O grande teórico inglês do meio
militar, Liddell Hart, definiu estratégia como sendo a arte de
distribuir e de se aplicar os meios para cumprir objetivos da política.
“De forma geral, estratégia é aquela que articula meios de formas de se
utilizar recursos para se atingir objetivos postos”, completou Gunther
Rudzit, professor de Relações Internacionais das Faculdades Integradas
Rio Branco e ex-assessor do Ministério da Defesa. Ele participou do
fórum Brasilianas.org sobre a indústria da defesa e a Estratégia
Nacional da Defesa (END), criada por decreto em 2008, realizado em São
Paulo.
Segundo Rudzit, é a primeira vez na
história do país, como estado independente, que uma política para
exercer controle civil sobre setores militares é constituída. “A
Estratégia Nacional da Defesa faz parte desse processo de evolução,
inclusive do Ministério da Defesa como planejador central e efetivo. Não
é um produto final, ainda estamos atrasados em muitos anos, em
comparação a outros países”, analisou.
A END veio acompanhada de um aumento
de investimentos na área de defesa, nunca vistos antes em território
nacional. De 2003 até 2012 os investimentos neste nicho aumentaram 568%
no país, passando de R$ 1,5 bilhão para R$ 10,1 bilhões. Dentre os
projetos em andamento estão o programa de submarinos (Prosub),
helicópteros desenvolvidos pela Helibrás (HXBR), os aviões de grande
porte da Embraer KC 390, o Astros 2020, sistema de lançadores múltiplos
de foguetes, da Avibrás e o Sistema Integrado de Monitoramento de
Fronteiras (SISFRON).
O professor Rudzit destacou que todo o comércio do meio militar é política per si,
não se comparando a compra de soja ou de qualquer outro tipo de produto
onde a troca de parceiros ocorre facilmente. Não à toa, o Brasil
demorou 12 anos para escolher o caça sueco Gripen NG, durante o processo
de licitação do projeto FX-2, em detrimento dos modelos ofertados pela
França e Estados Unidos.
Rudzit apontou fatores positivos e
negativos que envolvem a troca comercial de equipamentos militares entre
países. Dentre os benefícios mais claros para o país comprador está o
aumento da capacidade armamentista de suas forças armadas e a aquisição
de equipamentos de última geração (ou próximo disso), cortando um
caminho que seria mais longo para o desenvolvimento próprio de
equipamentos de defesa.
Por outro lado, a compra deve também
considerar impactos negativos, como a dependência tecnológica do país
fornecedor, portanto a perda de flexibilidade política e técnica para
aceitar certas condições de manutenção e reposição de peças. No caso
brasileiro, tem se observado uma política que busca internalizar o
desenvolvimento de produtos em território local, como no caso do
contrato feito com a França para a construção de submarinos à propulsão
nuclear e dos próprios caças Gripen, com a Suécia.
“Nem os Estados Unidos [principal
potência bélica do mundo] produz tudo que utiliza em termos militares.
Achar que vamos conseguir produzir no país tudo o que necessitamos não é
um sonho realizável”, ponderou. Mas o professor se atentou para a
importância de se balancear custo, interesses militares e diplomáticos
entre outras necessidades da sociedade brasileira quando o governo entra
no processo de negociação de compra de produtos estrangeiros.
Em relação aos acordos que primam pelo
ganho tecnológico às indústrias brasileiras, Ridzit ressalta a
importância de monitoramentos efetivos por parte do governo para que os
quesitos de transferência tecnológica sejam garantidos. “Não acredito em
total transferência tecnológica quando o governo fecha acordo com um
produto produzido em outro país. Uma empresa que gasta alguns bilhões de
dólares e euros para desenvolver um avião transferirá realmente tudo?”,
questionou.
O professor criticou também a falta do
termo ‘segurança’ na Constituição Federal, substituído por ‘defesa’,
durante a criação da Carta Magna, em 1988. A END está baseada na
Constituição Federal com premissas de buscar, sempre que possível,
soluções pacíficas e o fortalecimento da paz e segurança
internacionais.
“O Brasil não possui tantas ameaças
visíveis externas como a Índia, China, Coreia do Sul, Japão e tantos
outros. Logo fica difícil justificar porque gastar tanto na área
militar, em um país com tantas desigualdades e problemas sociais”,
lembrou. Mas o fato é que o aumento da relevância social e econômica do
Brasil no cenário mundial lhe obrigou a aumentar os investimentos no
setor nos últimos anos.
Hoje o país é a sétima maior economia
do mundo, com quase 17 mil km de fronteiras entre dez países na América
do Sul, uma linha costeira contínua de 8 mil km de extensão, uma das
maiores do mundo, além de possuir grandes quantidades de riquezas
minerais e biológicas.
"Ao se analisar a END não há uma ou
mais ameaças, se fala de ameaças difusas. Se da muita evidência à
Amazônia, à Amazônia Azul. Mas, por exemplo, como defender a região
Sudeste que, afinal de contas, é o grande centro econômico do país? Você
paralisou o Sudeste, paralisou o restante. Qualquer país que tenha
capacidade de transportar um bloco ofensivo até o Brasil, não vai tentar
desembarcar na Amazônia", observou.
Por fim o professor destacou que o
orçamento militar atual brasileiro não é pequeno. Hoje o país mobiliza
cerca de 1,4% do seu PIB em gastos militares. O problema é como esses
recursos são divididos. Grande parte do orçamento (mais de 76%) é
destinado ao pagamento de pessoal, sendo cerca de 61% dessas despesas
com inativos e pensionistas.
Fonte: Jornalggn
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