Rafael Moraes Moura /Brasília
Confrontado com o fortalecimento do narcotráfico e organizações criminosas mais complexas, o governo federal criou um manual de inteligência para ser adotado em presídios de todo o País. Intitulado Doutrina Nacional de Inteligência Penitenciária, o documento - classificado como reservado, o que o deixará escondido por cinco anos - prevê técnicas de disfarce para agentes e medidas como a intercepção postal de correspondências.
O objetivo da Doutrina é subsidiar o planejamento de políticas públicas, difundir procedimentos e tornar a inteligência penitenciária um instrumento de combate ao crime organizado dentro e fora dos presídios. "Torna-se imprescindível como arcabouço para o mapeamento dos líderes e facções criminosas que, a partir dos estabelecimentos penais, tecem suas conexões e orquestrações ilícitas extra-muros, colocando em risco a segurança e a ordem pública", diz o documento, ao qual o Estado teve acesso.
A Doutrina lista uma série de "ações de busca" que podem ser executadas - que "deverão ser sigilosas, independentemente de estarem os dados (buscados) protegidos ou não", afirma o documento.
Entre as "ações de busca" citadas estão interceptação postal de correspondências, interceptação de sinais e dados, infiltração de agentes e desinformação, que consiste em "induzir alvos a erros de apreciação", levando-os a executar um comportamento determinado. Outra ação destacada é a provocação, "realizada com alto nível de especialização para fazer com que uma pessoa ou alvo modifique seus procedimentos e execute algo desejado", sem desconfianças.
Observação, memorização, foto interpretação disfarce, análise comportamental e leitura da fala a distância são algumas das principais técnicas operacionais de inteligência mencionadas na Doutrina. O disfarce prevê o uso de recursos naturais ou artificiais para evitar o reconhecimento dos agentes. Já a foto interpretação é definida como a técnica que capacita os agentes a "interpretarem corretamente os significados das imagens obtidas".
As operações de inteligência, segundo a Doutrina, "estão sempre sujeitas ao dilema efetividade versus segurança". "Ainda que a segurança seja inerente e indispensável a qualquer ação ou operação, a primazia da segurança sobre a efetividade, ou vice-versa, será determinada pelos aspectos conjunturais", sustenta o documento.
Também está prevista a utilização de "verba secreta", que deverá ser destinada para o desenvolvimento de ações de caráter sigiloso.
Uniformidade* A Doutrina Nacional de Inteligência Penitenciária traz conceitos e valores para ser difundidos entre as agências de inteligência de todo o País, como moralidade, eficiência, legalidade e impessoalidade. "Uma Aipen (agência de inteligência penitenciária) sozinha, isolada, não consegue produzir todos os conhecimentos de que necessita. É imprescindível que ela esteja integrada a um sistema no qual dados e/ou conhecimentos possam fluir, com capilaridade", diz o texto.
De acordo com a Doutrina, "os documentos de inteligência receberão classificação de acordo com o assunto abordado, nos termos da legislação em vigor" e "não poderão ser inseridos em procedimentos apuratórios e deverão permanecer restritos às AI, enquanto perdurar a classificação sigilosa". Além disso, os dispositivos de comunicação dos agentes deverão ter segurança criptográfica.
Carência. Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça informou que a Doutrina "será lançada em maio com distribuição restrita aos chefes de inteligência das penitenciárias federais e dos sistemas prisionais estaduais e do Distrito Federal". A pasta alega que havia "a carência de instrumento que permitisse nortear a integração entre as agências de inteligência penitenciária e facilitar o compartilhamento de informações entre elas, de maneira padronizada".
De acordo com o ministério, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) tem aproximadamente 1.100 servidores, mas, sob a alegação de "motivos de segurança", não foi informado quantos atuam nos serviços de inteligência penitenciária. O ministério ressalta que cabe aos Estados a implementação das estratégias.
Sistema paulista vai ser o modelo
Em linhas gerais, o governo federal vai propor o modelo de inteligência que São Paulo implementou após a crise aberta pelos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), em 2006. Na época, a cúpula da segurança foi surpreendida pela facção. Na seqüência, adotou-se o sistema atual, que inspira a Doutrina a ser defendida pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). As cadeias de Presidente Prudente e Presidente Venceslau (o DDD 18) foram o alvo inicial das ações e interceptações paulistas.
Estados aguardam texto, mas dizem já investir na área
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Nas últimas duas semanas, a reportagem entrou em contato com os dez Estados de maior população prisional para obter informações sobre a inteligência penitenciária de cada um. São Paulo, por exemplo, se recusou a prestar esclarecimentos, alegando "questões de segurança". Já o Rio informou que tem tomado iniciativas no sentido de "melhorar a inteligência penitenciária". Santa Catarina tem 50 agentes em atividade e espera o documento federal para "finalizar uma doutrina estadual". Na avaliação do Rio Grande do Sul, a doutrina possibilitará "padronização e orientação geral". Já Mato Grosso do Sul utiliza recursos, da Estratégia Nacional de Segurança nas Fronteiras nessa área.
Ceará e Pernambuco informaram que têm investido na área de inteligência penitenciária, Minas Gerais, por sua vez, informou que só no segundo semestre deverão ser investidos R$ 4 milhões "na compra de equipamentos, softwares de última geração, veículos e capacitação".
O Paraná admitiu que "por ora só há previsão de aquisição de equipamentos". Na Bahia, o serviço de inteligência "ainda está em processo de instalação".
Fonte: Estadão
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