É consenso entre os analistas de defesa militar que a esmagadora maioria da população brasileira não tem, nem de longe, o tema da defesa nacional como parte de seu cotidiano. Nosso povo, aparentemente, não vê nenhum sentido nestes assuntos. Comentários pueris, posições nacionalistas exaltadas (principalmente sobre a Amazônia), é tudo o que temos.
Hoje o país cresce, no panorama internacional. O mundo olha para ele de maneira diferente. E este pretende assento permanente do Conselho de Segurança da ONU. Iniciativas ainda pequenas de projeção de poder, como a presença no Haiti, são olhadas com indiferença pelo nosso povo. A imprensa segue a população, e pouco problematiza esta questão.
Mas o mundo vê diferente. Nossa presença planetária é notada e reavaliada constantemente. “Promover a venda do Super-Tucano (avião de ataque e contra-insurgência leve) é parte da ambiciosa campanha do Brasil para elevar seu perfil como potência militar, bem como produtor. Em seu estratégico plano de defesa, revelado em 2008, o Brasil diz que age assim para diversificar sua economia enquanto protege seus recursos naturais”, diz Chris Kraus , do Los Angeles Times (LA Times, 23/02/2010).*
Mas nós seguimos tranquilamente com nossas vidas, como se nada houvesse mudado. Porque pensar em militares e seus equipamentos, se poderíamos investir mais em programas sociais? Porque comprar caros caças franceses (ou suecos, ou americanos…) de 4ª geração, se com este dinheiro “poderíamos financiar não sei quantas casas populares”? Questões infantis como esta estão sempre presentes nas enquetes sobre os gastos do governo.
Mas porque a população brasileira se recusa a discutir o tema da defesa? Não só as classes emergentes, mas todo o espectro social parece ausente no debate do tema da defesa. É verdade que temos mais de cem anos de paz na região, em termos de conflitos entre estados regionais. É verdade também que não temos, ao longo de nossas extensas fronteiras, nenhum país armado até os dentes a nos ameaçar. Com a possível exceção da Venezuela…
E temos ainda na memória recente o problema do período autoritário, entre 64 até a metade dos anos 1980. Que legou as gerações mais jovens um desprezo pelas forças armadas em geral. Simplificaram a História. Para muitos, os militares foram somente partícipes de um regime assassino, e não merecem nada, além do pouco que lhes é destinado… Não quero louvar a ditadura, nem o fim dos direitos civis que veio com o AI-5, em 1968. Isto seria uma outra forma de revisionismo nefasto. Mas sob a égide dos governos militares surgiram investimentos e iniciativas em setores, como o aeronáutico, que ajudaram a projetar o país a nível internacional. Imensos investimentos em infraestrutura ainda nos permitem um nível de bem-estar sem parelha, comparado a outros regimes de exceção no Continente. Que nada legaram a não ser um enorme número de mortos e desaparecidos. E enormes rombos nas contas nacionais.
Isso não pode ser negado por ninguém no Brasil, de forma responsável.
Outros parecem não perceber que, desde o século XVII, muitas regiões só fazem parte do mapa do Brasil, só estão integradas ao território nacional graças as forças armadas. Que domínio teríamos sobre a Amazônia, e o Centro-Oeste, sem a presença militar? Mesmo assim, podemos constatar que a presença das forças armadas é apenas tolerada com um mal necessário, pela maioria dos formadores de opinião, na sociedade brasileira…
Pobre do país que dispõe de muitos recursos, mas não sabe , ou não pode administra-los, já dizia Otto Von Bismark, durante o unificação da Alemanha, na metade do século XIX. Pois esta é apenas a razão mínima de uma atenção maior com as forças armadas, em nosso país. O governo atual, pressionado pelos ministros militares, e por seus próprios interesses, vem aumentando o investimento nas forças armadas. O país não pode almejar presença permanente do Conselho de Segurança da ONU , ou senão isso, uma posição internacional de destaque consolidada, com suas forças armadas sucateadas e com tecnologia dos anos 50. Mas sua conduta, na área da defesa, tornou-se politicamente ambígua , com parte do governo tentando uma revisão unilateral da Lei da Anistia. Este fato trouxe a tona velhos rancores no pior momento possível, do ponto de vista do reaparelhamento das forças militares nacionais, colocando os militares novamente em xeque, e expostos a execração pública.
Por que, então, seria tão importante assim o investimento em tecnologia de uso militar? Do ponto de vista do desenvolvimento industrial, este investimento é crucial porque dele resultam inovações que são “capturadas” pela indústria civil. Explico. Se hoje a Embraer é uma das maiores fabricantes de aviões, na categoria de aviões de porte médio, é porque um dia desenvolveu, junto com empresas italianas, uma caça de ataque ( o AMX-30, o A-1 da FAB) que dotou o país de capacidade de construção de toda uma família de aviões que são hoje um grande sucesso mundial.
A consolidação de um complexo industrial-militar é importante, do ponto de vista econômico, porque dele surgem inovações tecnológicas que são absorvidas pela indústria civil, gerando emprego e renda para o país. Numa era onde o subsídio estatal virou anátema, segundo o pensamento econômico neoliberal , um parque industrial-militar funcionaria como auxílio governamental invisível, poupando nossas empresas de gastos excessivos em pesquisa e desenvolvimento de inovações tecnológicas. E passando ao largo de qualquer restrição externa. Um exemplo ilustrativo muito bom é a Suécia. Fabricando armamentos desde o século XVII, este pequeno país equilibra seus grandes gastos em bem-estar social através da exportação de armamentos e bens de consumo duráveis de produção local. Seus canhões navais são padrão nas Marinhas de Guerra de todo o planeta. Seu povo tem um dos maiores níveis de bem-estar do planeta.
Resumindo: se o Brasil pretende ser um novo ator de peso no cenário internacional, precisa não somente de novos equipamentos, mas da capacidade de projetá-los e construi-los aqui. Para isso, precisa por de lado velhos rancores, que criam uma oposição maniqueísta do tipo sociedade civil versus militares. Precisamos saber responder a pergunta que é o título deste artigo: porque a sociedade não debate a questão da defesa nacional? Por que nosso povo parece avesso a este tema? Porque somos um povo dos trópicos, de natureza pacífica, e naturalmente avesso aos conflitos? Nossa realidade urbana mostra o oposto. Nosso passado histórico também. O “Império” de Dom Pedro II foi uma longa sucessão de conflitos regionais, que prolongaram-se até Canudos e além, adentrando a República.
O país precisa mudar sua cultura, se realmente quer realmente tornar-se relevante, do ponto de vista internacional. Precisa de verdadeiros cidadãos livres-pensadores, e não de uma platéia de espectadores mal-informados assistindo um espetáculo que não entendem. A população precisa participar mais. Agir mais e reclamar menos. E isso não vai acontecer enquanto aqui prevalecer entre nós “a palavra da autoridade, e não a autoridade da palavra”, como brilhantemente disse o articulista e professor da UFF, Roberto Kant de Lima. Enquanto ecos da subordinação herdada do passado ainda reverberarem em nossas almas, como no dito popular “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
E o que é um cidadão, verdadeiramente? Lembro agora do grande filólogo e pensador Antônio Houaiss, que nos legou a melhor definição de cidadão que eu já encontrei por aqui: ser cidadão, segundo ele, é dar-se conta da complexidade do mundo em que se vive. E a nosso trajeto histórico-político não permitiu o surgimento (por enquanto), em número significante, de verdadeiros cidadãos. Não no sentido total do termo.
* tradução do autor
Oiii Thiago, tenho algumas dúvidas em relação ao curso. Acredito que vc poderia me ajudar... Vc poderia me passar seu e-mail?
ResponderExcluirDesde já agradeço a atenção...