segunda-feira, 2 de setembro de 2013

RESENHA: IMPERIALISMO E CLASSES SOCIAIS, DE JOSEPH SCHUMPETER

Resenha – Imperialismo e Classes Sociais, de Joseph Schumpeter

por: Daniele Dionisio da Silva

Joseph Alois Schumpeter (1883-1950), um dos maiores economistas do século XX, famoso por sua teoria da "destruição criativa", sustenta que o sistema capitalista progride por revolucionar constantemente sua estrutura econômica: novas firmas, novas tecnologias e novos produtos substituem constantemente os antigos. Um outro estudo teórico de Schumpeter analisa a relação das classes sociais com as diversas formas de Imperialismo. Segundo o autor, independente do tempo e do local, na maioria das vezes, as motivações para a guerra residem nas classes sociais que têm poder político, econômico ou militar. Assim, o Imperialismo seria um objetivo das classes guerreiras concentrado na idéia de honra dos militares que passa a ser a idéia de honra em prol do interesse nacional.

    O problema central trabalhado no texto “Imperialismo e Classes Sociais” são as atitudes agressivas dos Estados, sustentadas em grande parte por reais e concretos interesses individuais ou de grupo. Entretanto, segundo Schumpeter há uma grande dificuldade metodológica de falar destes interesses individuais. Além disso, este interesse não tem que necessariamente afetar toda a população de um Estado. O interesse que efetivamente explica um ato belicoso não necessita ser abertamente reconhecido ou confessado. Para o autor, os interesses concretos suscetíveis à consideração científica são na verdade de uma classe suficientemente poderosa. Haveria um interesse de se fazer a guerra por si, mas a razão não seria a causa.

Para tentar explicar este ponto, primeiramente, deve-se considerar um interesse que o observador possa apreender como concreto, levando em conta, a estrutura social, a mentalidade e a situação do povo em questão. Em segundo lugar, a conduta do Estado em questão deve ser calculada de maneira que promova este interesse, considerando a soma total dos sacrifícios e riscos previstos em relação às vantagens que se espera conseguir. Por fim, deve ser possível demonstrar que este interesse, se declare ou não, como força política condutora da ação. Para Schumpeter, quando estes três pontos são considerados estaremos diante de um problema; problema este que é apresentado algumas vezes através do fenômeno do imperialismo.

O autor chama a atenção para o fato de que a trama de interesses sociais está tão amarrada no tecido do dia-a-dia, que dificilmente poderá se encontrar uma ação do Estado que não esteja em harmonia com os concretos interesses de alguém; interesses estes que podem ser reduzidos à ação sem nenhuma manifestação contrária. Isto faria parte da crença incultada no povo de que os interesses populares inspiram o comportamento do Estado, e que portanto, deve-se esperar vantagens concretas para todas as classes. A política de Governo sempre se justifica desta forma e frequentemente é vista como um ato da mais boa fé. Certas falácias comuns, geralmente de caráter econômico, podem ser utilizadas adornar a fachada de um interesse nacional frente à opinião pública. Este tipo de falácia chega às vezes a ofuscar o investigador científico, especialmente ao historiador. Em tais casos, o verdadeiro motor só e descoberto investigando a forma que a opinião pública se forma. É também evidente que os motivos conscientes são raramente motivos verdadeiros no sentido de estar livres de ideologias perceptivas, e em nenhum caso são os únicos motivos.

Schumpeter sugere que a palavra “imperialismo” tem sido utilizada abusivamente como slogan até o ponto que perde o significado, por isso ele propõe uma definição mais harmonizada, distante da simplória proposição de uma agressividade. Para ele, as verdadeiras razões do imperialismo não se sustentam nas intenções manifestadas no momento. Para sustentar esta lógica pode-se acrescentar que a história mostra nações e classes que buscam a expansão pela expansão, a guerra pela guerra, a vitória pelo mero desejo de vencer, o domínio pelo fama de dominar. Para o autor, as vantagens da conquista não se fundamentam tanto na razão das vantagens imediatas, desta forma a teoria dos interesses concretos perde seu valor e abrangência. Frente a isso, deve-se, na verdade, partir para explicar a origem da vontade de vitória. 

Neste livro, o autor propõe ainda analisar a origem e a vida do imperialismo mediante exemplos históricos que ele considera típicos. Nesta lógica, a todo o momento, emergiria um traço básico comum, que faria do imperialismo um problema sociológico único independentemente dos diversos casos e épocas, até que existam diferenças substanciais entre as supostas particularidades, o que para ele sugeriria a necessidade de uso do plural: “os imperialismos”.

O Imperialismo como Grito de Combate

A fim de descrever um dos tipos de imperialismo, Schumpeter apresenta o exemplo da campanha eleitoral de 1874 na Inglaterra. Dessa campanha surge o marco do nascimento do imperialismo como uma forma de grito de combate da política interior, originado basicamente do discurso do Ministro do Reino Unido Benjamin Disraeli. Considerando, algo que ele chama de “Federação Imperial”, o autor apresenta uma construção em que as colônias chegariam a ser membros autônomos em um império unificado, o que constituiria uma gigantesca união aduaneira com toda a área colonial reservada para os ingleses, fundamentando-se num sistema de defesa uniforme com uma organização central alocada na Inglaterra; o que implantaria uma conexão mais estrita e viva entre o governo imperial e as colônias. Assim, Disraeli deveu grande parte de seu êxito ao slogan imperialista, e sua política externa se moveu dentro da tradição conservadora. Mas a apelação ao sentimento nacional, o grito de combate contra o cosmopolitismo “liberal”, emergiu bruscamente.

Não obstante, segundo o autor, quando incluímos o plano de “Federação Imperial” sob a rubrica do imperialismo, surgem tendências agressivas que não haviam aparecido se o plano não tivesse passado da esfera de slogan para política real, tendências como as tarifas protecionistas, os sentimentos militares e a ideologia de uma “Grã-bretanha” unida. Cabe acrescentar que as tarifas protecionistas foram a principal intenção inspiradora do movimento imperialista: uma tática calculada para distrair a atenção do povo dos graves problemas sociais do interior; algo que se apresentou como um instrumento de poder infalível de apelação ao sentimento nacional. Os demais instintos estavam arraigados em interesses que devem ser captados racionalmente, mas o sentimento nacional surge das obscuras potências do subconsciente e desata instintos que ultrapassam as normas da vida cotidiana. Uma vez desatado, o irracional busca refúgio no nacionalismo, e se compõe de belicismo, da necessidade de odiar, de uma boa parte de incipiente idealismo e de um ingênuo egoísmo; o que irá constituir precisamente o impacto do nacionalismo. O nacionalismo satisfaz a necessidade de entregar-se a uma causa suprapessoal familiar e concreta, a necessidade de autoglorificação e a violenta afirmação de si. Sempre que se produz um vácuo na mente de um povo – como se sucede especialmente depois de uma exaustiva agitação social ou de uma guerra – o elemento nacionalista recupera forças.

O autor afirma que no início do século XX, o colonialismo que não estava morto, simplesmente adormecido, já que o regime de livre comércio com as colônias se convertia em objeto de exploração, uma exploração caracterizada em diferente sentido da sofrida por países independentes. Objetivamente, o homem comum obtém pouca satisfação da política colonial inglesa, mas se agrada com a idéia, da mesma maneira que um jogador se satisfaz de seus instintos agressivos. Entretanto, as massas do eleitorado britânico nunca sancionaram a política imperialista, nem iriam se sacrificar por ela. Igualmente foi escassa a simpatia pelo esplendor militar e pelas aventuras de política exterior.

Schumpeter afirma ainda que em um passado distante, a Inglaterra teve tendências imperialistas, como a maioria das nações. Mas como a luta entre o povo e a monarquia se desenvolveu de forma muito diferente de outros países do continente, as tendências imperialistas estiveram impregnadas de uma dada vitória do povo. Provavelmente, a Inglaterra também tenha contemplado a ascensão de um absolutismo militar arbitrário, seguindo as mesmas tendências de outros países de manter as guerras de agressão. Mas, novamente a derrota do rei e do seu partido representou uma descontinuidade no processo. No caso inglês, não se pode dizer que foi “o povo” que conquistou o império, nem que os dirigentes implicados nas conquistas obtiveram o aplauso popular. Os conquistadores foram de um tipo completamente distinto: aventureiros incapazes de encontrar uma situação sólida na Inglaterra, viram-se na necessidade de fundar um novo lugar, e fizeram a guerra por conta própria.

Schumpeter acrescenta que a política deve coincidir com as verdadeiras intenções de “gente importante”. Já o progresso moral está diretamente ligado às condições produtivas. Assim como os interesses do comércio e da vida cotidiana da Inglaterra teriam um eixo pacífico, criou-se uma ideologia diplomática baseada na política da não-intervenção, na desvinculação da política continental de equilíbrio das potências, contrária a política de armamentos; redutora das zonas de fricção com outras esferas de interesses pela falta de planificação de uma estrutura global de império; redutora das tensões e conflitos com recursos adequados.

Apesar de tudo, o nacionalismo agressivo, o instinto de domínio e de guerra que derivaram do passado inglês, ainda estavam vivos no início do século XX e não iriam morrer. Reapareceram de vez em quando e pareciam buscar sua própria essência, tão mais vigorosamente quanto menos compensações encontraram no meio da comunidade social. Assim, como na Inglaterra não existiu interesses suficientemente poderosos com os quais tais tendências imperialistas pudessem se aliar, os instintos belicosos da estrutura social se viram condenados as impotências. O imperialismo continuou sendo por muitos anos apenas um jogo político.

O Imperialismo na prática

As manifestações de imperialismo, quando não consistem em meras palavras, podem ter os problemas que plantam examinados de maneira proveitosa através de exemplos tomados da antiguidade. Encontradas características próprias de cada uma de suas distintas manifestações, pode-se perceber também um traço comum fundamental, até na mais moderna manifestação de imperialismo; razão pela qual cabe pensar que o imperialismo não é produto da evolução econômica moderna. 

Em um outro exemplo apresentado por Schumpeter, o caso egípcio até a dominação persa, pode-se contemplar uma tendência expansionista, onde a terra era propriedade de uma nobreza hereditária e latifundista que dominava os campesinos e exercia o poder político. Esta estrutura social levava a marca da força, até que a necessidade de tendências internas promovia a expansão violenta e ilimitada. Esta agressividade foi alcançada com o tempo e as campanhas se sucederam sem a mais fútil causa aparente. Além disso, uma classe de soldados profissionais     substituiu a velha milícia campesina. O apoio desta classe militar permitiu aos reis vitoriosos organizar um império centralizado, reduzindo a força de outras classes sociais. Esta nova organização social e política foi essencialmente uma máquina guerreira, movida por instintos e interesses belicistas, algo que servia de instrumento para a manutenção do poder desta nova classe. Sua orientação externa foi a guerra, e somente a guerra, que se converteu em condição normal, única via de acesso ao bem-estar dos órgãos do corpo social então existente. Lançar-se no campo de batalha era coisa corrente e as razões para fazê-lo eram secundárias; uma vontade de ampliar conquistas sem limites tangíveis; uma forma típica de imperialismo.

O caso persa foi diferente, estes apareciam desde o início como uma nação de guerreiros. Evidentemente, uma nação cuja estrutura social está orientada para a função militar, já há nesta uma classe pré-existente com essa função; uma nação onde as classes politicamente relevantes contemplam a guerra como sua principal necessidade. Inquestionavelmente, este é um caso de imperialismo “puro” sem a mescla de elementos nacionalistas. O que constitui a essência é que uma nação guerreira não contempla a guerra como uma emergência que interfere na vida privada; pelo contrário, a vida e a vocação só se realizam plenamente na guerra. Em uma nação guerreira a comunidade social é uma comunidade de guerra. A vontade de guerra e expansão violenta surgem diretamente do povo; algo que o autor chama de “imperialismo do povo”. Para ele, os persas oferecem um bom exemplo deste tipo de nação. Apesar do serviço militar universal e obrigatório, pode presenciar-se a ascensão de uma classe de homens de armas extremamente vinculados a pessoa do rei que se converteu em classe dominante dentro do território do império. 

Para Schumpeter, o imperialismo de uma nação guerreira, o imperialismo popular, aparece na história quando um povo adquire uma disposição guerreira, e há uma organização social que absorve esta forma de exploração. Os povos que se viram assim absorvidos - tais como os antigos egípcios, os chineses ou os eslavos – nunca desenvolveram por si mesmos tendências imperialistas, até que puderam ver se induzidos a atuar em tal sentido por exércitos alienados, geralmente mercenários. Os povos que não experimentaram estes tipos de preocupações ou nem atravessaram uma fase de organização tribal, e viveram vários ciclos de trabalho pacífico acabaram com esta predisposição belicista, minando sua organização social correspondente.

Certamente, sempre se encontram pretextos para uma guerra; mas o que é interessante destacar é que os pretextos são totalmente inadequados para formar nexos na cadeia interpretativa dos acontecimentos históricos. Mas por que para alguns povos qualquer pretexto é bom para uma guerra? Por que para estes povos a guerra foi sempre a mais natural atividade da vida? Este é um problema da natureza da mentalidade imperialista, que constitui o problema central deste livro, explicado muitas das vezes por pretextos insignificantes das vantagens comerciais.

Um outro caso citado pelo autor, apresenta que não há provas de que o imperialismo dos assírios estivesse avivado por despotismo, já que não existia uma classe especial de mercenários nacionais ou estrangeiros prontos para guerra. A guerra foi uma vocação natural do rei e do povo, onde o caráter sagrado persistiu no rei da Assíria e em sua política. As guerras dos assírios foram sempre, entre outras coisas, guerras religiosas, circunstância que explica boa parte de crueldade sem misericórdia. O inimigo era sempre “o inimigo de Assur”. No caso assírio, os motivos reais são poderosos aliados aos motivos oficiais, aumentam seu poder de agressividade. Este aspecto violento do imperialismo emerge mais acusadamente no caso dos assírios que em qualquer outro povo, mas nunca deixa de estar presente. Naturalmente, o imperialismo deste tipo não está presente no imperialismo de idades posteriores. O “elemento instintivo” de feroz primitivismo vai desaparecendo, suavizando-se e superando-se pelos esforços conjugados dos atores e dos espectadores para fazer destas tendências compreensíveis a si mesmos e aos demais, para encontrar uma justificativa. Justificativa que surge de trocas funcionais dos hábitos sociais, formas legais, etc.; que ensinam como estas formas de pensamento e de comportamento podem ou devem ser adaptadas ao novo meio social. Este é o motivo pelo qual as formas mais modernas de imperialismo não se parecem com o imperialismo assírio.

Outro caso apresentado por Schumpeter são os árabes, organizados internamente segundo linhas democráticas. Entretanto, a democracia era no sentido de que todos os membros da nação levavam um peso político e todas as expressões políticas emanavam do conjunto do povo. Cabe ressaltar que os nômades na Arábia constituíam uma classe dominante que explorava sistematicamente os outros para seu próprio proveito, recorrendo ás vezes a assaltos e despejo de populações; se dedicavam a agricultura e ao comércio. Em um dado momento, iniciou-se no mundo árabe um movimento de reforma social ou revolução que visava suavizar os contrastes entre pobre e ricos, suprimindo os ringues de batalha. Mas tudo o que conseguiram limitou-se a forçar a defensiva primeiro e a ofensiva depois. O reformador da tribo sagrada se converteu num agressivo debelador dos infiéis. A comunidade interna deu lugar a guerra em defesa da fé – a jihad – como a mais importante demanda prática. Formou-se uma organização que reduziu o elemento da comunidade intera ao papel de meio de autodisciplina guerreiro. Não obstante, o novo estado guerreiro-clerical continuou sendo democrático, a respeito do poder temporal e religioso do califa; este pode ser assim porque havia surgido diretamente do povo. Nesta lógica, o produto da pilhagem era propriedade comunal, que era distribuído segundo a hierarquia militar.

Neste caso árabe, a guerra foi uma ocupação da teocracia militar, e sua organização social necessitava da guerra; pois sem guerras vitoriosas a organização iria colapsar. Além do mais, a guerra era a ocupação normal dos membros sociedade. Cabe ressaltar que no conjunto estrutural de preceitos árabes, a chamada guerra santa abre as portas do paraíso e reforça que alguns aspectos do imperialismo árabe, que só podem ser explicados a luz da palavra do profeta. Entretanto, o autor chama a atenção para o fato de que sua força básica deve ser situada também em outras causas, principalmente quando se considera um predomínio teórico das forças sociais criadoras peculiares no elemento religioso. Um profeta não faz mais que formular mensagens aceitáveis pelos seus adeptos, na realidade só é compreendido e alcança êxito quando fórmula uma política válida para aquele momento. Mas mesmo nessa lógica da guerra santa, era mais proveitoso para os árabes manter um infiel cumpridor de seus deveres, pagador de impostos, do que simplesmente matá-lo pela honra e graça de Alá. Na verdade, o real significado da luta não foi a difusão da fé, e sim a difusão do domínio dos árabes; em outras palavras, a guerra e a conquista por si mesma. A religião foi não foi mais que um reflexo dentro do corpo social. O imperialismo árabe foi entre outras coisas uma forma de imperialismo popular.

Um ponto deve ser acrescentado em relação ao “imperialismo com a vertente religiosa”, tais experiências foram aberrações transitórias, pois a Igreja sempre se mostrou como um poder eminentemente clerical, supra-governamental e supranacional, não só do ponto de vista ideológico, também de acordo com os recursos de poder e métodos de organização que dispunha. A sua vontade de conquistar limitava-se a vontade de converter. Em muitos casos a conversão era suficiente sem a conquista; e o método ideológico mais apropriado foi a pregação. O que se necessitava difundir eram as regras do dogma e a correspondente organização da vida religiosa, não as da política.

Outro exemplo trazido pelo autor são os antigos povos germânicos. Schumpeter acrescenta que conhecemos muito pouco de sua pré-história para poder assegurar que constituíssem uma nação guerreira. Mas a descrição de alguns pensadores da época supõe que eles eram um povo agricultor, com uma aristocracia que nunca foi tão ampla, nem exaltada. Em qualquer caso, as grandes migrações fizeram destas tribos germânicas um povo guerreiro, mas não essencialmente imperialista. Eles buscavam novas terras onde assentar-se, nada mais. A luta visava apenas sua preservação. Assim vemos que nem toda nação belicosa tende ao imperialismo. Devem dar-se outras circunstâncias e em especial determinadas formas de organização social para que isso aconteça. Para exibir uma continua tendência ao imperialismo, o povo não deve viver de seu próprio trabalho, ou ao menos não deve absorver todo o seu tempo. Quando isto se sucede, os instintos de conquista submergem pelas ocupações cotidianas de caráter econômico, e inclusive os nobres não podem evadir-se de explorar este instinto. Caso contrário, bastaria a eles ocupar-se da pacífica administração de suas posses, de sua casa e das pequenas disputas locais.

Cabe aqui ressaltar, que para o autor a justificativa de um imperialismo baseado em motivações pessoais de um monarca é fútil e irrelevante. Os reis necessitavam de um território onde dominar de maneira absoluta. Suas conquistas poderiam depender do exército feudal ou necessitar de um exército profissional, mas para isso os elementos de avidez guerreira de seu povo tinham de ser acrescentados as bandeiras reais, de forma a permitir o surgimento do imperialismo. Em alguns casos essa política imperialista foi apenas um imperialismo do poder e não um imperialismo do povo. Em muitos casos, este é o motivo fundamental da decadência e morte do poder real, pois o povo e a nobreza eram estranhos a essa política de poder.

Para Schumpeter, o caso do imperialismo de Alexandre Magno consiste fundamentalmente na perseguição da fundação de um império mundial acumulando conquista através de conquista, o que levaria muito tempo e exigiria a vontade das classes dominantes. Por isso, para o autor este não foi o imperialismo de um Estado, nem de um povo, talvez uma espécie de imperialismo individual.

Um outro caso é o imperialismo de Roma. Neste caso, a política do império se orientava somente para sua preservação. A maioria dos imperadores tentou resolver o problema mediante concessões e apaziguamentos; se bem que desde as guerras púnicas até Augusto existiu indubitavelmente um período imperialista, uma etapa de ilimitada vontade de conquista. Em muitos casos quando era materialmente impossível apelar a um determinado interesse, então se dizia que era a honra romana que havia sido insultada. A existência de importantes massas proletárias, unidas com peso político, foi conseqüência de um processo social que também explica a política de conquista romana. Já os latifundiários romanos estiveram profundamente interessados na guerra, pois esta proporcionava a eles preciosos atrativos em sua posição social e política. Questões de política externa sempre surgiam em cena quando os problemas sociais esquentavam os ânimos pondo em perigo o conforto das classes dominantes romanas. 

O Imperialismo na Monarquia Absoluta Moderna

Para Schumpeter, na Europa Moderna se dá uma forma de imperialismo que tem suas raízes inseridas na natureza do próprio Estado absoluto dos séculos XVII e XVIII, que foi em todo continente resultado da vitória da monarquia sobre os estamentos e classes sociais. Na França desta época, como em outros lugares, o Estado absoluto militar equivalia a organização dos elementos marciais de uma nação para formar uma máquina militar. Deste modo, as campanhas militares têm grande peso no desenvolvimento dos Estados nacionais. Neste contexto, o campesinato e os trabalhadores urbanos foram e continuaram sendo apenas marionetes sem vontade própria, não só explorados economicamente, mas também educados para obedecer em tudo, até mesmo contra sua própria vontade, à castas militares. Algumas vezes a monarquia necessitou de guerras externas para manter sua própria solidez no interior. Assim, a beligerância e a política belicista do Estado autocrático se explicam pelas necessidades de sua estrutura social; pela disposição herdada de suas classes dominantes, mas do que por vantagens imediatas que podiam derivar-se da conquista. Em muitos casos, a tradição e a disponibilidade de meios apropriados bastam para explicar porque certos motivos levam a guerra. Na lógica européia desta época, um monarca absoluto podia fazer valer sua vontade de ir a guerra da mesma maneira que administrava as rendas dos seus súditos para satisfazer sua necessidade de ação; esta era a realidade do imperialismo absolutista.
Um outro exemplo apresentado por Schumpeter descreve um caso particularmente interessante das massas eslavas que nunca haviam mostrado o mais ligeiro traço de militarismo ou agressividade. Os eslavos se mesclaram com os germanos e com elementos mongóis, e seu império abarcou uma boa quantidade de povos guerreiros, mas nunca se observou tendências imperialistas por parte dos campesinos ou trabalhadores russos. Uma vez que o despotismo se fincou solidamente, mostrou sua tendência a uma limitada expansão, que partia do desejo de ação de uma classe dominante predisposta a guerra com a cumplicidade da coroa, sem qualquer análise compreensível e racional dos interesses existentes.

Imperialismo e Capitalismo

Para Schumpeter, inúmeras guerras foram desencadeadas sem adequadas razões, tanto do ponto de vista moral como do ângulo do interesse racional e razoável. Muitas surgem de necessidades vitais de pessoas ou classes guerreiras, ou das disposições psicológicas, ou de estruturas sociais estabelecidas, ou ainda da existência de fatores subsidiários que facilitam a sobrevivência de tais disposições e estruturas. Assim, a inclinação para a guerra estaria alimentada principalmente pelo interesses internos das classes dominantes, mas também por influência de todos aqueles que podem obter alguma vantagem individual com a política belicista, seja de caráter econômico ou social. 

Os imperialismos diferem grandemente nos detalhes, mas todos têm ao menos traços comuns que os convertem em um só fenômeno sociológico. Trata-se de um elo na estrutura social, nos hábitos individuais, psicológicos de uma reação emocional. Posto que as necessidades vitais que o criaram tenham passado, este também deve desaparecer gradualmente com toda sua implicação belicista, ainda que esta seja de caráter não-imperialista, até que algo novo tenda a ressuscitá-lo. Se a teoria do autor estiver correta, os casos de imperialismo poderiam declinar em intensidade quanto mais tarde se apresentam na história de um povo e de uma cultura.

Até o surgimento do processo histórico chamado Revolução Industrial, as classes trabalhadoras, conduzidas pelo empresariado, não superavam as velhas formas de vida. Mas uma transformação dos fatores econômicos básicos criou uma oportunidade objetiva da produção de bens em ampla escala industrial, operando somente pela inspiração do máximo benefício financeiro. A situação das classes trabalhadoras foi condicionada por novas formas de trabalho diário, de vida familiar, de interesses; e estes por sua vez corresponderam a novas orientações no conjunto da estrutura social, num processo de racionalização atuante no caso dos mais fortes impulsos imperialistas.

Na lógica da Revolução Industrial, segundo o autor, devemos nos referir também a um novo fator; o sistema competitivo que absorve todas as energias da maioria das pessoas de todos os níveis econômicos. As energias que se liberam em guerras e conquistas são muito menores que as da sociedade pré-capitalista. Em um mundo capitalista, o que era então energia para a guerra converte-se em energia para o trabalho de todo o tipo. As guerras de conquista e de aventura em política externa são consideradas como uma distração enfadonha, destrutiva. Assim, em um mundo fundamentalmente capitalista não pode haver terreno livre para impulsos imperialistas.

Primeiramente onde o capitalismo se estabelece surge uma fundamental uma oposição a guerra. Segundo, surgem também partidários tão veementes da paz que qualquer guerra dá lugar a uma verdadeira luta política em escala doméstica. Posteriormente, o tipo de trabalho industrial criado pelo capitalismo é vigorosamente anti-imperialista. Por fim, a era capitalista tem presenciado o desenvolvimento de métodos para evitar a guerra e conseguir acordos pacíficos nas disputas entre Estados.

Para Schumpeter, na atualidade, o imperialismo deve ocultar-se na visão pública, até que exista na realidade uma velada apelação a instintos guerreiros. Nem as pessoas, nem as classes dominantes podem pretender que a guerra seja o estado normal ou um elemento normal da vida das nações, pelo contrário, deve ser considerada como uma anormalidade, um desastre. Mas mesmo assim, ainda hoje, todos os interesses expansivos que se dão no mundo capitalista se convertem em aliados das tendências imperialistas, mesmo que fluam de fontes não capitalistas, as utilizam, as fazem servir de pretexto, as racionalizam e designam os objetivos de atuação por conta delas.

Mesmo assegurando que onde prevalece o livre comércio nenhuma classe tem interesse de expansão pela força, o autor afirma ser impossível conter ações belicistas. Para ele, a guerra continua servir a quem tem o controle do ponto de vista militar. Considerando que as tarifas protetoras separam as nações e fomentam a eclosão de tendências imperialistas, a intervenção militar pode ser sugestiva. A força pode servir para desmantelar as barreiras aduaneiras e proporcionar o alívio do círculo vicioso da agressão econômica. Além disso, a conquista militar pode ao menos assegurar o controle dos mercados até que se possa competir com inimigo. Dentro de um grupo social que possui um grande peso político, há um poderoso, inegável interesse econômico nas tarifas protetoras, cartéis, monopólios, dumping, uma política econômica agressiva, e em uma política total agressiva e belicosa, o que pode produzir guerras de expansão de caráter tipicamente imperialista. Cabe acrescentar que há um interesse político na guerra e no ódio internacional que tem sua origem na posição insegura dos círculos dominantes.

Para Schumpeter, é uma falácia descrever o imperialismo como uma fase necessária do capitalismo, ou falar que a evolução do capitalismo seria o imperialismo. A relação entre a burguesia e o militarismo é completamente similar a de mercenários e nobres. O belicismo não é necessariamente uma inevitável conclusão quando uma nação mantém um exército poderoso, somente quando os altos círculos militares ascendem ao poder político. O critério básico consiste em saber se os generais que estam no poder exercem influência política e se os homens de Estado responsáveis podem atuar somente com seu consentimento. Mas, o autor afirma que isto só é possível quando o corpo de oficiais está ligado a uma classe social determinada. Cabe acrescentar que os burgueses continentais se acostumaram com a vista das tropas. Nesta lógica, o exército foi considerado um componente necessário a ordem social. Assim, a burguesia decidiu utilizá-lo a seu próprio proveito.

Schumpeter afirma que o imperialismo não coincide com o nacionalismo nem com o militarismo, até que se funda com eles, sustentando ou sendo sustentado por eles. O imperialismo nunca poderia ter surgido involucrado pela “lógica interna” do capitalismo, pois já tinha suas fontes na política da organização social absolutista e nos hábitos de ação de um meio essencialmente pré-capitalista. Neste contexto, este não disporá imediatamente de instintos belicistas, nem de elementos estruturais e formas organizativas orientadas para fazer a guerra, a menos que tenha a sua disposição os interesses nacionais impregnados de valores das classes dominantes com poder decisório capazes de recorrer as armas e a expansão para preservar seu poder ou mesmo sua existência.

DA SILVA, Daniele Dionísio. Resenha – Imperialismo e Classes Sociais, de Joseph Schumpeter  Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº27, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]

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