terça-feira, 17 de setembro de 2013

Erro Estratégico? Dilma não vai aos EUA

O cancelamento da Presidente Dilma Rousseff, em relação à sua visita aos Estados Unidos em outubro, e com anuência dos Estados Unidos, na verdade pode nos colocar em xeque, ou em questionamento: será um erro estratégico?
A decisão, já esperada, na verdade expõe dois grandes pontos: o Brasil está desguarnecido da atividade de inteligência (mesmo que a espionagem tocou o “calo” da Presidente), e o quanto as relações diplomáticas e comerciais entre os países podem ser afetadas?
Ainda é cedo afirmar qualquer pretensão, ou posição, mas o caso poderia ter sido melhor explorado pelo governo brasileiro, pois considerando que Barack Obama não deixou condições para o próprio governo brasileiro, a Presidente Dilma Rousseff poderia ter explorado o fato com maior realismo, principalmente nas agendas que permeiam as atuais negociações com os Estados Unidos (o novo bloco comercial com a Europa, e a aquisições dos caças supersônicos).
Alguns analistas internacionais comentam, que a Presidente Dilma poderia ter uma carta na manga para extrair dos americanos uma possível transferência de tecnologia dos caças supersônico. Outro ponto, seria impor sua visão e cobrança de postura dos americanos diretamente com Barack Obama, e logo em território americano, isso sim, um verdadeira aula de diplomacia e persuasão, mostrando ao mundo a real posição do Brasil no sistema internacional.
Mas um fator preocupante, está no fato de entendermos se isso pode atrapalhar as relações comerciais e diplomáticas. Veja o exemplo dos próprios americanos, o presidente Obama é um grande “vendedor” das empresas americanas no mundo, já o Brasil, ou melhor as empresas brasileiras, são órfãs de um estadista, ou um vendedor, salvo uma construtora, uma mineradora e uma petrolífera, de resto, boa parte das empresas carecem de um apoio mais intenso do Planalto no sistema internacional.
E por coincidência, hoje saiu o indicador do Economist Intelligence Unit (EIU) sobre as 20 economias mais dinâmicas do mundo, e advinha, o Brasil está na posição 42, sendo que caiu 11 posições. Considerando os indicadores da OCDE, o Brasil já está nas piores posições em Educação e Inovação, e somado ao indicador do IMD da Suíça sobre competitividade, o país é uma derradeira destrutiva, literalmente. Assim, a posição da Presidência pode demonstrar fraqueza diplomática, ou uma cena de não saber se impor, diferente do discurso utópico de “não se curvar aos Estados Unidos”, que na verdade nós brasileiros já estamos nos curvando a muito tempo para Venezuela e Bolívia, que não nos trazem nada.
Mas o caso da espionagem americana, de uma forma geral, escancarou o problema, e criou um desgaste na imagem institucional do Brasil, principalmente considerando o já histórico, desgaste do Itamaraty nas rodas internacionais. Mas, por exemplo hoje, a diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Magda Chambriard, afirmou que o setor petrolífero brasileiro não sofre problemas de espionagem como apontado. Isso é um pouco piegas de afirmar, e principalmente em desconsiderar que a prática de inteligência neste setor é muito grande, considerando o peso do recurso energético no sistema mundial, mas já que o setor não foi afetado, assim as denúncias de Snowden perdem força, então por quê usar da espionagem como fator para cancelamento de visita oficial, e de negócios? Será que o fato, vai na mesma linha das audiências oficiais do G20? Que por sinal, nossa Chefe de Estado não compareceu em São Petersburgo.
Mas independente, acredito que a posição poderia ser melhor explorada, principalmente sob a ótica de um Brasil mais forte, que necessita manter relações firmes. Se o problema é espionagem, fortaleça a espionagem brasileira no exterior, lance o Plano Nacional de Inteligência que está engavetado no Palácio do Planalto, e desenvolva uma contra-espionagem de primeiro mundo.
Para alguns analistas, existe também um outro lado, e muitos também acreditam em um acerto, ou um erro estratégico, um recuo, mas qual será o avanço?
O Blog EXAME Brasil no Mundo, conversou com o especialista em Política Internacional, e professor da FAAP, Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge, sobre as conseqüências e cenários gerados em função deste cancelamento de viagem, ou melhor na verdade uma postergação em função do desgaste diplomático que os últimos acontecimentos sobre espionagem americana no Brasil, e em especial diretamente apontados contra a própria Presidente Dilma geraram.
Foto Bernardo
Brasil no Mundo: A Presidente Dilma Rousseff, em nota oficial, confirmou o cancelamento de sua visita aos Estados Unidos agora em outubro. O grande motivo seria os casos de espionagem americana que foram abertos pelo ex-espião Edward Snowden. Será que esta decisão foi prudente? Qual a sua opinião?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: Na minha visão preliminar, não devemos avaliar por enquanto o mérito da decisão, mas tentar compreendê-la. O que um país como o Brasil pode fazer para lidar com os tentáculos do amplo e vasto aparato de inteligência dos Estados Unidos? Alguma coisa tem que ser feita. Os nossos meios técnicos ainda são relativamente incipientes, embora haja muitas pessoas no Brasil interessadas e trabalhando em prol do desenvolvimento da área de inteligência em um ambiente democrático. Em parte o próprio governo (em nível político) é responsável pela espionagem dos EUA, pois a Política Nacional de Inteligência está engavetada e, sem ela, não há um norte orientador para a área. Ademais, a relação entre a cúpula do governo Dilma e a área de inteligência do Brasil, mais especificamente o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo General Elito, ao qual a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) está subordinada, aparentemente não é boa (e sabemos das razões históricas disso), pelo menos através daquilo que lemos na imprensa. Assim, o que resta ao Brasil fazer em um caso como este, da espionagem norte-americana? Agir em nível político numa ação de política externa e diplomática (o nosso forte). Foi o que a Dilma fez ao cancelar a viagem aos EUA.
Brasil no Mundo: O caso de espionagem americana, na verdade escancarou um problema maior para nossa estrutura de defesa, demonstrou que o Brasil está totalmente desguarnecido nas atividades de inteligência e contra-espionagem. Como o senhor vê este problema sob a ótica das relações internacionais?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: As áreas de inteligência e de contra-inteligência são essenciais para um país como o Brasil, o qual, embora às vezes se veja como grande potência, às vezes como potência média, almeja um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas, para participar das decisões de nível global. O que este episódio das revelações de Edward Snowden sobre a espionagem dos EUA no Brasil revela é que o governo não sabe lidar bem com a área de inteligência especificamente e com defesa em geral. Um exemplo disso são os responsáveis por dar encaminhamento à questão: quem tem tratado do assunto é o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e das Relações Exteriores (num primeiro momento, Antonio Patriota e, posteriormente, Luiz Alberto Figueiredo). Pouco se ouviu falar abertamente de medidas nas áreas de segurança e defesa. Aparentemente o GSI está tendo uma atuação marginal no incidente. Uma questão que se coloca é a seguinte: se Dilma não está satisfeita com o trabalho do General Elito, por que não o demite? A insatisfação já não é de agora (basta lembrar o caso das manifestações populares de junho último, por exemplo). Se Nelson Jobim e Antonio Patriota (dois pesos pesados) saíram do governo, por que não Elito? Isso parece indicar que há mais coisas acontecendo no governo do que explica nossa vã filosofia. De qualquer forma, a dimensão da atividade de inteligência e da espionagem nas relações internacionais nunca esteve tão em alta, até talvez mais do que a Guerra Fria. Assim, é possível que esta crise possa ser vista como uma oportunidade para o Brasil repensar, no nível político, o que faz com a área de inteligência. Se houve concursos com 100 vagas para o Instituto Rio Branco, do Itamaraty, nos últimos anos, por que não algo do tipo para a ABIN? E a carreira civil em defesa? Esta aparentemente parou no tempo após a era Jobim.
Brasil no Mundo: Os Presidentes americanos são também conhecidos por serem grandes vendedores das empresas americanas no exterior. As empresas brasileiras são órfãs de um estadista mais “vendedor”? Como o senhor vê a posição do governo brasileiros nas relações comerciais das empresas brasileiras no exterior?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: Na minha visão de acadêmico (não de empresário), percebo a política externa brasileira como uma “abridora de portas” para o comércio exterior do Brasil. É tradição da política externa brasileira buscar diversificar ao máximo os parceiros internacionais e, nesse contexto, auxiliar na inserção internacional das empresas brasileiras. Então, nesse sentido, acredito que a política externa esteja cumprindo seu papel. O Itamaraty está perdendo o monopólio da dimensão comercial, e outros atores governamentais, como o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), ocupando o espaço, o que é percebido como positivo por diversos setores da sociedade, para alavancar ainda mais o comércio exterior. Uma diplomacia presidencial poderia ajudar as empresas brasileiras, mas sabemos que política externa não é o forte de Dilma Rousseff.
Brasil no Mundo: A Presidente Dilma Rousseff não poderia aproveitar a oportunidade da visita e cobrar uma posição mais efetiva dos Estados Unidos, e do próprio Barack Obama, no território americano? O próprio caso da espionagem não poderia ser uma moeda de troca na relação?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: Justamente o cancelamento da visita de Dilma a colocará em uma posição mais forte para cobrar uma resposta mais efetiva dos Estados Unidos. O caso da espionagem certamente será utilizado como moeda de troca na relação, mas a partir desta reposicionamento oriundo da decisão de cancelar a viagem a Washington.
Brasil no Mundo: Para muitos este movimento da Presidente Dilma, foi mais um movimento “anti-imperialista”, como uma visão utópica de “não ser submisso às vontades americanas”. Mas o Brasil tem algumas posturas de se curvar perante à Venezuela e a própria Bolívia. Como o senhor vê este tipo de postura?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: Embora a leitura das relações entre Brasil e Estados Unidos através das lentes do imperialismo seja uma possibilidade, acredito que há outras visões que consigam captar com mais precisão tais relações. O Brasil sempre teve uma postura de busca de autonomia em relação aos EUA e, ademais, evitar a ingerência deste país, tanto no Brasil, quanto na América do Sul e no mundo em geral. O caso da espionagem é um exemplo desta ingerência estadunidense. O interessante é que o Brasil poderia tratar desta questão nos canais diplomáticos, de maneira mais discreta. Porém, está transformando a resposta à espionagem norte-americana em um assunto para ser abordado multilateralmente no âmbito nas Nações Unidas, considerando, inclusive, que outros países também foram alvos dos EUA. E parte desta resposta é o cancelamento da visita de Dilma à Washington: há algum empenho em causar algum constrangimento aos Estados Unidos para tentar, de alguma forma, aumentar ao máximo os custos da espionagem, que não passará despercebida. A espionagem continuará acontecendo, certamente, mas não sem constrangimentos. Em relação à Venezuela e Bolívia, não tem a ver com o Brasil se curvar a estes países, mas sim em absorver suas demandas (considerando que o Brasil tem estatura para isso) em prol de um projeto mais amplo de integração sul-americana.
Brasil no Mundo: Na sua opinião, como os Estados Unidos perceberão a decisão de não visitar o país agora em outubro?
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge: Embora este episódio provavelmente não mudará o desinteresse estratégico da América Latina para os Estados Unidos, Washington perceberá que não poderá conduzir suas ações sem custos. Isso exigirá mais cautela do governo Barack Obama e colocará o Brasil em uma posição relativa de ter mais com o que barganhar, inclusive no processo de renovação dos caças de superioridade aérea, que tem os EUA um de seus finalistas (além da Suécia e França).
Bernardo Wahl G. de Araújo Jorge é Professor de Relações Internacionais na FAAP, FESPSP e FMU-SP. Mestre em Estudos de Paz, Defesa e Segurança Internacional pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP) e Bacharel em Relações Internacionais pela USP.

Fonte: Exame

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