armados em todo mundo.


É diante desta pluralidade de movimentos armados com fins especificamente políticos, que entraram em cena especialistas militares que vão estudar as ações dos movimentos guerrilheiros e formular estratégia de ação contra essa forma de enfrentamento armado. Entre as dezenas de teóricos da contra-insurgência, podemos citar, os franceses Gabriel Bonnet e Claude Delmas, e o português Hermes de Oliveira Araújo, publicaram suas obras na década de 1960. Entre esses teóricos da contra-insurgência, um que fez um estudo sistematizado sobre a ação de pequenos grupos armados, com objetivo expresso de propor uma metodologia contra as guerras de guerrilha, foi o alemão Friedrich August Von Der Heydte. A obra se chama A Guerra Irregular Moderna foi escrita no final da década de 1960 e publicada na então Republica Federal da Alemanha em 1972 e no Brasil pela Bibliex, Rio de Janeiro 1990.


A obra está estruturada em seis partes, talvez sendo uma das mais completas exposições sobre o assunto, fundamentada em pesquisa densa com um número grande de fontes. É uma tentativa do autor colocar na pauta internacional o tema da Guerra Irregular que na sua avaliação vem substituindo progressivamente a guerra convencional, por isso o autor procura chamar a atenção dos dirigentes políticos para este suposto perigo iminente que segundo o autor pode eclodir em qualquer parte do mundo a qualquer momento. A Guerra Irregular é tratada na obra do autor como um instrumento da política soviética para o bloco ocidental e os países do então chamado Terceiro Mundo, a abordagem chama a atenção neste sentido, pois africanos, vietnamitas e latino-americanos são vistos como meros fantoches nas mãos de técnicos militares soviéticos e nações próximas ou aliadas da URSS como Síria e Líbia como títeres desta estratégia, o autor parece ignorar a tradição de luta e resistência de muitos destes povos.


No que diz respeito a diferença da Guerra Irregular para a guerra convencional segundo o autor é que os combatentes da Guerra Irregular (guerrilheiros ou terroristas) tem um treinamento diferente do soldado convencional e na forma de organização dos grupos guerrilheiros “não existem postos” isto é hierarquia como numa foça armada convencional “não há uniformes”2, isto quando uma força guerrilheira não atingiu ainda o tamanho de um exército, por exemplo as FARC. Na quarta parte do livro o autor aponta os agentes desencadeadores do processo “subversivo” que leva à Guerra Irregular, são eles: burocratas de partidos – sobretudo de esquerda – estudantes e padres (vide a Teologia da Libertação na América Latina), agem segundo o autor e outros teóricos da contra-insurgência de maneira conspiratória “subversiva”, assim como os manuais militares da Escola Superior de Guerra (ESG) aborda sobre a ação psicológica da Guerra Irregular, e da propaganda “subversiva” . A obra parece ser pouco conhecida no Brasil encontrei poucas referências a ela na internet, e eram sobretudo em sites de extrema direita que a citaram fazendo referência sobretudo a movimentos sociais como o MST e outros movimentos reivindicatórios no Brasil, trabalhos como o de Von Der Heydte que uma certa visão belicista das mudanças sociais, já que ação de muitos sociais são vistas como preparação para guerra irregular, foram utilizados pelas ditaduras militares de segurança nacional na América Latina, como instrumento de preparação dos órgãos de inteligência e das forças de segurança responsáveis diretamente por graves violações dos direitos humanos.

Notas:

1. Hobsbawn. Era dos Extremos,2003, p. 424-425

2. Von Der Heydte, A Guerra Irregular Moderna,1990 p.17

Referências:

HOBSBAWN, Eric Era dos Extremos: o breve século XX, São Paulo, Companhia das Letras 2003.

RAMOS, Luiz Fernando. RESENHA - VON DER HEYDTE, F. A. A Guerra Irregular Moderna de Friedrich August Von Der Heydte. Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº09, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]



FONTE: http://www.tempo.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=4675:a-guerra-irregular-moderna-de-friedrich-august-von-der-heydte&catid=208&Itemid=100076&lang=pt

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