A confusão na qual a empresa Blackwater se meteu no Iraque (com saldo de 17 mortos) em setembro de 2007 não abalou o aquecido mercado da segurança privada. PLAYBOY esteve numa conferência de soldados de aluguel e revela: montar um exército particular para tomar o poder em um pequeno país é mais fácil e custa muito menos do que você imagina
Jonathan Franklin - Fotos Morten Andersen
13h48 26/03/2008
“O Oriente Médio está esfriando, nada mais acontece por lá, fiquem de olho na África! Nigéria, Sudão, Darfur, é lá que a próxima explosão vai acontecer”, diz Bill Wallace, um piloto de helicópteros militares aposentado. Wallace é um homem baixo, de aspecto amistoso, com um sorriso fácil e familiarizado com “explosões” – por 26 anos, ele voou para o Exército norte-americano. “Se a coisa tiver asas, eu a faço voar”, ele se gaba. E, agora, está montando sua própria força aérea.
Recrutando seus antigos colegas do Exército, Wallace criou uma esquadrilha particular – ele tem 26 helicópteros Huey da época do Vietnã no deserto do Arizona. “Estive no Iraque, dá para ganhar dinheiro lá, um monte de dinheiro”, conta. “Mas agora estou trabalhando sozinho.” Em todo o território norteamericano, ele montou uma rede de 52 pilotos esperando por um chamado.
Wallace só precisa de uma missão – motivo pelo qual, em outubro passado, ele esteve em Washington, onde pagou uma taxa de inscrição de 750 dólares para participar da conferência da International Peace Operations Association (Associação Internacional para Operações de Paz – Ipoa). Wallace não lembra em nada um mercenário casca-grossa. Parece mais um professor universitário mal vestido, irrequieto, que lê o tempo todo. Durante um intervalo para o cafezinho, porém, ele me mostra que não é exatamente o intelectual que parece ser. Sem motivo algum, olha nos meus olhos e diz: “Eu matei gente antes mesmo que você começasse a pensar nisso”.
Ele é exatamente o tipo de sujeito que estou procurando. Assim, sento-me ao seu lado em um dos salões do Phoenix Plaza, um hotel com diárias a 400 dólares a apenas dois quarteirões do Capitólio, enquanto um coronel do Exército norte-americano faz uma apresentação em PowerPoint sobre as guerras na África. Olhando para a multidão, o coronel manda uma mensagem muito clara: “Não vamos lá para brincar, vamos para uma ação de longo alcance. Graças a Deus vocês estão aqui. Vocês são os verdadeiros heróis. A história ainda não acabou”.
Wallace ironiza a afirmação do militar de que tudo é uma grande operação humanitária. “Muitas empresas [presentes à conferência] dizem que pensam nos interesses destes países. Estão mentindo. Só estão aqui pelo dinheiro, assim como eu.”
O meu exército
Mas eu estava lá por outra razão: para investigar aquele novo negócio em expansão. Os norte-americanos tiveram sucesso em transformar a guerra em um negócio particular. Por que não levar essa lógica grotesca um passo adiante e descobrir quantos ingredientes essenciais para um golpe militar eu poderia obter durante os três dias da conferência?
Começo pelas armas. Faço a pergunta a Wallace, que parece entediado com o coronel. Apanho um guardanapo do Phoenix Plaza e escrevo: “Quanto por 5 mil AK-47s?”.
Wallace rabisca uma única palavra como resposta: “Victor”.
“Victor?”, eu pergunto.
“É, Victor Bout. Ele mexe com todo o mundo, tem seus próprios aviões, é o cara, todo mundo o procura. Fornece para governos, grupos legítimos e não-legítimos. É o Wal-Mart das armas.”
Quanto mais perguntas faço, mais complicado fica. Preciso de centenas de granadas para defender minhas posições (200 dólares cada). Há itens comparativamente baratos (as balas de metralhadora custam apenas 50 centavos de dólar), mas necessito de pelo menos 20 metralhadoras leves – a 1 200 dólares cada.
Sentado no Dubliner, o bar irlandês do hotel, discuto o transporte com dois africanos. Será que eu deveria alugar um helicóptero soviético Mi-8 (10 mil dólares a hora) ou comprar um (450 mil dólares)? A vantagem de comprar é que posso customizá-lo com metralhadoras 7.62 mm e suportes para armas capazes de disparar mísseis antitanque Skorpion ou foguetes. Pilotos (dois por aparelho) vão me custar 3 mil dólares por dia, logo, estou chegando rapidamente ao segundo milhão.
Mas planejar um pequeno golpe de Estado não é só comprar armas e helicópteros. Aparentemente, qualquer um pode obter 5 mil metralhadoras AK-47. O conspirador profissional de hoje precisa de contadores, financistas e de uma gama de profissionais que vai de médicos a mecânicos. Foi por isso que vim a Washington, para entender como o sombrio mundo dos mercenários se transformou em um negócio legítimo no qual os ternos e as gravatas sobrepujaram as tatuagens.
A multidão é amigável e, apesar de queixas sobre o monopólio dos negócios por grandes empresas com contatos políticos, todos admitem que a era de 2004 a 2006 foi uma verdadeira “Corrida do Ouro”. “Você só tinha de ficar andando pelo palácio com a mão erguida e conseguia um contrato”, diz um mercenário sueco, descrevendo a situação em Bagdá. “Era exatamente assim, muito fácil.”
“Estou fazendo 400 mil dólares por mês no Iraque”, diz Rolf, um empresário sul-africano. “Se amanhã eles apagarem as luzes por lá, recolho minhas fichas e volto para casa.”
Nessa conferência, eu esperava ter uma visão privilegiada da Blackwater, a maior empresa de segurança privada em atividade no Iraque. Mas, embora sejam os patrocinadores oficiais da Ipoa, os garotos bons de gatilho da Blackwater não eram vistos em parte alguma de Washington. Dias antes da conferência, a empresa desapareceu da lista de patrocinadores da Ipoa. O que houve? Em 16 de setembro de 2007, um tiroteio realizado por homens da Blackwater em Bagdá deixou 17 civis iraquianos mortos e a reputação da indústria de segurança gravemente ferida. “Esse é um ramo com um sério problema de imagem”, disse-me o dono de uma empresa européia de mercenários. “Antes, nossos sites tinham soldados durões e armas pesadas; agora, têm elefantes e flores.”
A profissão mais antiga do mundo
Mercenários e exércitos particulares não são nenhuma novidade. Como pode a prostituição ser a “profissão mais antiga do mundo”? Alguém tinha de contratá-las! Papel que coube à classe guerreira. Mercenários das cavernas, mercenários neandertais, eles estavam lá primeiro. O que mudou foi a natureza letal da tecnologia. Antigamente, um comandante precisava de milhares de homens se quisesse alterar a balança do poder. Hoje, a natureza da guerra está concentrada no modelo das Forças Especiais – equipes pequenas, cerca de 12 pessoas, voltadas para operações furtivas e de guerrilha. Esses grupos são capazes de se infiltrar em um país, estourar o Banco Central, destruir a rede de energia e assassinar figuras – chave do governo ou da oposição.
Os mercenários de hoje podem embarcar em um helicóptero ou em um avião 727 alugado que os depositará em qualquer parte do mundo. Com GPS e telefones via satélite, podem efetuar reconhecimentos nos mais remotos rincões do globo. Embora a Europa e as Américas tenham sido poupadas de ataques por exércitos mercenários particulares, no continente africano a prática é tão comum que uma empresa especializada em golpes de Estado foi constituída em 1989.
Com o nome de Executive Outcomes (EO), a empresa esteve envolvida em meia dúzia de golpes realizados ou tentados, de Serra Leoa a Angola, onde, em 1994, a EO organizou uma força particular de 4 mil homens para atacar rebeldes e retomar instalações petrolíferas. A EO recebeu 80 milhões de dólares do governo angolano. Já o governo de Serra Leoa pagou em diamantes e em concessões de minas.
“A Executive Outcomes era um exército de aluguel à disposição de quem oferecesse mais, embora seus líderes tivessem o cuidado de escolher clientes favorecidos por governos ocidentais”, escreve Adam Roberts em seu livro The Wonga Coup, que descreve os golpes organizados pela EO na África.
Com base nessas experiências, decido realizar meu golpe particular em uma nação africana – e procuro pelos ingredientes essenciais: algo que valha a pena roubar. Diamantes? Ouro? São idéias tentadoras, mas, como sou norte-americano, opto pelo petróleo.
A Guiné Equatorial é o meu alvo. Uma nação com 500 mil pobres almas, uma ditadura familiar corrupta, bilhões de dólares em petróleo e um histórico de ataques mercenários privados. Calcularei minhas necessidades de equipamento com base em um cenário real: um golpe particular organizado há três anos.
Em 2004, um grupo de comandos sul-africano foi organizado pela Executive Outcomes para tomar o país. O plano incluía 80 homens, um 727 alugado e um helicóptero financiado em parte por Mark Thatcher, filho da ex-líder britânica Margaret Thatcher. O plano foi elaborado com antecedência. Os organizadores recrutaram soldados do 32º Battalion – tropas de choque da era do apartheid na África do Sul. O golpe falhou, já que os mercenários quebraram a primeira regra das operações secretas: não ficaram de boca fechada.
Em busca do modelo ideal
Durante os três dias da conferência, usei o golpe fracassado como meu guia para saber de quantas armas, homens e suprimentos precisaria. Para minhas compras, conversei com antigos agentes da CIA, banqueiros que poderiam financiar a compra de armas e empresas de transporte em condições de fornecer um 727 para conduzir as tropas. Mas meu foco era achar homens dispostos a realizar a missão. Quando pergunto sobre a possibilidade de contratar centenas de mercenários, cada um tem seus favoritos.
“Você precisa é dos sul-africanos; não são baratos, mas são durões”, diz John Oldridge, dono da Ventures, uma empresa de mercenários com sede em Dubai. Oldridge tem atualmente uma grande força no Iraque – cerca de 200 sul-africanos e 500 NTs (nacionais terceirizados) iraquianos. Segundo ele, os sul-africanos têm familiaridade com o ambiente e muita experiência. “Oitenta por cento do meu pessoal já foi atingido ou atingiu alguém. São todos sul-africanos. Os caras do 32º Battalion são os melhores, mas são difíceis de encontrar hoje em dia, já que metade tem aids. Não sobraram muitos.”
Minha busca por guerreiros particulares revela a globalização dos mercenários. Embora os jornais ainda falem de empregos de 1 000 dólares por dia em Bagdá, isso já é passado. Mão-de-obra barata do Peru e do Zaire fez o preço cair a 40 dólares diários para tarefas básicas de guarda. “Ninguém precisa de um James Bond para vigiar o portão”, diz Doug Brooks, presidente da Ipoa. “Os colombianos são o melhor negócio. Têm lidado com terroristas e forças de segurança a vida toda”, diz Larry, um ex-agente da CIA na África do Sul.
No fim, acabo optando pelos sulafricanos. Mesmo a 400 dólares por dia, eles são uma combinação de experiência e economia. Para alugar 80 comandos por um mês? A conta fica em 1 milhãozinho.
Quanto aos oficiais, vou roubá-los do Exército norte-americano. Já ouvi tantas histórias nessa conferência sobre o recrutamento de agentes e comandos que sei que essa “colheita” vem acontecendo em grande escala. Grande o suficiente para fazer as Forças Especiais dos EUA redesenharem seu programa de incentivos para impedir oficiais experientes de desertar para o setor privado. “Há três ou quatro anos, oferecíamos 30 mil dólares de bônus para manter esses caras”, explica o coronel Christopher Hooshek. “Hoje, o bônus subiu para 150 mil.”
Apesar da facilidade para obter armas e tropas, os mercenários profissionais me disseram que estão chegando ao fim os dias em que um indivíduo era capaz de organizar um exército privado. Os lucros e o poder conquistados com golpes particulares são valiosos demais para serem deixados nas mãos de empreendedores privados. Assim, está ocorrendo uma virada no setor: está surgindo o exército corporativo particular.
Siga o petróleo
Em março de 2006, Cofer Black, vice-presidente da Blackwater, fez um discurso no qual ofereceu ao mundo uma força de combate do tamanho de uma brigada – de 3 mil a 6 mil soldados. “É uma idéia interessante do ponto de vista prático, porque temos baixo custo e somos rápidos”, disse Black, que já chefiou a força-tarefa da CIA para capturar bin Laden. A força seria usada como uma extensão do Exército dos EUA. “Conseguiríamos a aprovação do governo para tudo o que fizéssemos por nossos amigos no exterior.”
Para os norte-americanos, o uso de brigadas mercenárias particulares é perfeito: libera soldados regulares dos EUA para outras tarefas e evita o gesto politicamente suicida de convocar jovens para servir em uma guerra impopular. “O uso crescente desses ‘empreiteiros’, forças particulares ou, como diriam alguns, mercenários, torna mais fácil iniciar e ganhar guerras – consome apenas dinheiro, e não cidadãos”, diz Michael Ratner, presidente do Center for Constitutional Rights, um grupo sediado em Nova York que está processando a Blackwater pela morte dos civis iraquianos. “Exércitos particulares são hoje quase uma necessidade para os Estados Unidos, obcecados por manter seu império.”
Enquanto a mídia se concentra no Afeganistão e no Iraque, a indústria das “operações de paz” está migrando para o sul, especificamente para a África. Em 2008, todos os olhos estarão voltados para o Sudão e seu petróleo. Mas ninguém menciona isso. O discurso oficial é o de fornecer abrigo e segurança para as vítimas da guerra civil no país. “W [o presidente Bush] já assinou. É um projeto [humanitário] enorme. Tão grande que o único capaz de administrar algo assim é o Pentágono. Será uma maravilha para o nosso grupo”, confidencia John Stuart Blackmore, palestrante na conferência. “O Oriente Médio está estável em comparação com a África. Todos os conflitos estão migrando para lá”, diz um mercenário sueco. “Siga o petróleo – lá estarão os negócios.” Essa é a receita do sucesso.
Quanto custa tomar um pequeno país?
Baseado em informações fornecidas por experientes combatentes, orçamos os custos básicos para tomar uma pequena nação. Este orçamento em dólares supõe que água e comida serão obtidos no país que servirá como base e naquele que será alvo da operação. Esta estrutura pode ser conseguida no mercado de mercenários .
Fonte: Playboy
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