RESENHA: TERRORISMO NA AMÉRICA DO SUL, UMA ÓTICA BRASILEIRA |
Resenha de SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; CHAVES, Daniel Santiago (Orgs). Terrorismo na América do Sul: uma ótica brasileira. Rio de Janeiro: Editora Multifoco, 2010, 310p. por: Priscila Henriques Lima 1 |
O livro “Terrorismo na América do Sul” é o resultado da produção acadêmica do Laboratório de Estudos do Tempo Presente, fruto das atividades realizadas pelo grupo de pesquisa GAATI (Grupo de Acompanhamento e Análise do Terrorismo Internacional), numa parceria com o Consórcio Rio de janeiro de Estudos de Relações Internacionais, Segurança e Defesa Nacional. A realização dessa obra foi possibilitada pela pesquisa de 12 autores, constando a produção de oito artigos, quatro resenhas e uma entrevista, organizados por Francisco Carlos Teixeira da Silva e Daniel Santiago Chaves. Francisco Carlos é professor titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de publicações como O Século Sombrio (2005), Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX (2005), Os Impérios na História (2009) e Neoterrorismo (em conjunto com Alexander Zhebit, 2009) e Daniel Chaves é mestre em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo publicado Bolívia: passos das revoluções (em conjunto com Miguel Sá e Rafael Araújo, 2009). As pesquisas que compuseram a obra em questão sempre tiveram como norte a realização de uma análise objetiva do problema do terrorismo, ainda tão pouco discutido nos foros da comunidade internacional, nas instituições ou mesmo em organizações da sociedade civil. Essa escassez se dá devido à heterogeneidade da utilização do termo dentro das mais diversas culturas. Constando de maneira significativa na pauta da Segurança Internacional, o terrorismo é levado a um alto grau de importância após o atentado de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center em Nova York, episódio central para a retomada dos debates acerca do tema.
Pensando no contexto da Guerra fria, o terrorismo era visto como ferramenta de um mundo bipolarizado, corroborando com os interesses geopolíticos das grandes potências envolvidas no conflito. Com o término do conflito, seria possível concluir que desapareceriam os movimentos terroristas e especificamente na América Latina, ocorre a continuidade de focos guerrilheiros, deixando claro que o cerne desses movimentos ia além da influência do conflito até então em voga.
Em Terrorismo e guerra na era da assimetria global, de autoria de Francisco Carlos Teixeira da Silva, percebemos a mudança no perfil das novas guerras travadas pelos Estados Unidos da América para o século XXI, dotadas de duas características básicas: “(a) o uso intensivo de alta tecnologia e (b) a ação decisiva de tropas especiais, ou de elite, visando decapitar o inimigo” 2. Esse novo perfil possibilitaria a participação de um menor contingente humano, já que dotados de alta tecnologia, a velocidade superaria a massa, fator ocorrido durante a Guerra do Vietnã com sua grande quantidade de mortos, levando este conflito a um conceito pejorativo para as guerras americanas. O enfrentamento americano à outros países também se embasa a guerra como instrumento político, possibilitando aos EUA a retomada da ação política e militar em qualquer parte do planeta.
O terrorismo internacional contemporâneo e suas conseqüências para a Segurança e Defesa do Brasil, autoria de Alexandre Arthur Cavalcanti Simioni, procurou-se analisar a postura brasileira após o ataque de 11 de Setembro, levando o país a reiniciar discussões acerca da segurança nacional num processo de reavaliação das políticas de segurança e de defesa nacionais, assim como a participação das Forças Armadas na luta contra o terrorismo e principalmente, na participação desta no enfrentamento aos movimentos guerrilheiros dos países vizinhos, num movimento de cooperação na América do Sul. É notável a necessidade de adequação do Brasil no sentido de resguardar-se a ameaça terrorista, atuando em dois pontos: preparando-se internamente através das instituições como externamente por meio de cooperação internacional. Entretanto, o autor relata no decorrer do artigo o fato de que ainda não foram realizadas mudanças no sentido do aprimoramento da integração e da coordenação dos tramites da Segurança e a Defesa nacional, levando a indefinição das responsabilidades dentre as instituições nacionais que estariam envolvidas no combate ao terrorismo. Sobre a utilização das Forças Armadas, Simioni nos diz que existem duas linhas atuantes no país: aquela que delega as instituições domésticas o combate ao terrorismo, por compreendê-lo como uma questão interna dos estados, e outra que afirma ser das Forças Armadas a responsabilidade do combate, por considerar que as operações das organizações terroristas partem do exterior. Todavia, o autor nos diz que não há ainda uma definição acerca da utilização das Forças Armadas, por não haver um esclarecimento legislativo sobre a prática do terrorismo em território nacional. Sobre o aspecto da cooperação internacional, o estudo de Simioni nos mostrou que o Brasil começou a adotar medidas preventivas por meio de acordos bilaterais e multilaterais, como por exemplo na sua atuação junto ao Comitê Interamericano Contra o Terrorismo (CICTE).
Carlos Chagas Vianna Braga é autor do artigo Violência Política e Controle de Massas: lições do Sucesso Brasileiro na Melhora dos Níveis de Segurança no Haiti, e procurou identificar os desafios enfrentados pela Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), bem como a participação de civis e militares brasileiros auxiliando diretamente na superação dos obstáculos. Para tanto, nos diz que parte do sucesso na interação entre brasileiros, haitianos e a comunidade internacional só foi possível graças ao caráter, a natureza e a cultura brasileira, e assim, é possível perceber nessas nuances a importante contribuição brasileira ao combate à violência e ao controle de massas. O autor nos diz que o saldo positivo da participação brasileira no Haiti possibilitou que novos processos fossem iniciados tendo como base o sucesso das ações anteriores, contribuindo para a prática brasileira de combate ao terrorismo, atuando diretamente a longo prazo nos pontos motivacionais, numa ação não só militar, mas de todos os setores envolvidos.
No artigo A Rússia face ao Terrorismo, escrito por Alexander Zhebit, o autor inicia sua análise marcando o ano de 2004 como o divisor de águas no combate ao terrorismo, a partir do momento que o Conselho de Segurança da ONU aprova resoluções significativas para o funcionamento do Comitê Contraterrorista (CTC), principalmente em se conceitualizar o termo terrorismo. Assim sendo, ficaria designado que o terrorismo internacional é prejudicial à segurança humana, e que os atos terroristas são motivados pela intolerância e pelo extremismo presentes nas diversas regiões do mundo. Também considera o terrorismo como uma das mais sérias ameaças à paz e à segurança, e que o mesmo deverá ser combatido sempre se pautando pelo direito internacional humanitário, direitos humanos e direito dos refugiados. Somado a isso, ficou estipulado pelo Conselho de Segurança que todos os atos terroristas serão condenados independentemente de sua motivação, dos seus atores e das circunstâncias, e assim não se justificariam pela sua natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica, religiosa ou quaisquer outras e, seguindo a análise do terrorismo, o autor busca relacionar adequações realizadas pela Rússia dentro dos parâmetros estipulados nas resoluções da ONU.
Em “O problema do terrorismo internacional na América do Sul e a Tríplice Fronteira: histórico e recomendações”, Arthur Bernardes do Amaral tem como objetivo relatar os principais pontos que leva a consideração de atuação terrorista na região limítrofe entre Argentina, Paraguai e Brasil. Geralmente, ao se considerar atuações terroristas na América do Sul, logo nos remetemos a presença das FARC na Colômbia e a Tríplice Fronteira, mas o que o autor propõe é esclarecer os pontos divergentes entre os dois movimentos. Enquanto as FARC agem diretamente no território colombiano e ao redor da política interna, a Tríplice Aliança possui agentes políticos atuando internacionalmente. Mesmo assim, apesar de possuírem traços correspondentes a prática do terrorismo, em algumas instâncias os movimentos na América do Sul acabam divergindo da conceitualização terrorista.
Já em Dimensão amazônica do conflito colombiano e seus efeitos nas políticas de segurança continental e brasileira, o autor Licio Caetano do Rego Monteiro procurou estabelecer uma análise sobre a Amazônia e suas fronteiras, e na atuação das Forças Armadas na região, principalmente no que tange a questão de tráfico de drogas e da atuação das FARC no território. Assim sendo, o autor nos diz que no diálogo Brasil-Colômbia, a relação se dá em forma de parceria, com ambos atuando diretamente nos pontos de conflito. Também o autor demonstra a posição brasileira de facilitadora do diálogo entre o Equador e a Colômbia, bem como das relações de cooperação no trapézio amazônico (Brasil/Colômbia/Peru). A questão é que, de acordo com Lício Caetano, o fato de existir uma ameaça colombiana, levou o Brasil a pensar e organizar sua estratégia em relação à Amazônia e suas fronteiras. Mas o autor vai além, deixando uma pergunta no ar:
“como incorporar um modelo hegemônico de combate às drogas e às novas ameaças e, ao mesmo tempo tentar reverter a aplicação desse modelo em ganhos a serem redirecionados para outros cenários de instabilidade e ameaça ao Estado brasileiro numa posição contra-hegemônica?” 3
Dentre as experiências sul-americanas passíveis de comparações com classificações do terrorismo, podemos citar o movimento peruano Sendero Luminoso, como também o movimento boliviano Ejercito Guerillero Tupac Katari. Esse assunto foi abordado pelos pesquisadores Daniel Santiago Chaves e Rafael Pinheiro de Araújo com o artigo Nos Andes, rastros de violência: Sendero Luminoso e Ejercito Guerillero Tupac Katari. Nesta pesquisa os autores procuraram compreender os dois movimentos políticos de luta armada dentro do seu processo histórico e seus respectivos desdobramentos, entretanto não utilizaram da visão da perspectiva da violência dos movimentos, mas utilizaram o prisma da relevância dos conflitos estabelecidos entre os movimentos e seus respectivos governos de orientação macroeconômica liberal-exportadora. Também se detiveram a analisar a maneira como esses movimentos foram combatidos, por meio da incapacidade do diálogo entre as esferas, ocasionando um combate “irascível às ações revolucionárias” dos movimentos guerrilheiros 4.
Como já mencionado, se faz necessário que o estudo sobre terrorismo esteja na pauta do dia dos mais variados centros de pesquisa, que o assunto seja pensado e discutido constantemente. Devido a sua indiscutível importância a temática terrorista vem servindo como cenário para grandes produções cinematográficas. Neste aspecto, o livro ainda trás consigo a resenha de quatro filmes: A Batalha de Argel – resistência e terror no processo de independência da Argélia por Ricardo Pinto dos Santos, Dresden! Hiroschima! Vietnã! – reflexões sobre o grupo Baader-Meinhof por Carlos Leonardo Bahiense da Silva, Nova York Sitiada por Karl Schurster e A soma de todos os medos por Igor Lapsky da Costa Francisco.
Ainda como parte do livro Terrorismo na América do Sul, temos a entrevista com o Professor Paulo Gabriel Hilu Pinto, docente do departamento de Antropologia da Universidade Federal Fluminense. As perguntas versaram sobre a sua especialização em cultura e civilização árabe e muçulmana, onde o entrevistado relatou o momento que iniciou o seu interesse sobre o tema, quando a mídia ainda fazia referência ao fundamentalismo islâmico, e não ao terrorismo, comumente direcionado após o atentado de 11 de setembro.
Para encerramento da obra, Francisco Carlos Teixeira da Silva produz o posfácio Terror e crime organizado no Rio de Janeiro, em que versa sobre o enfrentamento entre facções criminosas e o Estado, ocorridas na capital do Rio de Janeiro no final do mês de novembro de 2010. Diante dos conflitos estabelecidos entre as facções do “Comando Vermelho” e o “Terceiro Comando” pelo controle do narcotráfico e, como conseqüência, a retaliação exercida pelo Estado por meio da ocupação das regiões com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), originou uma forte onda de violência, principalmente na comunidade da Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão. O autor se atém no texto a questionar a natureza dos atos criminosos praticados por esses núcleos, como sendo ou não atos de terrorismo. Para ele, os atos de violência ocorridos no Rio de Janeiro, foram atos terroristas, e para isso, define terrorismo como
...) um método de ação, normalmente usado por uma força (entidade política, partido, grupo, Estado) mais fraco contra uma força superior (dominante ou ocupante, na maioria das vezes constituído enquanto Estado). O Terrorismo visa minar a vontade de lutar do adversário, normalmente utilizando-se da violência contra a população civil, para que esta – temerosa, horrorizada, aterrorizada – exerça pressão contra o Estado e este desista de suas ações. O terrorismo age sem aviso prévio (ou com um aviso apenas o suficiente para a evacuação de um local), precisa de uma grande publicização, visa atingir alvos estratégicos e de grande relevância para a sociedade ou o Estado, não distingue entre as vítimas potenciais e busca desmobilizar o poder mais forte 5.
Assim sendo, o autor nos chama a atenção para o fato de que para alguns políticos (devido a implicações em possibilidades de crise caso se assuma o caráter terrorista nos conflitos) como também para alguns acadêmicos, (devido a falta de objetivos políticos e de uma ideologia que justificasse a ação), os acontecimentos aqui relatados não podem ser classificados como terrorismo e, contradizendo ambos, para Francisco Carlos, “uma organização ou entidade organizada, secreta, ilegal, armada de forma eficiente que ataca a população civil para paralisar a ação do Estado (de Direito) é terrorista.” 6
O fato é que a obra cumpre com a proposta elaborada ainda em sua introdução: de fomentar ainda mais a discussão acerca do terrorismo. A reunião de textos organizados na obra, mesmo possuidores de visões diferenciadas, enriquecem os debates sobre o tema, permitindo por meio de suas análises a elaboração de pensamentos que se preocupam com a ameaça de terrorismo na América do Sul e com a importância do Brasil nos processos de cooperação internacionais nos conflitos estabelecidos.
NOTAS
1. Mestranda em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pesquisadora do Laboratório de Estudos do Tempo Presente – IH/UFRJ, participando do grupo Caminhos da Integração Sul-Americana (FINEP/CNPq/UFRJ)
2. Pág. 17.
3. Pág. 201
4. Pág. 206.
5. Pág. 304.
6. Pág. 306.
LIMA, Priscila Henriques. RESENHA - Terrorismo na América do Sul: uma ótica brasileira. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 6, Nº2, Rio, 2011 [ISSN 1981-3384]
Fonte: http://www.tempo.tempopresente.org/index.php?option=com_content&view=article&id=5539:resenha-terrorismo-na-america-do-sul-uma-otica-brasileira&catid=106&Itemid=100040&lang=pt
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