quarta-feira, 18 de junho de 2014

A Copa do Mundo como estratégia de aproximação e catalisadora de relações bilaterais do Brasil com outros países: um balanço das negociações firmadas, por Luis Filipe de Souza Porto

A competição internacional de futebol organizada pela FIFA – Federação Internacional de Futebol Associado, com intervalos de quatro anos em diferentes federações reconhecidas pela organização não funciona apenas como instrumento de inserção dos países que a sediam na rota dos grandes eventos esportivos do mundo. Sem indiferença com outros grandes eventos esportivos internacionais, como as Olímpiadas, a Copa do Mundo no Brasil corrobora para a projeção do país no sistema internacional, atrai investimentos, aquece o setor privado, funciona como impulso para a realização de grandes obras, trazendo beneficios de mobilidade urbana, infraestrutura e setores fundamentais diversos, como o turismo (Oliver 2012).
Acima de tudo, abstendo outros benefícios e também críticas sobre o recebimento desse tipo de evento no Brasil, a Copa do Mundo “serve como importante ferramenta de política externa” (Oliver 2012), potencializando oportunidades de aproximação com governos dos entes federativos que são partes da FIFA. Mas qual o balanço das relações bilaterais firmadas e fortalecidas durante o evento?
Dividido em seções por datas de acordo com os encontros bilaterais da presidente Dilma Rousseff durante a Copa do Mundo com outros chefes de Estado, o presente artigo tem como objetivo, através da hipotese levantada no parágrafo anterior, analisar as oportunidades aproveitadas pela presidente Dilma Rousseff durante o evento. O método utilizado é a coleta de dados feita através da análise de artigos em jornais e da Agenda Presidencial durante os dias de evento, o que evidencia o potencial de negociação das questões pertinentes as relações do Brasil com cada país representado. Além disso, foram utilizados dados do MRE como documentos de Atos Bilaterais.
12/06 – Brasil x Chile
É um fato indiscutível que a política externa de Dilma Rousseff, apesar das críticas, possui traços fortes de continuidade quando comparada à do seu antecessor, Lula (KALIL 2014). Esse continuísmo pode ser verificado na posição do atual governo ao lidar com questões clássicas como, para citar uma, a defesa dos direitos humanos (UNISINOS, 2011).
A despeito das críticas previstas por alguns analistas durante o período pré Copa do Mundo (EXAME 2014), o evento demonstra o potencial legado que pode deixar para a politica externa brasileira, bem como para as relações comerciais e os direitos humanos, já no primeiro seu primeiro dia. Nesse contexto, temos a primeira visita de Michelle Bachelet como chefe de Estado ao Brasil. As presidentas firmaram um acordo sobre violações de Direitos Humanos, o ”Memorando de Entendimento para o Intercambio de Documentos para Esclarecimento de Graves Violações aos Direitos Humanos”. O acordo, fruto de negociações que antecedem o período da Copa, representa um maior esforço por parte das antes militantes, e agora chefes de Estado, no que diz respeito a importância da defesa dos direitos humanos e garante a troca de informações sobre cidadãos brasileiros presos no Chile e cidadãos chilenos na mesma situação no Brasil durante os períodos de ditaduras militares, além de ter importância instrínseca para a Comissão da Verdade.
Reafirmando o protagonismo do Brasil na América do Sul, o país é o principal destino de investimentos chilenos no mundo, com um estoque de 24,6 bilhões de dólares. O Brasil tem aumentado sua atuação no Chile nas últimas décadas em setores vitais como os de energia, serviços financeiros, alimentos, mineração, siderurgia e construção civil. As relações comerciais entre os países alcançaram a marca de 8,8 bilhões de dólares em 2013, representando um aumento de 65,3% só nos anos de governo da presidente Dilma. É com base nesse contexto que o encontro serviu também como oportunidade para o presidente do Conselho Temático de Integração Internacional da Conferedação Nacional da Industria (CNI), Paulo Tigre, e o presidente da Sociedade de Fomento Fabril (Sofofa) Hermann Von Muhlenbrock, assinarem um acordo de comprometimento em desenvolver projetos para ampliar e diversificar as relações comerciais entre os dois países.
15/06: Brasil x Alemanha
As denúncias sobre a espionagem e mecanismos de vigilância global que foram reveladas por Edward Snowden em 2013 fizeram com que a presidente Dilma Rousseff ressaltasse a preocupação e, posteriormente, a defesa de um marco civil multilateral para a governança e uso da internet perante a 68a Assembléia Geral da ONU em Nova Iorque. Dilma defendeu a implementação de mecanismos capazes de garantir a liberdade de expressão, privacidade, respeito aos direitos humanos e uma governança democrática multilateral e aberta.
“Estamos, senhor presidente, diante de um caso grave de violação dos direitos humanos e das liberdades civis, da invasão e captura de informações sigilosas relativas às atividades empresariais, e sobretudo de desrespeito à soberania nacional do meu país” (ROUSSEFF 2013)
O discurso, apesar de desempenhar à ONU o papel de liderança no esforço de regular o comportamento dos Estados frente a essas tecnologias, foi uma oportunidade do Brasil abraçar a questão e protagonizar articulações neste sentido, tanto no âmbito interno, com a aprovação do Marco Civil da Internet, como no âmbito internacional, com o adiamento de sua visita a Washington, decisão que gerou constrangimentos diplomáticos e consequências às relações bilaterais entre os EUA e o Brasil – o que, coincidentemente, já demonstra sinais de recuperação, pelo menos por parte do vice-presidente americano Joe Biden, em sua visita ao Brasil. Biden reforça a importância estratégica do Brasil para os EUA e diz que a visita ao país durante o evento é com o fim de ‘’estreitar as relações bilaterais’’ e ‘’reconstruir a confiança’’. (NY TIMES, 2014)
A visita da chefe de Estado alemã Angela Merkel sinaliza tímidos sinais de articulação acerca da questão. No encontro realizado às vesperas do jogo de abertura da Copa para a Alemanha no Brasil, as chefes de Estado discutiram a espionagem da Agência de Segurança Nacional americana (NSA), emitindo nota de repúdio a tais ações. Apesar do valor simbólico, as demonstrações sinalizam congruências que podem potencializar, se fomentadas, uma parceria frente a questão.
A Alemanha é o parceiro comercial majoritário do Brasil na Europa. As relações comerciais entre ambos representou 21,7 bilhões de dólares em 2013. Existem 1,3 mil empresas alemãs só no Brasil e, de acordo com Dilma, há espaço para aumentar os fluxos. Além disso, Brasil e Alemanha mantem acordos de cooperação nas área de educação, inovação e tecnologia. Esse cenário foi base para outra parte importante da pauta do encontro que foi o potencial Acordo de Livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia (UE), desejado há anos pelo Brasil.
A Copa do Mundo é um evento de evidente e indubitável projeção do país que a sedia no sistema internacional. No caso do Brasil, como analisado, ela pode ser interpretada como um instrumento de política externa, podendo facilitar e mitigar negociações bilaterais, reforçar o interesse nacional, gerar ganhos no âmbito interno, estreitar laços com o externo, atrair investimentos e possibilitar o surgimento de novos cenários.

Fontes:

Memorando de Entendimento para intercâmbio de informações sobre as violações aos direitos humanos durante os regimes militares nos dois países Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br/presidenta-dilma-recebe-a-presidenta-do-chile-michelle-bachelet&gt;;
Memorando de Entendimento Entre governos para estabelecimento da Comissão Bilateral Brasil-Chile. Disponível em: <http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2009/b_6401&gt;;

Referencias:

KALIL, Mariana (2014). “Continuidade por Inércia: uma análise empírica das relações internacionais do Brasil entre 2010 e 2014”. Boletim Mundorama, 26 de Abril. Disponível em: http://mundorama.net/2014/04/26/continuidade-por-inercia-uma-analise-empirica-das-relacoes-internacionais-do-brasil-entre-2010-e-2014-por-mariana-kalil/
UNISINOS (2011). “Conjuntura da Semana. Perspectivas da Política Externa no governo Dilma Rousseff”. Revista digital Instituto Humanitas Unisinos, 18 de abril. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/cepat/cepat-conjuntura/500012-conjuntura-da-semana-perspectivas-da-politica-externa-no-governo-dilma-rousseff. Acessado em 17 de Junho de 2014
OLIVER, Iata (2012). “Megaeventos esportivos e relações internacionais como estratégia de atração turística”. Revista Acadêmica do Observatório de Inovação do Turismo, v. 7, n. 1, p. 1-19, Janeiro-Março.  Disponível em:http://www.spell.org.br/documentos/ver/8041/megaeventos-esportivos-e-relacoes-internacionais-como-estrategia-de-atracao-turistica/i/pt-br. Acessado em 17 de junho de 2014
EXAME (2014). “Vai ter Copa, mas e o Legado?”. Revista Exame, 04 de Março. Disponível em: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/brasil-no-mundo/2014/03/04/vai-ter-copa-mas-e-o-legado/
ROUSSEFF, Dilma (2013). “Statement by H. E. Dilma Rousseff, President of the Federative Republic of Brazil, at the opening of the General Debate of the 68th Sessions of the United Nation’s General Assembly”. Disponível em:http://gadebate.un.org/sites/default/files/gastatements/68/BR_en.pdf. Acesso em: 17 de junho de 2014
Luis Filipe de Souza Porto é graduando em Defesa e Gestão Estratégica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. (filipeporto@live.co.uk)

Fonte: Mundorama

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