[1]A
Era Digital parece ter entrado de vez na agenda dos Estudos
Estratégicos Internacionais. Cresce diariamente a quantidade de notícias
e de artigos científicos que se relacionam, de alguma maneira, ao tema.
Fala-se, por exemplo, de guerra cibernética; fala-se de espionagem digital;
de ativismo digital; e de tantas outras “cibercoisas” que seria difícil
criar uma lista exaustiva dos assuntos abordados. A forma como a Era
Digital vem ganhando espaço na pesquisa em Estudos Estratégicos sustenta
e ideia de que, de fato, vivemos um momento de descobrimento do poder
das redes. Apesar de a Internet fazer parte do cotidiano da maioria de
nós há pelo menos duas décadas, as formas como ela pode ser explorada
ainda não estão claras, sobretudo quando pensamos no fazer da guerra. É
por esse motivo que este texto propõe reflexões iniciais em torno dos drones,
de como eles se (1) relacionam com a Rede, e de como eles podem (2)
afetar a prática guerreira e as (3) relações sociais no Século XXI.[2]
Não é novidade que os Estados Unidos têm
utilizado VANTs em suas ações militares há algum tempo. Os robôs operam
ou já operaram em países como Afeganistão, Iraque, Iêmen, Somália, e
Paquistão com grande sucesso. Em que pese a crítica sobre seu emprego –
relacionada, sobretudo, a mortes civis, à legalidade dos ataques, e aos
impactos organizacionais que os robôs trazem para as forças armadas –,
os Estados Unidos não apontam para qualquer mudança de posicionamento em
relação ao uso de drones em zonas de conflito. Pelo contrário: tanto o establishment
político (com exceção, talvez, da direita liberal) quanto o militar
parecem seguros das vantagens oriundas do emprego dos robôs, mesmo em solo norte-americano.
As vantagens incluem, entre outras, a autonomia de voo, a ausência de
risco ao operador, e a mobilidade, e foram enfatizadas pelo Presidente
Barack Obama em discurso recente para a National Defense University.
Parafraseando Byman (2013) em artigo para a Foreign Affairs, a Casa Branca utiliza drones
por um motivo muito simples: eles funcionam. Se a Guerra ao Terror
trouxe algum resultado, ele só foi possível, em boa medida, graças ao
emprego de VANTs. Segundo dados da New American Foundation,
mais de três mil insurgentes foram mortos desde a posse de Obama,
incluindo líderes da Al Qaeda e do Taliban. As vantagens táticas
trazidas pelos robôs na realização de operações em ambientes de guerra
irregular complexa já despertaram a atenção de outros países para a
possibilidade de desenvolver e utilizar unidades não tripuladas. Um relatório sobre a proliferação de VANTs ao redor do mundo publicado pelo Government Accountability Office (GAO) norte-americano no ano passado revelou um aumento significativo do número de países que possuem drones:
de 41 em 2005 para 76 em 2012. A maior parte das aeronaves em operação
ainda é utilizada para missões de inteligência, reconhecimento, e
vigilância. O próprio Brasil adquiriu neste ano mais duas aeronaves táticas Hermes 450 (RQ 450), produzidas pela empresa israelense Elbit. Desde 2010, o país já contava com duas unidades do Hermes 450, cedidas em comodato pela mesma Elbit
e utilizadas para o monitoramento da Amazônia e de eventos como o
Rio+20, por exemplo. Atualmente, apenas os Estados Unidos, Israel, e o
Reino Unido possuem aeronaves de combate em operação.
Grande parte dos drones funciona
mais ou menos como aeromodelos, ou seja, é dirigida através de
controle-remoto por um operador humano. Diferentemente de um aeromodelo,
contudo, VANTs militares são guiados através de satélites e podem
enviar informação de volta para o cockpit da base em tempo real. Operam, portanto, através daquilo que denominamos ciberespaço,
e por isso compartilham vulnerabilidades e desafios de segurança
semelhantes àqueles que, cada vez mais, vêm sendo descobertos e
apontados no que diz respeito às redes de computadores.
Diferentemente também de um aeromodelo, drones
mais modernos são capazes de realizar tarefas simples, incluindo a
detecção e o reconhecimento de alvos, sem a ajuda de um controlador
humano. Chamamos a capacidade que alguns robôs têm de tomar decisões por
conta própria de autonomia. A autonomia, por sua vez, está diretamente
relacionada à capacidade que alguns robôs têm (ou podem ter) de matar
(Arkin, 2009). O desenvolvimento de unidades totalmente autônomas é,
atualmente, uma das questões mais controversas sobre drones, um
desafio para filósofos, programadores, e, principalmente, agentes
políticos, responsáveis pela decisão final sobre seu uso em campo de
batalha.
Em linhas gerais, argumentos a favor do
emprego de VANTs em operações militares apontam para ganhos de
eficiência e efetividade; ganhos de discriminação e proporcionalidade; e
diminuição de baixas. Argumentos contrários ao emprego de VANTs em
operações militares, por sua vez, apontam para banalização da guerra;
para proliferação descontrolada; para a ampliação dos focos de conflito;
e para o roubo e emprego da tecnologia por inimigos do Estado, em
especial organizações criminosas e terroristas (Cronin, 2013). Além
disso, o debate está envolto por questões de caráter ético e moral mais
profundas, relacionadas à discriminação entre combatentes e não
combatentes, danos colaterais, e estruturais. Mais recentemente,
abordam-se ainda as consequências psicossociais da chamada “mentalidade
Playstation” dos operadores que, mesmo distantes do campo de batalha,
sofrem também o estresse da guerra (Fitzsimmons, 2013).
Até o momento, contudo, a evidência
empírica colhida a partir das operações americanas no Oriente Médio,
sobretudo no Paquistão, não favorece nem um, nem outro lado da disputa.
Os dados sobre baixas civis, um dos pontos mais delicados do debate, são
controversos e variam de fonte para fonte. Em princípio, é razoável
afirmar que sistemas guiados eletronicamente têm maior precisão e que,
portanto, o emprego de drones tende a diminuir o número de mortes
civis. A dificuldade de computar os óbitos, contudo, é evidente: em
ambientes de guerra irregular complexa, distinguir combatentes de não
combatentes é uma tarefa difícil para os operadores. É por esse motivo
que Washington tem considerado combatente qualquer homem apto ao serviço
militar. Além disso, a Casa Branca tem praticado os chamados signature strikes:
ataques focados em grupos de suspeitos, não em indivíduos. A política
em voga é, portanto, atacar primeiro e verificar a inocência dos mortos
depois.
Se os limites morais para o emprego de
robôs ainda não estão bem definidos, há que se ponderar também os
limites técnicos que permeiam a questão. A possibilidade de
interceptação da comunicação entre o drone e a base não é uma hipótese totalmente descartada. Em 2009, o The Wall Street Journal publicou uma reportagem revelando a ação de hackers para a apropriação de vídeos capturados por um Predator no
Iraque. Segundo oficiais do Pentágono, até aquele momento as
transmissões não eram criptografadas. Desde o incidente, garantir a
segurança dos sistemas operacionais das aeronaves e das linhas de
comunicação tem sido uma preocupação constante dos militares. Isto não
impediu que um vírus infectasse os computadores da base de Creech, Nevada, um dos principais pontos de monitoramento de drones da USAF. Apesar de os cockpits
não estarem conectados diretamente à Internet (pelo contrário, estavam
isolados propositalmente da grande Rede), a infecção possivelmente
ocorreu através de unidades portáteis como CDs e pendrives. Isso significa que o fator humano, ou peopleware,
é fundamental para garantir a segurança e o sucesso de operações com
unidades não tripuladas, a despeito da autonomia relativa dos robôs.
Isso não significa, por outro lado, que a segurança das redes de
comunicação não deva ser reforçada. No ano passado, alunos da
Universidade de Austin, Texas, “sequestraram” um VANT civil através da conexão que a aeronave estabeleceu com seu GPS. Se a popularização de drones
civis seguir a mesma tendência apontada pelo relatório do GAO,
incidentes como esse podem se tornar frequentes e pôr em risco a
segurança dos cidadãos. Sobretudo se considerada a facilidade com a qual pequenas aeronaves podem ser projetadas
e montadas e, principalmente, a interoperabilidade desses dispositivos
com outros computadores através da Internet. Não à toa que o debate
sobre a regulamentação de VANTs civis ganhou tanto destaque nos Estados
Unidos nos últimos anos.
Em 2012, o Presidente Obama aprovou o FAA Modernization and Reform Act. O documento determina, entre outras medidas, que a agência de aviação civil dos Estados Unidos – a Federal Aviation Administration (FAA) – desenvolva um plano para regular a atividade de drones
no espaço aéreo do país até 2015. Desde a aprovação do Ato, projetos de
lei sobre o assunto vêm sendo discutidos em diversos estados
americanos. Segundo o The Wall Street Journal,
apenas Colorado, Connecticut, Dakota do Sul, Delaware, Louisiana,
Mississippi, e Vermont ainda não entraram no debate. As iniciativas
estatais estão vinculadas, segundo alguns analistas,
à falta de supervisão Congressual sobre o tema e à percepção de que o
emprego de unidades não tripuladas em céu americano poderá incentivar o
estabelecimento de um Estado intrusivo e pernicioso. Além disso, há
também a percepção, por parte dos governos estaduais, de que falta
transparência na Casa Branca quando o assunto é drones.
Se o debate sobre a regulamentação do
emprego de VANTs em atividades militares já é controverso, as disputas
sobre o seu emprego para monitoramento interno nos Estados Unidos e o
aumento do número das aeronaves civis em operação no país geram ainda
mais dores de cabeça para a administração Obama. Conforme se viu, os
problemas oriundos do uso civil de veículos não tripulados extrapolam
lógicas estritamente securitárias, e relacionam-se também a questões de
economia política, sobretudo se considerados os ganhos econômicos que a
nascente indústria de drones norte-americana poderá trazer nos próximos anos. O aquecimento do mercado civil e a possibilidade de ganhos de escala e escopo por parte da indústria – sem contar as vantagens oriundas de processos de spillover tecnológico (o robô militar PackBot e o robô doméstico Roomba, por exemplo, compartilham componentes) e de geração de empregos – pressionam duplamente as reformas iniciadas através FAA Modernization and Reform Act. De um lado, há o crescimento do lobby
das indústrias aeroespacial e de tecnologia da informação junto ao
Congresso. Soma-se a ele o interesse das operadoras de telecomunicação
no emprego de drones como minissatélites
para (re)transmissão de dados telefônicos, de banda-larga, etc. De
outro lado, estão os cidadãos e organizações civis que temem a redução
de liberdades fundamentais decorrente da Guerra ao Terror e do
recrudescimento de programas de vigilância estatal no pós-11/09. É o olho no céu do Grande Irmão Orwelliano em questão. Nesse caso, a paranoia está, literalmente, no ar.
Referências:
ARKIN, Ronald (2009). Governing Lethal Behavior in Autonomous Robots. Boca Raton: CRC Press.
BYMAN, Daniel (2013). “Why Drones Work: The Case for Washington’s Weapon of Choice”. Foreign Affairs, vol. 92, n. 4, pp. 32-43, 2013.
CRONIN, Audrey Kurth (2013). “Why Drones Fail: When Tactics Drive Strategy”. Foreign Affairs, vol. 92, n. 4, pp. 44-54, 2013.
FITZSIMMONS, Scott (2013). “Killing in High-Definition: Combat Stress Among Operators of Remotely Piloted Aircraft”. In: INTERNATIONAL STUDIES ASSOCIATION ANNUAL CONVENTION 2013, San Francisco, CA, USA.
Thiago Borne é doutorando em Estudos Estratégicos Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, pesquisador do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia – ISAPE, e bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS (thiago.borne@ufrgs.br).
[1] O autor agradece os comentários e revisão do colega Diego Rafael Canabarro.
[2]
O texto está centrado na análise da atuação de veículos aéreos não
tripulados (VANTs). Muitos dos pontos abordados no artigo, contudo,
podem ser considerados para pensar também o emprego de robôs terrestres e
submarinos.
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