terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Milícias armadas desafiam tráfico no México


Homens mascarados, rifles nos ombros, montam guarda numa solitária estrada rural, verificando documentos de identidade e questionando viajantes. Eles não usam uniformes nem ostentam brasões de polícia, mas aqui eles são a lei.
Mais de uma dezena de municípios na área se levantou numa revolta armada contra traficantes locais que aterrorizam a região e um governo que, segundo moradores, é incapaz de os proteger contra o crime organizado.
Os municípios das montanhas do Estado de Guerrero, ao sul do país, agora proíbem o exército mexicano e as polícias estadual e federal de entrar. Milícias improvisadas carregando um arsenal variado de facões, rifles velhos de caça e, ocasionalmente, um rifle semi-automático AR-15, controlam as cidades. Estranhos são proibidos de entrar e há um toque de recolher às dez da noite. Mais de 50 prisioneiros, acusados de pertencerem a gangues de traficantes, estão em prisões improvisadas. O destino deles está nas mãos de tribunais públicos nos quais os acusados serão denunciados diante dos moradores, que atuarão como juízes e jurados.
O crime caiu substancialmente — pelo menos por enquanto. Residentes dizem que os sequestros pararam quando as milícias assumiram o controle, assim como as extorsões que haviam se tornado o flagelo de donos de negócios e fazendeiros. O líder de uma das milícias, que usa o codinome G-1, mas foi identificado por conterrâneos como Gonzalo Torres, resume assim: "Trouxemos ordem de volta a um lugar que tinha se tornado um caos. Conseguimos fazer em 15 dias o que o governo não fez em anos."
Ainda assim, alguns assustados moradores de Ayutla, a principal cidade da região, contam histórias de como foram presos por mais de uma semana antes de serem considerados inocentes e libertados. E um homem foi morto a tiros quando tentava escapar de homens mascarados em um posto de controle.
Justiça comunitária há muito faz parte da vida rural mexicana. Agora ela está assumindo um papel importante na guerra do país contra as drogas. Por todo o México, de cidades próximas à capital até a problemática fronteira com os Estados Unidos, multidões lincharam suspeitos de traficar drogas e atiraram naqueles acusados de os ajudar. No ano passado, uma cidade madeireira em um Estado vizinho partiu para a guerra quando traficantes do cartel La Familia Michoacana tentaram tomar posse de suas florestas.
A rebelião na área de Ayutla, a duas horas de carro do balneário de Acapulco, é diferente de outras porque ela começou a se espalhar pela região. Em duas semanas, bandos em seis outras cidades do Estado de Guerrero impuseram a lei dos vigilantes, inclusive na cidade de Iguala, de 140.000 habitantes. No Estado vizinho de Jalisco, grupos cogitam fazer a mesma coisa.
Milicianos estão tomando o lugar da polícia em áreas rurais no México. Moradores dizem que o governo é incapaz de protegê-los contra os traficantes
Algumas autoridades do governo estão até apoiando as milícias. O governador de Guerrero, Ángel Aguirre, reuniu-se com os vigilantes e diz que as leis do estado dão aos moradores o direito de se autogovernar. O prefeito de Ayutla, Severo Castro, diz que os novos grupos são bem-vindos. Em uma noite recente, ele apontou para uma barreira a alguns blocos de distância e disse que a cidade está praticamente sem crimes pela primeira vez em anos.
"Há agora dois departamentos de polícia", disse ele. "Aqueles com uniformes e outro de mascarados, que são muito mais corajosos."
Esse sentimento parece ser compartilhado até mesmo pela polícia local, que tecnicamente ainda está em serviço, mas que agora parece se limitar a controlar o trânsito ao redor da praça central, deixando o resto do trabalho de policiamento para as milícias.
O chefe de polícia, Juan Venancio, um homem de meia-idade de rosto grande e bigode, disse que a polícia local teme demais o crime organizado.
"Poderíamos prender um bandido por extorsão, mas se não conseguirmos provar, teríamos que soltá-lo", disse. "Mas, aí, e nossas famílias? Você acha que não temos medo de que eles se vingarão depois de soltos?"
De certa forma, a vida está voltando ao normal aqui depois de anos de insegurança. Os mesmos habitantes que costumavam sofrer extorsões dos traficantes agora trazem melões e tamales para os membros das milícias fazendo plantão nas barreiras.
Vilarejos remotos em Guerrero, uma das regiões mais independentes do México, há muito reclamavam da escassez de policiais tomando conta de suas cidades. Em 1995, o Estado aprovou uma lei permitindo que as cidades formassem "polícias comunitárias", que funcionavam como organizações de vigilância locais. Esses grupos podiam prender suspeitos e entregá-los às autoridades, mas a lei não autorizava o julgamento dos acusados.
Em 2006, a guerra contra as drogas havia começado a enfraquecer as já problemáticas instituições do México. Áreas como a Cidade do México se mantinham sob firme controle, mas o poder do Estado em áreas rurais diminuía. Cerca de 65.000 mexicanos foram mortos desde 2006, mas apenas uma pequena parcela desses crimes foi resolvida — ou sequer investigada, segundo o governo e juristas.
"O México tem uma taxa de condenação de 2% e os mexicanos reparam isso", diz Sergio Pastrana, professor de sociologia da Universidade de Guerrero, que estudou as regiões rurais. "Isso provocou inquietação e a determinação de alguns de assumir o controle."
Moradores de Ayutla dizem que a cidade nunca foi isenta de crimes — bandidos algumas vezes roubavam pessoas cavalgando na estrada, por exemplo — mas a ameaça do crime organizado é algo novo.
Alguns anos atrás, um grupo conhecido pelos moradores como Los Pelones — literalmente, Os Carecas — entrou em Ayutla e começou uma onda de delinquência que incluía drogas e outros crimes, disseram moradores.
Castro, o prefeito, disse que a filha dele de 19 anos foi sequestrada dois anos atrás e que ele pagou um "soma grande" para que ela fosse libertada. Em julho passado, o corpo do chefe de polícia da cidade, Óscar Suástegui, foi encontrado numa lixeira. Ele foi morto com 13 tiros. As autoridades disseram que parece ter sido obra de uma quadrilha. Ninguém foi preso nos dois casos.
Moradores de Ayutla dizem que o Los Pelones começou a fazer extorsões ano passado, exigindo pagamentos em troca de proteção aos donos das barracas do mercado perto da praça central de Ayutla. Em novembro, teve início uma onda de sequestros cujas vítimas incluíram vários comissários, espécies de prefeitos eleitos localmente.
Quando Eusebio García, comissário de Rancho Nuevo, foi capturado, no dia 5 de janeiro, dezenas de moradores se armaram e formaram um grupo de busca. Na manhã seguinte, o grupo encontrou García em uma casa próxima com seus captores, que foram presos, disseram milicianos.
"Este foi o ponto da virada, o momento em que tudo explodiu aqui", diz Bruno Plácido, um dos líderes dos grupos armados. "Mostramos o poder que o povo armado tem sobre o crime."
Quando a notícia de que García havia sido libertado se espalhou, proprietários rurais dos municípios ao redor de Ayutla também se armaram. Eles invadiram casas por toda Ayutla, prendendo indivíduos que acreditavam ser olheiros, traficantes, sequestradores e assassinos. Outros moradores montaram barreiras pela cidade.Os vigilantes agora estavam no comando.
As milícias estão agora agindo contra outros tipos de crime além dos cartéis de drogas e, no processo, revelando algumas falhas associadas à justiça comunitária.
Em um dia recente, homens mascarados prenderam Juan de Dios Acevedo, o dono de um bar. Eles o acusavam de estar envolvido no caso de estupro de uma mulher local. Enquanto ele era colocado em uma caminhonete, a mãe dele foi buscar documentos da Justiça que diziam que Acevedo já havia sido preso e posteriormente inocentado do crime. "Isso é uma acusação falsa e agora estou sendo preso pela segunda vez", protestou ele. Os vigilantes não se comoveram e o levaram para interrogação. Mais tarde, ele foi solto, ileso.
Um centro de detenção improvisado pelos habitantes de El Mezón tem mais de vinte de homens e mulheres acusados de pertencerem ao Los Pelones. Não há verba para a prisão, dizem os moradores. Os prisioneiros comem arroz e tortilhas doadas e dormem no chão sobre pedaços de papelão. O comandante mascarado do local, que não quis dar seu nome ou permitir entrevistas com os prisioneiros, disse que eles estavam sendo bem tratados e que teriam a chance de se defender no tribunal público do município. "A vila será o jurado deles", disse ele. "Se a vila salvar você, você será solto. Caso contrário, será condenado."

Fonte: WSJ

Nenhum comentário:

Postar um comentário